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MUNDO

Como a revolução bolivariana enfrenta o Covid-19 e a ameaça de Trump de capturar Maduro e intervir na Venezuela

Elio Colmenarez, Caracas (Venezuela)
Telesur

A situação política da Venezuela não deixa de ocupar as primeiras páginas dos jornais mesmo nessa época em que uma pandemia assola o mundo. Os avanços econômicos e sociais da revolução bolivariana são minimizados e até mesmo destruídos pelo inclemente bloqueio econômico. A inconsequência do governo Maduro em impulsionar a construção do socialismo em resposta à ofensiva imperialista tem recebido críticas da população.

Não é a primeira vez que a burguesia e o imperialismo se equivocam ao crer debilitada e até desaparecida a revolução bolivariana e esta, para surpresa desses e de outros, ante cada ataque do imperialismo tem reagido com vitalidade inusitada. Chávez repetiu várias vezes citando Trotsky, que “as vezes é o chicote da contrarrevolução que impulsiona a revolução”. Isso tem sido mais certo do que nunca nos últimos anos.

ENFRENTANDO A AMEAÇA DO COVID-19

Sem dúvida o bloqueio econômico atingiu mais duramente o sistema de saúde da Venezuela. A revolução bolivariana levou a saúde para todos os cantos do país, interrompendo o processo de extinção da saúde pública imposto pelos pacotes aplicados nas últimas décadas do século XX. A  missão Barrio Adentro levou a atenção primária diretamente às comunidades, o Estado cuidou de doenças catastróficas gratuitamente, as farmácias forneceram gratuitamente medicamentos de alto custo que eram proibitivos para a maioria da população, e os centros de distribuição como a Farmapatria, garantiram medicamentos a preços de custo para toda a população. Na Venezuela, os cursos de Medicina são gratuitos até o nível de doutorado.

Mas um erro foi que, apesar de ser um mandato expresso da Constituição de 1999, uma indústria nacional de saúde não foi construída para garantir a soberania dos insumos e medicamentos. Pelo contrário, o sistema de saúde tornou-se altamente dependente das importações, e a fuga dos grandes monopólios farmacêuticos ligados ao capital internacional levando ao fechamento  algumas empresas diminuiu a capacidade interna de produção de insumos e remédios.

A queda dos preços do petróleo, o bloqueio econômico e a retenção das contas estatais venezuelanas no exterior, limitaram a capacidade de adquirir medicamentos, enquanto a ausência de políticas para lidar com o bloqueio levou as empresas farmacêuticas estatais à paralisia devido à falta de insumos. Milhares de médicos venezuelanos fugiram para o exterior em meio à guerra econômica atraída pela propaganda de obter um melhor vida fora do país. Países como Chile, Peru e Equador receberam mais médicos venezuelanos em um ano do que poderiam formar em cinco anos. Um ataque terrorista em 2019 destruiu depósitos que guardavam equipamentos e o equivalente a dois anos de insumos e medicamentos que seriam destinados aos hospitais públicos. Por tudo isso, os técnicos de saúde mais otimistas colocaram a Venezuela como o país menos preparado da região para lidar com a pandemia COVID-19.

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Com base nessa situação (e nas relações com a China), o Departamento de Estado dos EUA denunciaram que a Venezuela como sendo uma ameaça à região para a disseminação do coronavírus devido à crise econômica, política e social que afeta o sistema de saúde. Ecoando esse aviso, os governos de Bolsonaro no Brasil e de Duque na Colômbia fecharam as fronteiras com a Venezuela quando o primeiro caso em território venezuelano ainda não havia sido detectado. No outro extremo, estava o Chile, apresentado como a mais próspera economia da região e com um sistema de saúde eficiente, totalmente privatizado, o qual se colocava como o melhor preparado para enfrentar a pandemia.

Coincidentemente, ambos os países detectaram seus primeiros casos em 13 de março, com viajantes da Espanha (não da China). No entanto, o desenvolvimento da pandemia desfez as previsões dos técnicos de saúde. Em duas semanas após a detecção do primeiro caso, o Chile (quase 20 milhões de habitantes) tem 2.139 casos, sete mortes e 75 casos recuperados (3,5% dos casos), enquanto a Venezuela (com 30 milhões de habitantes) tem 107 casos, duas mortes e 34 casos recuperados (31,7%), recebendo elogios da OMS pela capacidade de lidar com a emergência. Mas então, o que aconteceu?

Ainda que pareça um paradoxo, a única maneira de imobilizar o país é com base na maior mobilização social

De novo as forças latentes da revolução tornaram o milagre possível. Na ausência de vacinas, medicamentos comprovadamente eficazes para prevenção e/ou cura e com um vetor de expansão tão violento quanto do coronavírus, a única possibilidade de frear o crescimento exponencial do contágio é o maior isolamento social. E ainda que pareça um paradoxo, a única maneira de imobilizar o país é com base na maior mobilização social!

