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Bolsonaro não é imbatível

Cobertura colaborativa Esquerda Online

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

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Nada está perdido. Segundo turno é uma nova eleição. Viradas são possíveis e já aconteceram muitas. Serenidade e firmeza. Ganhamos tempo ontem. Foi por pouco, é verdade. Mas há possibilidades reais. Tudo vai depender, como em qualquer luta difícil, porém, indefinida, da nossa estratégia e disposição.

Isto posto, duas observações muito rápidas.

Bolsonaro foi muito subestimado. Liderou uma onda eleitoral avassaladora, um movimento sísmico profundo. Não é verdade, contudo, que tenha sido uma surpresa. Sejamos sérios, não foi. Era previsível desde  muito tempo atrás, um ano pelo menos, e provável desde o atentado. E demonstrou que a política conta. A política não é somente um discurso, embora o que se diz e se propõe tenha importância. Tanto mais que o Brasil de hoje não é o mesmo de trinta anos atrás. É mais urbanizado e instruído. Mas as preferências políticas, em uma sociedade fraturada como o Brasil, respondem a alinhamentos de classe que, por sua vez, estão determinados por uma experiência prática. As ideias contam, mas estes dois elementos – interesses e as provas da vida – são a chave.

A imensa maioria da classe trabalhadora brasileira, portanto, do povo em geral, não se define, politicamente, como de esquerda ou de direita, como entre nossos vizinhos uruguaios ou argentinos, mais ideologizados. Isto não autoriza concluir que não tem importância saber que Bolsonaro é um neofascista, como insistem, teimosamente, alguns na própria esquerda. Mas nos ajuda a compreender quais são flancos mais frágeis de Bolsonaro, portanto, onde devemos bater.

O núcleo duro da votação do neofascista é a pequena burguesia, mas a audiência hoje é muito mais ampla. Uma votação de 46% só é possível com apoio, na escala de dezenas de milhões, de setores populares. O que a votação de ontem revelou, em primeiro lugar, foi a força do campo social e político que saiu às ruas entre 2015/16 e culminou com o impeachment, abrindo uma situação defensiva para os trabalhadores e o povo.

Mas a eleição demonstrou, também, que as forças políticas que deram sustentação ao governo Temer desmoronaram. E Bolsonaro defende o programa do governo Temer, só que com métodos selvagens. Assume que é necessário acabar com os programas sociais de transferência de renda como o Bolsa Família. Assume que quer impedir qualquer reforma agrária ou urbana. Assume que quer privatizar tudo que for possível. Assume que há direitos sociais demais, e o povo deve estar disposto a perder direitos para que os investimentos voltem.

A eleição revelou, também, que uma parcela das massas populares, em especial no nordeste, mantém uma referência no lulismo e no PT, em função da memória do que foram algumas reformas nos anos de crescimento econômico.

Frações burguesas mais amplas estarão agora com Bolsonaro no segundo turno. Mas a estratégia do núcleo duro da burguesia já se desenha. Manterão a ambiguidade, para fazer Haddad assumir a política econômica que responde a seus interesses: ajuste fiscal, reforma da previdência, etc. E fazer Bolsonaro assumir uma concertação institucional das relações de poder, aceitando negociações que garantam a terceirização de posições chaves no governo para técnicos de sua confiança.

Sendo assim, o maior erro de Haddad seria ceder à pressão burguesa. Seria um erro político, mas, também, eleitoral. A votação para Haddad, Ciro, Boulos pode chegar a 42%. Não é nada claro que toda a votação de Ciro possa ser transferida, por suposto. Nunca ocorre uma transferência “intacta”. Uma parcela do 1% que foi para Marina Silva pode ser, também, atraída. Assim como frações das votações da classe média em outros candidatos. Porque embora tenham repulsa pelo PT, a figura de Haddad desperta menos hostilidade e, sobretudo, temem o perigo de um fascista na presidência.

Não obstante, a defesa de uma linha de classe é a chave para manter os votos que o PT obteve no primeiro turno, e expandir. Chegou a hora de colocar a classe operária em movimento. Chegou a hora dos sindicatos, dos movimentos populares e, também, do movimento estudantil. E os movimentos feministas que construíram o #elenão são o embrião do movimento anti-fascista. Porque, além da televisão, vamos ter que colocar força nas ruas. Muita força significa ir além do um milhão que já manifestou. Expandir  para  o campo das abstenções, nulos e brancos que somaram 29%. A tendência é que este volume se reduza. Deslocar votos de Bolsonaro nas classes populares, embora muito difícil, também, será necessário. Aliados importantes nesta disputa serão os setores lúcidos da Igreja Católica.

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