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Rápidas observações sobre o momento atual da pandemia no Brasil

Vacinação conta a Covid-19 no Recife – Foto: Rodolfo Loepert / Arquivo PCR

Gilberto Calil

Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor do curso de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), integrando o Grupo de Pesquisa História e Poder. Editor da Revista História & Luta de Classes. Presidente da ADUNIOESTE e integrante da direção do ANDES-SN. Tem pesquisas sobre fascismo, hegemonia, Estado e Poder, Gramsci e Mariátegui.

O quadro abaixo, construído a partir dos dados oficiais divulgados pelo Ministério da Saúde, sistematiza alguns dados sobre o número de óbitos por milhão de habitantes nos diferentes estados brasileiros, indicando na segunda coluna o índice total acumulado e na terceira o número de óbitos por milhão dos últimos sete dias. Na última coluna, registra-se o percentual de votos obtido por Jair Bolsonaro no segundo turno da eleição de 2018. Os pontos a seguir são reflexões a partir destes dados:

  1. Nos últimos 7 dias, o Brasil registrou 22 mortes por milhão de habitantes, passando de 2.740 para 2.762. Isto indica uma pequena redução do número de mortes, dado que nos 7 dias anteriores tinham se registrado 24 óbitos por milhão de habitantes 7 dias anteriores. Depois de vários meses mantendo um índice de mortes por milhão cinco vezes maior que a média mundial, estamos agora com “apenas” duas vezes e meia mais. O que parece uma boa notícia, no entanto, deve ser problematizado sob dois aspectos: a distribuição regionalmente muito desigual destes óbitos e o fato de que os estados com circulação da variante delta apresentam aumento dos índices.
  2. Cinco estados tiveram aumento de mortes por milhão em relação aos sete dias anteriores. Um deles – o Rio de Janeiro – teve ao mesmo tempo o pior índice e o maior aumento, passando de 44 para 61 mortes por milhão. É um índice quase três vezes maior que a média nacional e quase sete vezes superior à média mundial
  3. A terrível situação do Rio de Janeiro indica o provável cenário para os próximos meses para outros estados, considerando-se que o Rio de Janeiro é o estado no qual a variante delta mais se alastrou.
  4. Os outros estados que tiveram aumento foram Mato Grosso do Sul (de 28 para 33), Espírito Santo (de 14 para 27, o segundo maior aumento), Roraima (de 13 para 23) e Amazonas (de 5 para 6).
  5. Afora estes, São Paulo manteve o alto número de 35 mortes por milhão. E o anúncio de reabertura geral indica alta probabilidade de um aumento expressivo nas próximas semanas.
  6. No total, na última semana 10 estados tiveram mais mortes por milhão do que a média nacional. Todos eles, sem exceção, são estados nos quais Bolsonaro venceu a eleição: Rio de Janeiro (61), Paraná (35), São Paulo (35), Distrito Federal (35), Goiás (35), Mato Grosso do Sul (33), Mato Grosso (28), Espírito Santo (27), Minas Gerais (23), Roraima (23). Observa-se, portanto, que a situação é pior em todos os estados da região Sudeste e Centro-Oeste, além de Paraná e Roraima.
  7. Em contraposição, onze outros estados tiveram número de óbitos igual ou inferior à média mundial, sendo todos eles das regiões Nordeste e Norte: Piauí (4), Amapá (4), Acre (4), Ceará (5), Amazonas (6), Rio Grande do Norte (5), Amazonas (6), Pernambuco (7), Pará (8), Rondônia (8), Sergipe (9).
  8. No total acumulado ao longo de toda a pandemia, nove estados (e mais o Distrito Federal) têm mais óbitos por milhão do que a média nacional, e todos eles são estados nos quais Bolsonaro venceu a eleição – Mato Grosso, Rondônia, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, Amazonas, Paraná, Roraima, Goiás, São Paulo, Espírito Santo e Rio Grande do Sul. Dentre estas dez unidades da federação, sete tiveram também na última semana índices piores que a média nacional, indicando que as disparidades regionais tendem a se acentuar.
  9. O Maranhão é o estado com menos mortes por milhão acumuladas, com pouco mais da metade do índice nacional. Em todos os cinco estados com menos mortes por milhão de habitantes (Maranhão, Bahia, Alagoas, Pará e Pernambuco), Jair Bolsonaro perdeu as eleições em 2018, sendo que nos estados com índices mais baixos, sua derrota foi por larguíssima margem.

 

O conjunto dos dados indica uma correlação claríssima entre o percentual de identificação com o bolsonarismo e maiores índices de letalidade. É claro que seriam necessárias inúmeras pesquisas para determinar o peso específico de cada um dos prováveis elementos nesta tragédia – comportamentos de risco, aversão ao isolamento social, crença em medicamentos ineficazes, recusa ao uso da máscara, etc. Ainda assim, onde em paralelo avançam a vacinação, de um lado, e a expansão da variante delta e os comportamentos de risco de outro, há fortes indícios de que este abismo deve se acentuar. O anunciado deslocamento de centenas de ônibus com adeptos bolsonaristas para Brasília e São Paulo tem potencial de produzir uma significativa piora na situação sanitária, em especial nos estados do Centro-Oeste e do Sul e Sudeste.

Finalmente, é imprescindível colocar em perspectiva a modesta redução no número de óbitos, levando em consideração o total acumulado, que coloca o Brasil na pior posição entre os maiores países do mundo. A Tabela a seguir destaca entre os 29 países do mundo com mais de 50 milhões de habitantes aqueles que tem maiores e menores números de mortes por milhão de habitantes acumulados.

Evidencia-se que o Brasil tem quase cinco vezes mais mortes por milhão de habitantes que a média mundial, 900 vezes mais do que a China. Todos os indicadores expressam a política deliberada de agravamento e prolongamento da Pandemia seguida pelo governo Bolsonaro. Quando se observa o percentual de pessoas com mais de 70 anos no país, que é inferior à média mundial, considerando-se a maior letalidade nestas faixas etárias, percebe-se o absurdo de ter índices piores do que os principais países europeus que tem proporcionalmente três ou quatro vezes mais idosos. O número de casos por mil habitantes é um dos maiores, mas deve se considerar a taxa de testagem absolutamente ridícula do país, com 2,7 testes realizados por positivo, sete vezes inferior ao mínimo preconizado pela Organização Mundial da Saúde (mínimo de vinte testes por positivo). Mesmo a vacinação, que foi importa pela mobilização popular, ainda é muito insuficiente, e considerando a condição do país no topo da tabela e especialmente as possibilidades que foram oferecidas por uma grande farmacêutica que, considerando a estrutura do Sistema Único de Saúde, pretendia fazer do Brasil sua grande vitrine, mas que teve uma centena de e-mails ignorados.