A gigantesca teia de organizações sociais de base nas comunidades, construída em anos de revolução e resistência ao bloco imperialista, tornou possível a quarentena social voluntária. As comunidades se fecharam, limitando o tráfego interno apenas para compras, e impôs o uso obrigatório de máscaras e luvas nas ruas. A própria comunidade garante assistência aos idosos que vivem sozinhos, a detecção de casos suspeitos a partir dos sintomas e fechamento total (quarentena fechada) onde foram detectados os casos. O sistema de saúde analisa as pessoas de casa em casa apoiado pela organização do bairro. As cidades foram divididas em quadrantes e apenas a equipe médica pode se mover de um quadrante para outro. O comércio de alimentos e itens de primeira necessidade tem sido restrito a horários específicos dentro de cada quadrante. Isso só é possível devido a organização de bairro mais profunda de todo o continente. 

Todos os governos do México à Patagônia têm se preocupado com os efeitos de uma quarentena na economia, limitando o efeito das medidas, reduzindo-as a exortações e não obrigações, e até mesmo alguns presidentes minimizaram o perigo do vírus, pressionado pelo medo das consequências econômicas de uma paralisia. Milhares de trabalhadores saem às ruas todos os dias para ir ao trabalho mal protegidos com máscaras recicladas, ou mesmo sem elas, seja porque não podem comprá-las ou não as encontram mais, porque sem um emprego não terão como levar comida para casa. Outros já perderam seus empregos e muitos vivem a ameaça de perdê-lo porque a empresa onde trabalham pode ir à falência. Enquanto isso a burguesia se refugia em suas casas e exige que os governos não parem a economia mesmo que as pessoas coloquem em a própria vida.

Na Venezuela, a quarentena social e voluntária paralisou todas as atividades, exceto distribuição de alimentos e artigos de primeira necessidades, bem como serviços essenciais. A distribuição de máscaras e luvas é gratuita e as Comunas se auto-organizam para a desinfecção de espaços comuns e fabricação de máscaras. O Estado garantiu a distribuição gratuita de alimentos básicos (CLAP), o pagamento de um salário mínimo aos trabalhadores por conta própria e subsídio para pequenas e médias empresas, bem como às lojas, para garantirem a folha de pagamento dos trabalhadores durante a vigência da quarentena. Foi imposta a inamovibilidade do trabalho proibindo a demissão de qualquer trabalhador. É o Estado a serviço de proteger a vida da população, não os lucros da burguesia. 

No entanto, a ação sincronizada da organização popular, do governo e das instituições militares e policiais para lidar com a ameaça do coronavírus não ocultou as duras críticas da população ao governo que pode ser ouvida nas filas para adquirir alimentos: “se enfrentássemos assim o bloqueio já o teríamos derrotado há muito tempo”.

Recentemente a imprensa internacional zombou do presidente Maduro porque havia recomendado uma infusão de chá preto, limão e gengibre, como uma cura para o Corona vírus. Na verdade, ele não anunciou como uma cura, mas como fonte de vitamina C para prevenir o contágio. Após essa campanha caluniosa, o representante local da OMS foi consultado e declarou sobre a sugestão de Maduro: “realmente não cura o coronavírus, mas é encorajador ver como, após as instruções do presidente, toda a população a prepara e a toma: essa é a disciplina necessária para combater uma epidemia”. Essa é a força da revolução popular.

A PRAGA MAIS PERIGOSA: O GOVERNO TRUMP

Aparições esporádicas [de Guaidó] nas redes são ridicularizadas por seus próprios seguidores

Segundo os analistas a crise do coronavírus levou a que passasse despercebido o último fracasso da oposição venezuelana, a convocação para derrubar Maduro em 10 de março. A derrota fez com que vários indicassem, dentro da mesma oposição, que o caminho do confronto direto “estava esgotado” e o diálogo tinha que ser retomado enquanto uma saída. Em meio à quarentena social, o “governo de Guaidó” desapareceu e suas aparições esporádicas nas redes são ridicularizadas por seus próprios seguidores. Os porta-vozes da oposição Ochoa Antich e Henrique Capriles convocaram abertamente o diálogo para um acordo nacional contra o coronavírus. 

A rejeição internacional ao bloqueio à compra de medicamentos em meio à pandemia levantou vozes de protesto na União Europeia e a própria Bachelet, inimigos do governo bolivariano. Uma estratégia conjunta de Cuba e Venezuela contra o bloqueio, em meio à pandemia, começou a ganhar adeptos na comunidade internacional. O governo do México e da Argentina fizeram um apelo ao CELAC para uma ação conjunta contra a pandemia exigindo de entrada o levantamento dos bloqueios para Cuba e Venezuela.

