Pular para o conteúdo
BRASIL

Apagão de dados e reabertura irresponsável: o Brasil no epicentro mundial da pandemia

Gilberto Calil

O quadro reúne os dados dos 15 países com maior número de mortes registradas. Tomamos como referência principal o ritmo de crescimento do número de mortos, tendo em vista que o patamar de subnotificação dos casos no Brasil prejudica a avaliação da evolução do número total de casos. 

O ritmo de crescimento mundial do número de mortes vinha diminuindo de forma consistente desde meados de abril, mas nas últimas atualizações estagnou em 17%, pois a redução observada especialmente na Europa é contrabalançada pelo elevado crescimento das mortes no Brasil, México, Índia, Rússia, Peru e Chile. Sempre calculado para os 14 dias anteriores, há 40 dias o crescimento médio no mundo era 50%, há 20 dias era 23%, e agora está em 17%. Tal redução foi efeito das medidas de contenção e políticas de isolamento social adotadas de forma rigorosa em muitos países. 

Nos últimos sete dias, o Brasil teve 7.219 mortes, o que representa 23,4% das 30.873 registradas em todo o mundo (o Brasil tem 2.8% da população mundial), mantendo-se na semana com mais de mil mortes diárias, bem à frente dos Estados Unidos (5.849 mortes no período). No dia de ontem, o Brasil muito teve mais mortes (1.185) que todos os 105 países da Europa, África e Oceania (1.002).

O Ministério da Saúde omite informações e ataca diretamente o direito à informação, ocultando dados fundamentais e séries históricas sobre Síndrome Respiratória Aguda Grave que permitiriam dimensionar o patamar da subnumerificação dos óbitos. Além disto, propaga o número de recuperados como se fosse a informação mais relevante. No entanto, este número só tem relevância se é maior que o de novos casos, o que está muito longe de se efetivar.

Além disso, o resultado da pesquisa nacional Epicovid-19BR, divulgado no dia 25 de maio, indica que tínhamos então 7 vezes mais contaminados do que indicam os dados oficiais, o que então abarcaria 1.4% da população. Caso a relação se mantenha, hoje estaríamos em 2.4%. Considerando a intenção declarada de Bolsonaro de atingir 70% da população para garantir a alegada “imunidade de rebanho”, haveria espaço para que o número e contaminados crescesse ainda mais 29 vezes, com o que se chegaria mantendo a mesma relação, a 1.115.000 mortes, sem considerar o acréscimo decorrente do colapso do sistema de saúde nem a atual subnoficação de óbitos não testados. Além de estarmos entre os quatro países com maior ritmo de expansão das mortes (sendo o que tem maior número absoluto), temos também o maior ritmo de expansão do número de casos, que teve um crescimento de 89% em 14 dias, tendo chegado a ultrapassar 30.000 novos casos em um dia. Isto indica uma forte tendência de que o número de óbitos seguirá crescendo nas próximas semanas. Há 60 dias, o Brasil não atingia 1% do total de mortos no mundo, há 30 dias chegava a 3,9% e hoje este índice já chega a 9,3% das mortes mundiais. Temos 181 mortes por milhão de habitantes, mais de três vezes superior à média mundial (53).

Cinco países, dentre os que tem maior número de mortes, mantém-se com um ritmo de crescimento de mortes entre 3 e 5 vezes superior à média mundial: México (84%), Índia (78%), Rússia (65%), Brasil (57%) e Peru (51%). No entanto o Brasil está em estágio mais adiantado de evolução da pandemia, com mais mortes acumuladas que os outros quatro somados, e portanto deveria ter taxas de crescimento muito mais baixas. Dentre estes quatro países, a pior situação no momento é a do México, pois não há ainda tendência à redução do ritmo de crescimento das mortes. Todos os demais países que estão entre os quinze com mais mortes tiveram diminuição do crescimento de mortes ou ao menos estabilizaram em patamares mais baixos, estando o Canadá (19%) os Estados Unidos (13%), Irã (12%) e o Reino Unido (10%) em uma situação intermediária, ainda com oscilações e expressivo número de mortes diárias. Os demais países europeus registram um crescimento das mortes entre 1% e 4%, comprovando efetiva estabilização, embora no caso da Espanha as mudanças de procedimento na contagem baixem artificialmente os números. Mais relevante é a manutenção dos índices de crescimento de novos casos abaixo 0,2% ao dia, que garante uma continuada redução dos casos ativos. A partir desta edição do quadro, passamos a registrar os dados dos casos ativos ao invés dos casos totais, pois expressam melhor a atual situação da pandemia em cada país. As exceções na Europa são a Rússia, que segue como terceiro país em número de casos no mundo, e a Suécia, atualmente em profunda crise decorrente do fracasso da estratégia que seguiu, tendo um dos maiores índices de morte por milhão do mundo e estando muito longe de conseguir estabilizar a situação (249 mortes nos últimos 7 dias e 29.3% de crescimento dos casos em 14 dias), ao mesmo tempo em que se tornou evidente que, estando com aproximadamente 5% da população “imunizada”, a estratégia de “imunidade de rebanho” torna-se impraticável.

A China, que deixou de constar no quadro dos 15 países com mais mortes, foi ultrapassada também por Turquia e Suécia (que tem uma população 140 vezes menor), e hoje é 18º país em número absoluto de mortes. O país registra apenas uma morte nos últimos 30 dias e 51 novos casos nos últimos 14 dias, estando com 55 casos ativos.

