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BRASIL

A cor do sangue: Witzel e a exaltação da barbárie contra a juventude negra no Rio de Janeiro

Mendel Aleluia, do Rio de Janeiro (RJ)
Tania Rego / Agência Brasil

O sangue derramado na insana “guerra às drogas” não vem de hoje, e ele não é pouco. A Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro desempenha um papel fundamental na produção cotidiana de uma letalidade só comparável à de países em guerra. Mesmo nos períodos em que recebeu um verniz humanizado, com as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), foram gritantes os casos de abusos e de assassinatos, tendo sido eles causados por imperícia, conluio com criminosos ou ainda por puro sadismo – e casos como Cláudia e Amarildo mostram que não faltou sadismo. Atualmente, entretanto, existe uma não desprezível diferença em relação aos períodos anteriores: o discurso bélico-cristão-neoliberal que elegeu Bolsonaro e Witzel vem, sem constrangimentos, promovendo a exaltação do assassinato, e cultuando abertamente a morte matada. Sem pudores, o presidente, o governador e seus asseclas louvam uma política de segurança com claros elementos fascistas, enaltecendo, assim, uma verdadeira máquina mortífera cujas engrenagens se dirigem quase que exclusivamente contra pobres, pretos, favelados e periféricos, isto é, contra os setores mais subalternizados da subalterna classe trabalhadora. O sangue derramado no Rio de Janeiro tem classe, cor e endereço. E ele não para de jorrar.

No plano federal, a retórica bélica de Bolsonaro somada a propostas como o “excludente de ilicitude”, presentes no “pacote anticrime” apresentado pelo ex-juiz e agora ministro Sérgio Moro, produzem um efeito devastador, na medida em que referendam e legitimam, a partir do discurso, toda sorte de violações por parte dos agentes públicos de segurança. Noutro movimento, a complacência do presidente e de sua família com as milícias deixa os não poucos setores corrompidos das forças de segurança muito confortáveis para seguir com todo o tipo de transgressões. Em terras fluminenses, o também ex-juiz Witzel, como um amante da guerra, inflama a prática da violência, se seduz pelo sangue e se satisfaz com a morte. Sentenças verbais proferidas pelo atual governador como “Nós vamos mirar na cabecinha” e “Nós vamos matar você” são exemplos de um sanguinário discurso que se soma a suas exibições em uniforme militar e aos seus não menos sanguinários “passeios” de helicóptero pela Costa Verde do Estado, onde, depois de mais alguns corpos e litros de sangue avistados lá do alto, ele pode tranquilamente descansar com sua família em calmos e aprazíveis resorts.

Nos últimos dias, seis jovens pobres e pretos tiveram suas vidas interrompidas por balas no Rio de Janeiro. Gabriel, Henrico, Tiago, Lucas, Dyogo e Margareth. Todos de famílias trabalhadoras. Alguns com sonho de se tornarem jogadores de futebol. Sonhos de menino, sonhos de menina. A negação da juventude aos mais pobres se dá de diversas maneiras. Falta de escola de qualidade, falta de lazer, falta de trabalho em condições dignas e mais uma infinidade de violências que o Estado pratica por omissão. No caso destes jovens assassinados, não está dada mais sequer a oportunidade de transformação de suas vidas individualmente. Para eles, nem mesmo o ilusório discurso da mobilidade social via empreendedorismo e fé pode mais ter lugar. As balas chegaram antes, e foram mais verdadeiras. Acabou. Viraram estatística. Talvez, suas famílias sequer receberão as hipócritas condolências dos senhores da guerra. Restará a elas assistir à indiferença de parcela da sociedade. A indiferença dos homens de bem. A indiferença que mata. A indiferença que silencia e faz sangrar. Elas certamente ouvirão, também, os estridentes aplausos dos fascistas, cada vez menos preocupados em se esconder.

O corte de classe presente na violência cotidiana, isto é, uma violência voltada contra as parcelas mais vulneráveis e precárias da juventude trabalhadora e seu crescente “exército industrial de reserva” traz perspectivas sombrias quanto ao futuro do Rio de Janeiro e do Brasil. A precarização do mundo do trabalho, a deterioração dos serviços públicos e a retórica excludente que legitima toda sorte de ataques reafirmam que a juventude pobre e negra é um alvo cada vez mais visado, e cada vez mais acertado, na mosca. Por sua vez, embora sem sangue à vista, a agenda econômica e ampliação da subserviência ao mercado financeiro, que têm nas contrarreformas do governo Bolsonaro a sua maior expressão, precisam ser lidas como componentes dessa ofensiva total e letal contra os trabalhadores por parte do atual regime político brasileiro e, em certo sentido, compreendidas como as facetas economicamente violentas de todo um sórdido e sanguinolento processo do capital contra o trabalho no país.

Bolsonaro, Wilson Witzel e aqueles a quem representam não podem e não irão passar por cima dos direitos sem resistência, porque cada vez mais perder direitos significa perder a possibilidade de uma vida digna, ou até mesmo perder a própria vida. E nós estamos cansados de perder. Urge aos intelectuais e trabalhadores organizados escutar e encampar o que a favela, com sangue na garganta, lhes grita: Vidas negras importam! Elas vão resistir. Com ou sem sangue. 

Sejamos alento para os que choram, voz dos que se indignam e pesadelo para os fascistas!

 

*Mendel Aleluia é Mestre em Geografia e professor do Instituto Federal Fluminense (IFF)