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BRASIL

O messias mercador

Marcelo Sitcovsky, de João Pessoa, PB
Agência Brasil

Jair Bolsonaro na manifestação de apoiadores no Palácio do Planalto, neste domingo

Uma parte da humanidade perdeu sua humanidade?

Espero que para muitos essa pergunta faça algum sentido.

Não consigo dormir. Enquanto assisto os meus dormirem tento não pensar nas mortes, no medo de muitos e nos pesadelos que virão quando afinal eu conseguir adormecer. Todas as noites antes de dormir, me vem o mesmo pensamento – o que será do amanhã? Não me refiro a um tempo distante, meus pensamentos estão voltados no dia de amanhã, quando eu acordar. Qual terá sido a novidade do Palácio?

Eles já não conseguem demonstrar um mínimo de empatia pelo outro, as relações estabelecidas entre os seres humanos e com a natureza, baseada na busca desenfreada pelo lucro sempre produziu monstros. No entanto, insisto em afirmar, a pandemia elevou isso tudo a enésima potência. As carreatas da morte e os buzinaços nos hospitais anunciam que o cortejo do lucro e da morte está chegando. Rezam na frente de quartéis, mas não pela vida ou por luto em razão das mortes.

A economia não pode ser salva sem que as vidas sejam salvas antes. A vida vale mais do que qualquer outra coisa. Salvar a vida antes dos lucros! Parecem frases tão tolas, não pelo seu significado, mas sim pela obviedade do conteúdo que lhes dão forma.

A apropriação privada da riqueza, a exploração do trabalho, o fetichismo da mercadoria e todo o resto que acompanha o edifício do modo de produção capitalista, com suas formas mais ou menos democráticas encobrem a autocracia da propriedade privada, que impõe o lucro acima das vidas.

Nesta pandemia a tentativa transloucada do mercador da morte, seus fies seguidores e escudeiros, que defendem a reabertura do comércio a todo custo só expõe a racionalidade de uma sociedade putrefata. Os que se omitem ou flertam com tais ideias aguardam que sejam expostas as vísceras dos trabalhadores(as) para que os abutres do lucro se refestelem com a carniça de corpos que nada valem para os donos dos negócios.

A força de trabalho, aquela mercadoria especial que cria valor para além de si mesma, está sendo requisitada à continuar a enriquecer os proprietários. Uma das ironias da pandemia foi colocar a nu a lei do valor trabalho.

Oxe, e não era o capital o responsável pelo desenvolvimento e pelo progresso? A riqueza não jorra da perseverança, da dedicação e do trabalho acumulado do capitalista?

Eles pretendem enfileirar os trabalhadores(as) no corredor da morte, reabrindo seus negócios para alimentar seus próprios bolsos.

Eles pretendem enfileirar os trabalhadores(as) no corredor da morte, reabrindo seus negócios para alimentar seus próprios bolsos. Desejam conduzir homens e mulheres para o trabalho do Covid19, da mesma forma que centenas de milhares foram levados às câmaras de gás, num passado que não é possível esquecer.

A humanidade já produziu seus monstros, o nazifascismo, sustentado no irracionalismo, no negacionismo, em ideias de supremacia e de destruição de grupos inteiros, são “desvalores“ cada vez mais presentes entre os adoradores do messias da morte.

Enquanto tentamos não nos infectar e sobreviver, eles em seus podres poderes, manipulam em suas redes sociais, criando mentiras verdadeiras, apostam as vidas dos outros. Os hospitais colapsando, não há leitos, respiradores e Ele continua a exalar os odores da morte. Os corpos se amontoam nos necrotérios, já não há como enterrar nossos mortos, as valas abertas aos céus são apenas o aviso de que a morte nos espreita.

A essa hora da madrugada me vejo sequestrado por pensamentos terríveis, egoísta e sombrios. Fico pensando, mas se a o vírus infectasse apenas esses doentes, os que querem salvar a economia custe a vida de quem custar. Não seria tão justo se o vírus fosse fatalmente atraído pelos defensores do mercador da morte e infectasse todos os negacionistas? Poderia funcionar assim, uma espécie de programação no código genético do vírus, que o fizesse infectar apenas os neofascistas. Afinal eles poderiam se salvar com a cloroquina, ou não né? Vixe, pesquei. Cochilei e nem percebi. Tive mais um daqueles pesadelos.

O mercador nos oferece o contágio, a doença e a morte. Nós não vamos lhe entregar nossos corpos, a vida deve resistir.

 

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