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EDITORIAL

CATALUNHA | 21 de dezembro: as eleições

Por: Daniel Raventos e Gustavo Buster, do portal Sin Permiso 
Tradução: Suely Corvacho

Mariano Rajoy e seu governo não podiam imaginar o que lhes sucederia. quando aprovaram as medidas de aplicação do art. 155 em 27 de outubro, interromperam o Governo da Generalitat, dissolveram o Parlamento e pediram eleições regionais em 21 de dezembro. Uma semana depois, o que parecia uma jogada de mestre que culminaria em uma estratégia calculada, revelou-se um erro que pode prejudicar irremediavelmente a carreira política de Rajoy e precipitar a convocação de eleições gerais no Reino da Espanha na primavera de 2018.

Entre outras coisas, porque a situação política catalã faz parte de uma crise estrutural do regime de 78, cujas costuras começaram a se esgarçar em consequência da Grande Recessão. E se a atenção da mídia e as exigências da propaganda tenham explorado somente os eventos insuspeitos ou, pelo menos cinematográficos, que se seguiram à proclamação da República catalã, outros não menos impressionantes se desenvolveram na penumbra midiática: as conclusões do caso Gürtel e a detenção do delegado Villarejo, expondo uma vez mais a corrupção sistêmica e os esgotos do regime; as exigências da Comissão Europeia de um orçamento para 2018 que atenda aos seus requisitos de ajuste; os problemas de financiamento regional que revelam – entre outrosos debates orçamentários de Madri e Valência, a bancarrota que queria parar a Conferência dos Presidentes de janeiro de 2017 e que acabou no “cupom” dos orçamentos gerais de Montoro poucos meses depois.

No entanto, a conjuntura se definia em uma só direção: as eleições autônomas convocadas de maneira extraordinária através do artigo 155. O argumento tão usado hoje em dia de que a “legalidade é democracia” talvez possa convencer os crentes da legitimidade de tal processo eleitoral, mesmo diante da intervenção na Generalitat. Mas o que Rajoy não esperava é que todas as forças políticas presentes aceitassem o desafio de participar e ganhá-las, questionando de uma só vez a própria legitimidade do governo Rajoy.

Incapaz de dar prosseguimento à Lei de Transitoriedade da proclamada República Catalã, em primeiro lugar, pela intervenção do Tribunal Constitucional, depois pela aplicação do art. 155 e, por último, por sua demissão, Puigdemont optou por participar das eleições de 21 de dezembro, como um gesto simbólico de resistência e manutenção da legitimidade decorrente do referendo em 1 de outubro, assim como fizera ao se mudar com uma parte do Governo cassado para Bruxelas. Enquanto isso, a maior parte do Governo, oito conselheiros, entre os quais o vice-presidente Junqueras, acabavam na prisão, com cenas vexatórias incluídas, por decisão da juíza Lamela do Tribunal Nacional, cujas frágeis bases legais são mais do que questionáveis.

Após o mandado de prisão europeu, assinado pela mesma juiza Lamela, Puigdemont e os conselheiros que o acompanham se entregaram à polícia belga. Será muito difícil para qualquer juiz belga aceitar uma extradição pelas razões políticas alegadas – tendo em conta que os delitos de incitação e rebelião não existem no código penal belga – mas o procedimento não terminará antes de 21 de dezembro. Enquanto isso, Puigdemont já definiu os eixos da campanha eleitoral de 21-D, apresentou sua candidatura e se dispõe a utilizar o processo de extradição como uma plataforma eleitoral internacional. Um “ato de covardia”, qualificou este que é um exemplo de resistência clandestina protegida sob o regime de Franco e um duvidoso defensor da legalidade nos “anos de chumbo”, Felipe González; por outro lado, a imprensa do regime de 78 converteu a viagem de Puigdemont a Bruxelas em uma comédia do tipo pastelão e justificou a detenção dos demais membros do Governo. Mas, durante todo o processo, Rajoy ficou em silêncio, porque está mais ciente de que, mais uma vez, perdeu a iniciativa política para este coro tragicômico da segunda restauração dos Bourbons.

Até 7 de novembro, na próxima terça-feira, onde quer que existam, as coalizões das eleições plebiscitárias não serão conhecidas, por conta da política do governo Rajoy. Desde o início, o “bloco constitucionalista” que deve apoiar a candidata à presidência do cada vez mais direitista dos Ciudadanos, Arrimadas, não concorrerá unido. Na verdade, o PSC não quer nem ouvir falar disto e tenta decobrir uma forma de conciliar o apoio à aplicação do art. 155 e condenar (sic) suas conseqüências.

A Catalunha em Comú, por sua vez, decidiu manter a defesa de um referendo legal e acordado e transformar a campanha em uma denúncia da repressão e intervenção na Generalitat e nas instituições catalãs, defendendo a ideia de um “bloco soberano e catalão” como denominador comum mínimo com o “bloco independentista”.