Mas apesar disso a ofensiva contra a revolução bolivariana não para. A derrota de sua última tentativa de golpe apenas confirmou o que vários porta-vozes internos do imperialismo já estavam dizendo, ou seja, a quase impossibilidade de derrotar a revolução de dentro. Isso colocou sobre a mesa outra alternativa que nunca se descartou: a intervenção militar desde afora.

Em 25 de março foi preso em território colombiano um veículo que se dirigia a fronteira venezuelana com um arsenal de armas de guerra. O governo e a imprensa colombianas fizeram vistas grossas sobre o fato, mas o governo venezuelano que tem infiltrados até nos nos círculos mais próximos do presidente Duque publicou a notícia em detalhes, incluindo o interrogatório do detido conduzido pela polícia colombiana. 

A Venezuela informou que três campos de treinamento paramilitares foram descobertos na Colômbia, perto da fronteira com a Venezuela, operados por mercenários contratados pelos EUA sob a direção de um ex-general do exército bolivariano, Cliver Alcalá, fugido para a Colômbia em 2017. Embora o governo colombiano tenha guardado silêncio ante a notícia, a mídia colombiana se dirigiu a Cliver, que assegurou que as armas haviam sido adquiridas legalmente na Colômbia em um contrato assinado por Guaidó e que os governos colombiano e norte-americano tinham as informações.

O escândalo sobre o arsenal de guerra, o treinamento mercenário dos EUA e a ameaça de ataques militares contra a Venezuela em meio à pandemia não durou muito tempo. No dia seguinte à confissão pública de Cliver, o procurador-geral dos EUA acusou vários membros do governo da Venezuela de serem líderes de uma rede de tráfico de drogas que introduziu mais de 250 toneladas de cocaína nos EUA ano passado oferecendo publicamente uma recompensa entre US$ 10 milhões e US$ 15 milhões pela captura dessas pessoas.

Se a ameaça não fosse grave, a única queixa causaria risos a qualquer pessoa normal. A Colômbia, país vizinho à Venezuela, fabrica 70% da cocaína consumida no mundo. Os EUA são 72% do mercado global de drogas. Na Colômbia existem nove bases militares americanas destinadas a monitorar a produção e distribuição de drogas. Mesmo assim, o governo da Venezuela seria capaz de entrar na Colômbia, retirar 250 toneladas de cocaína e introduzi-las em território norte-americano, apesar do bloqueio econômico que lhe impõe há anos.  Não parece crível.

De acordo com o procurador-geral dos EUA, os indivíduos identificados, a maioria com altos funcionários do governo venezuelano, operam sem intermediários. No entanto, não foram detectados um único metro quadrado de plantio de coca, nem um único laboratório, nem um único carregamento, nem um único centro de distribuição nos EUA, nem uma operação de lavagem de dinheiro. Na ausência de evidências, o Procurador refere-se a “fontes confiáveis”.

Mas chama a atenção que entre os acusados se encontram Cliver e Carvajal, dois generais fugitivos do Exército Bolivariano há vários anos, que rapidamente saíram para “se entregar” à justiça norte-americana. Coincidentemente Carvajal já havia se “entregado” há quatro anos e já estava livre, e Cliver na semana anterior saiu confessando dirigir operações militares contra Venezuela com o apoio dos EUA e Colômbia. Obviamente, a entrega é um falso positivo de dois “generais” que estariam dispostos a colaborar com o governo dos EUA fornecendo informações sobre seus “chefes”. Que comédia! Uma montagem do estilo das que foram usadas contra Noriega, no Panamá, na década de 1990.

Não se pode, no entanto, descartar um ataque militar à Venezuela pelo exército ou mercenários dos EUA

A ameaça dos EUA dá carta branca às operações militares de mercenários contra membros do governo venezuelano, e tenta fortalecer o apoio político internacional ao bloqueio econômico que estava se enfraquecendo devido a pandemia, e reanimar o quadro interno da oposição que estava debilitada como nunca esteve após o último fracasso.

Não se pode, no entanto, descartar um ataque militar à Venezuela pelo exército ou mercenários dos EUA – que é o exército paralelo usado em conflitos em todo Oriente Médio – enquanto o povo venezuelano esteja envolvido em derrotar a ameaça do corona vírus. A solidariedade internacional deve estar atenta a esta ameaça. A vantagem militar americana sobre a Venezuela é óbvia, mas até agora a força do povo venezuelano e da revolução bolivariana saiu ilesa frente a todos os ataques. Pode ser então que os Estados Unidos se deem com as pedras nos dentes, e a força da revolução bolivariana poderá transformá-los em poeira, tal como fez o povo vietnamita na década de 1970.