Ivan Dias, do Rio de Janeiro (RJ)
Karl Marx é um homem de 200 anos. Nasceu neste cinco de maio, mas no distante ano de 1818, em Trier, cidade alemã com ambição de liberdade francesa (então, ainda a pátria da Revolução), mas com realidade de domínio prussiano. Morreu em Londres, sem cidadania alguma e expulso da Alemanha, da França e da Bélgica por ser considerado um homem subversivo e perigoso. Entre seu nascimento e morte sua vida, moldada intimamente pelo destino político da Europa, não se fez somente de grandes fatos. Seus dias se preecheram com o estudo demorado de uma infinidade de assuntos, com o trabalho como jornalista e com a escrita de livros (em grande parte não publicados ou pouco lidos durante a sua vida). Conviveu, a partir do seu exílio, com a pobreza e a doença, que lhe acometeu frequentemente e lhe custou a vida de três filhos (de seis – ou sete) que nunca chegariam a deixar a infância.
Porém, o que realmente causa espanto é que sua morte, em 1883, não foi suficiente para impedí-lo de permanecer presente em nossos dias. Como um fantasma que não se deixa exorcizar, diriam alguns. De fato, seu nome evoca acontecimentos, esperanças e medos. Porém, Marx é mais que uma sombra. Se ainda podemos sentí-lo é porque permanece como um pensador que é nosso contemporâneo. Nosso tempo se pensa ainda a partir de Marx.
É evidente que desde seu nascimento, ou desde 1848, ano do Manifesto Comunista, ou mesmo 1867, em que aparece O Capital, o mundo mudou extraordinariamente. Mas é justamente para entender estas mudanças que voltar a Marx parece mais frutífero e revelador. Isto não porque Marx tenha sido um homem à frente de seu tempo, mas porque pensou o seu tempo não como uma coleção de fatos e eventos, mas como o período de vigência de uma determinada forma de existência social dos homens, o capitalismo. Ao definir o seu tempo como aquele em que o capitalismo predomina, Marx vinculou a todos nós, que vivemos ainda sob essa vigência, ao seu próprio tempo. Somos nós que ainda somos seus contemporâneos.
Marx também não foi, como se tenta fazê-lo parecer, nem o profeta do socialismo, nem o do proletariado. Um profeta busca um povo para realizar um desígnio que vislumbra. Marx buscou outra coisa. Como tantos profetas, Marx experimentou seu tempo como um de crise. Vivendo entre revoluções (das quais participou diretamente, como na de 1848, ou acompanhou a cada passo, como na Comuna de Paris de 1871), Marx viu esta crise como sinal de uma transição em surgimento. Diferentemente de um profeta, Marx não procurou se afastar do mundo e da história para apresentar uma solução. Foi olhando para o interior da crise que pôde vê-la como a emergência de um conflito, e pôde ver que este conflito era composto das próprias relações que uniam os indivíduos em uma mesma sociedade. Dessa forma, pôde ver que, mesmo que mundo seja o resultado de uma vitória cotidiana de uma parte dos homens sobre a maioria deles, os derrotados sempre renovavam sua luta no dia seguinte. E foi entre estes que Marx foi buscar suas ideias, e através delas se tornar uma arma para o combate.
A aproximação de Marx com aqueles que buscou se aliar não foi abrupta. Na Renânia, seu estado natal, Marx tentava se familiarizar e avaliar as ideias socialistas que penetravam o ambiente da esquerda universitária alemã ao mesmo tempo que acompanhava e escrevia sobre os conflitos e greves que ocorriam na Alemanha de então. Em Paris, para onde foi para ter maior liberdade de ação, longe da censura prussiana, frequentava reuniões de artesãos e discutia com Proudhon. Na Bélgica, em 1847, entra com Engels numa associação fundada por trabalhadores alemães que tinha em um operário, Weitling, seu principal inspirador e teórico. É nessa associação, que se tornaria a Liga dos Comunistas, que Marx começará a desempenhar um papel em que se destacará depois, nos anos de 1ª Internacional (1864-1876), o de organizador. Combateu o que considerava serem vícios do movimento, em especial o conspiracionismo, o hermetismo e o voluntarismo. Ajudou, assim, a pensar e propor um movimento que fosse amplo e transparente e que apostasse na mobilização permanente das massas, e não no heroísmo de revolucionários profissionais.
Marx não inventou, portanto, o comunismo, como querem a direita e boa parte da esquerda. Marx aderiu ao movimento que nascia, e o transformou e fortaleceu. Foi assim que transformou também o entendimento que a sociedade tinha (e tem) de si mesma. É esse exemplo que celebramos aqui em seu aniversário, o de pensar e lutar junto às forças que estão em movimento. É por esse caminho que a esquerda pode voltar a ter a força capaz de abalar a confiança mesmo dos mais poderosos agentes da ordem atual.
Confira outros textos do Especial Marx 200:
1) Marx, o incendiário. Por Valério Arcary
2) A atualidade de Marx em seu aniversário de 200 anos: A classe trabalhadora. Por Marcelo Badaró
3) Educação e formação humana em Marx e Engels. Por Artemis Martins
4) Como me tornei um marxista. Por Carlos Zacarias
5) 200 anos de Marx: Reflexões sobre a luta antirracista Por Matheus Gomes
6) A exceção contida na regra: Marx e a dialética da democracia liberal. Por Felipe Demier
7) Karl Marx: seu nome viverá através de séculos. Por Henrique Canary
8) Estudar Marx fora e dentro das universidades. Por Demian Melo
9) Marx: 200 anos de crítica ao capitalismo. Por Guilherme Leite
10) O encontro de Marx com a economia política. Por Macello Musto
11) Karl Marx e o capital: O detetive que queria desvendar a suprema intriga. Por Francisco Louçã
12) Marx e o caso Vogt: Apontamentos para uma biografia intelectual (1860-1861). Por Marcello Musto
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