Brasil, México e Índia são disparadamente os três países com menor número de testes. O número de testes por milhão de habitantes que Brasil (4.706), México (2.673) e Índia (3.574) é absolutamente inexpressivo e várias vezes inferior aos demais países com números análogos de mortes e casos (ainda que a Índia já tenha passado de 5 milhões de testes). É um patamar de testagem que torna absolutamente inviável qualquer controle sobre a pandemia, e mais ainda qualquer  planejamento de reabertura. Na relação entre testes realizados e resultados positivos, o Brasil tem os piores números do mundo, com menos de 1.5 testes realizados por resultado positivo.  

O elevado ritmo de crescimento das mortes no Brasil contraria a tendência internacional de melhora da situação e indica um rápido e intenso agravamento do quadro nacional. Já tendo passado de 38.000 mortes oficializadas, o país deveria ter já há muito tempo um ritmo de crescimento diário de novos casos bem abaixo de 1% para ao menos ter a expectativa de começar a reduzir o ritmo de crescimento das mortes em duas a três semanas. No entanto, o ritmo de crescimento de casos segue elevadíssimo. Tornam-se cada dia mais urgentes políticas efetivas de isolamento social e inclusive de lockdown em várias regiões, o que é justamente o contrário do que vem sendo feito. Medidas deste tipo foram adotadas por todos demais os países muito antes de chegarem no trágico patamar em que estamos no momento. Nosso isolamento social continua sendo relaxado e sabotado pelas autoridades federais, com cumplicidade explícita do grande empresariado, produzindo a conjunção trágica entre altas taxas de crescimento das mortes e dos novos casos, em um cenário de baixa testagem e subnotificação generalizada, que se expressa também no enorme crescimento de mortes por Síndrome Respiratória Aguda Grave não testadas para Covid, especialmente alto em alguns estados que registram número relativamente mais baixo de mortes por Covid, como Minas Gerais e Paraná. 

No Brasil, o número de mortes está duplicando a cada 19,5 dias e o número de casos a cada 15 dias, enquanto no mundo o tempo de duplicação das mortes é de 46,5 dias e o dos casos é de 34,5 dias. Além de sermos o país com mais mortes diárias, também já somos o país com mais novos casos diários (ultrapassando os EUA, que realizam dezenas de vezes mais testes), o quarto país com o maior ritmo de crescimento de mortes (depois do México, Índia e Rússia, mas sob uma base numérica 3.5 maior) e o país com maior ritmo de novos casos diários. Certamente também somos o país com mais pacientes em estado grave, mas este dado não é atualizado há um mês.

Outros países, situados especialmente na América Latina, e também na África, Ásia e Oriente Médio, embora com números de casos e de mortes que ainda são menos expressivos, vêm tendo crescimento bastante superior à média mundial. Dentre estes, tiveram crescimento do número de casos superior a 100% nos últimos 14 dias: Nepal (5.29x), Etiópia (3.33x), Haiti (3.32), Iraque (2.94x), República Centro Africana (2.76x), Omã (2.24x), , África do Sul (2,18x), Bolívia (2.09x),Guatemala (2x). Com taxa de 1.96x e maior número de mortes no continente africano, o Egito também tem a situação fora de controle. Se considerarmos os 15 países com maior número de casos ativos, além dos já citados, temos Paquistão (1.88x), Bangladesh (1.95x), Chile (1.83x) e Arábia Saudita (1.41x).

De outro lado, há um crescente número de países com a situação estabilizada e que praticamente não tem tido novos casos, como Taiwan, Tailândia, Vietnã, Eslovênia, Suíça, Luxemburgo, Áustria, Croácia, Estônia, Albânia, Dinamarca, Noruega, Bósnia, Jamaica, Cuba e Uruguai, todos eles com expressiva redução do número de casos ativos. Dentre 213 países considerados, 25 não tem registrado nenhum caso ativo (sendo os mais populosos Papua Nova Guiné, Nova Zelândia, Laos, Eritréia, Timor Leste e Trinidad e Tobago) e outros 20 tem menos de 5 casos (incluindo Taiwan, Camboja, Lesotho e Gâmbia).

É imprescindível e urgente reduzir o ritmo de crescimento do número de novos casos, para em consequência reduzir o número de mortes, pois a manutenção dos índices atuais projeta um cenário que é pior a cada dia e só vai piorar se o processo de reabertura tiver continuidade na situação atual. Se por hipótese considerarmos que este ritmo se mantenha o mesmo (crescimento de 57% a cada 14 dias), o número de mortes no Brasil atingiria 60.440 em 23/6, 94.821 em 7/7 e 148.979 em 21/7. Não se trata de uma previsão, mas de projeção do que pode ocorrer caso não sejamos capazes de diminuir o atual ritmo de forma muito mais vigorosa. Para isto, são inadiáveis medidas para ampliação do nível de isolamento individual, associadas à garantia de efetivas condições de sobrevivência ao conjunto dos trabalhadores, em especial aos mais precarizados. Um pequeno aumento ou uma pequena diminuição no percentual produz um grande efeito em cascata nos números em dois ou três ciclos, o que reforça a urgência do reforço das medidas protetivas.