O “bloco independentista” é o que sofre as maiores tensões internas, porque o ERC terá que escolher entre impor sua hegemonia à custa de Juntos pelo Sim, ou aceitar cedê-la a Puigdemont e, por meio disso, ao PDdCAT. A CUP é evidente que, apesar da sua indecisão, apoiará qualquer fórmula que o ERC e o PDdCAT adotem em nome da libertação dos presos e da recondução de Puigdemont à presidência.

 

 

 

 

 

 

 

Neste cenário eleitoral, no qual o efeito mais importante da aplicação do art. 155 tem sido fazer a campanha eleitoral para o “bloco independentista”, as pesquisas indicam uma situação muito semelhante entre os três blocos, ainda que com reforço dentro deles do ERC e dos Ciudadanos, embora o primeiro superaria o segundo em mais de 6 pontos. Ou seja, a única alternativa real para um novo governo independentista seria um Governo soberano de esquerda. Rajoy sabe disso. Como ele pode aceitar ou justificar qualquer uma dessas duas alternativas nas eleições que ele mesmo convocou e organizou depois da aplicação do artigo 155?

Comentaristas como Enric Juliana, mas também Luis María Ansón, Fernando Garea, José Antonio Zarzalejos ou Juan Luis Cebrián, começam a apontar esse perigos, que prejudicaria não só a carreira política de Rajoy, como também o próprio regime de 78. Rajoy não terá outra opção política a não ser convocar eleições gerais na primavera de 2018 e tentar seu próprio “bloco constitucionalista” para legitimar sua atuação com um “governo de salvação nacional”, isso se não se abrir antes uma crise de sucessão no PP.

Isso reforça a tese defendida por Sin Permiso nesses anos: as causas da crise estrutural do regime de 78 tornam a situação irreformável. Mais cedo ou mais tarde – quanto mais cedo melhor, haja vista o custo da crise – é necessário um processo constituinte que encontre democraticamente uma solução alternativa. Temos sido testemunhas das dificuldades, dos erros e das hesitações do processo soberano catalão, mas também estamos testemunhando a incapacidade do governo de Rajoy em dar uma solução democrática à crise e sua tentativa de converter o regime do 78 no regime do 155. Para impor não só um governo constitucionalista minoritário e antidemocrático na Generalitat, mas também para encobrir sua corrupção e aprofundar o ajuste neoliberal que a União Europeia exige.

Foram convocadas muitas mobilizações para os próximos dias na Catalunha, desde uma grande manifestação em 11 de novembro a uma concentração em Bruxelas no início de dezembro, coincidindo com o “dia da Constituição espanhola” ou uma data próxima. Até então, diferentes atos, como pendurar cartazes, já realizados no domingo 5, e vários atos de luta sindical e “greve nacional” na quarta-feira, 8 de novembro. Também voltaram as caçaroladas às 22 horas todos os dias pela liberdade dos presos políticos. Sem mencionar os inúmeros atos descentralizados de protesto em eventos esportivos como o que aconteceu no campo do FC Barcelona durante a partida no sábado, 4 de novembro. Ou, enquanto escrevíamos estas linhas, a interrupção da N-II por 2.000 pessoas passando por Mataró em protesto contra uma agressão fascista alguns dias antes. Os Comitês de Defesa da República (CDR) estão desempenhando um papel muito importante de resistência e organização por bairros e cidades. Em Manlleu, uma representação de 172 CDRs reuniu-se em 4 de novembro. No comunicado que foi publicado podemos ler: “Com a consolidação da rede de vizinhos e vizinhas que tornaram possível o referendo de 1 de outubro, estamos preparados e preparadas para defender a República de forma pacífica, mas contundente. Por tudo isso, chamamos a população para participar de forma ativa nos Comitês de Defesa da República de seu município.” Há inclusive CDR em cidades estrangeiras e muito distantes, como na Cidade do México.

É uma iniciativa de resistência e coordenação de atos de luta muito necessários e devem animar as esquerdas espanholas a conceber uma alternativa unitária e uma mobilização em solidariedade contra a situação de repressão das liberdades democráticas da Catalunha. Temos dito mais de uma vez, e é algo que está se tornando cada vez mais consciente para muitos setores da esquerda espanhola, que veem além do oportunismo eleitoral imediato, o seguinte: as liberdades que hoje são atacadas na Catalunha, serão, em breve – se não imediatamente -, atacadas no Reino como um todo. A solidariedade com a Catalunha é condição necessária para evitar o transbordamento da repressão das liberdades democráticas para todo o Reino da Espanha.

FONTE: www.sinpermiso.info, 5 novembro 2017

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