Editorial 18 de Fevereiro |
A rejeição à desigualdade está no coração ideológico do que se reconhece, no espectro político, como a “esquerda”. Essa dimensão igualitarista da esquerda é ainda mais latente em um país como o Brasil, cujos indicadores de desigualdade são nada menos que abissais.
Pesquisa do insuspeito Banco Mundial, divulgada na última semana, vaticina o aumento da pobreza no Brasil, em 2017. Os dados sugerem uma mobilidade social descendente de um número entre 2,5 e 3,6 milhões de pessoas, vitimadas pela crise econômica. Dessa forma, ainda segundo a pesquisa, seriam quase 20 milhões o total de pobres no país, dentre esses 8-9 milhões em situação de extrema pobreza.
Uma primeira análise crítica desses dados deve reconhecer os critérios cínicos de pobreza e extrema pobreza do Banco Mundial. Os senhores banqueiros do mundo estratificam a sociedade com um critério em que apenas 10% dos brasileiros são pobres.
Mas o que há de mais poderoso nos dados apresentados é o aumento da pobreza neste ano, tendência que deve ser reproduzida tanto quanto for aprofundado o ajuste fiscal e as mudanças regressivas na rede de proteção social brasileira. Do ponto de vista da esquerda, a pergunta que fica é: por que a pobreza volta a crescer, menos de 2 anos depois do ciclo de governos petistas?
Os ideólogos, dirigentes e parlamentares petistas, enquanto o projeto de conciliação de classes parecia navegar em águas tranquilas, sustentaram de inúmeras maneiras – aí incluídas as mais demagogas – que o Brasil estava passando por uma profunda transformação estrutural. Dessas supostas grandes mudanças, não está ficando nem o pó.
O projeto de um governo que reunisse trabalhadores e oprimidos com banqueiros e grandes empresários em uma aliança que garantisse simultaneamente os interesses de toda a sociedade, quer dos seus estratos mais baixos ou mais privilegiados, foi levado a cabo, pelo PT, até as últimas consequências. Enquanto os ventos favoráveis do crescimento econômico permitiram, as políticas sociais compensatórias puderam aliviar conjuntunturalmente a pobreza.
Tão efêmeras essas políticas se revelariam ao fim e tão vulneráveis as camadas mais baixas da pirâmide social brasileira permaneceriam: 519.568 famílias que haviam deixado o Bolsa Família, voltaram ao programa, no ano passado. A lógica de fazer o possível, ou em outros termos o possível dentro dos limites do capital, levou a que as “pequenas conquistas” ou avanços parciais no combate a pobreza terminassem exterminados em apenas dois anos de crise econômica.
É evidente que Temer e os golpistas estão conduzindo uma guerra social, penalizando os mais pobres pela crise com medidas duras e restritivas. Mas o aumento da pobreza em tão curto tempo indica, uma vez mais, que os governos do PT não realizaram transformações que realmente pudessem ser chamadas de estruturais.
A desiguldade é tão profunda no Brasil, suas raízes tão históricas, que ela não poderia ser seriamente reduzida sem afetar interesses mais de fundo da classe dominante – coisa que nenhum dos governos petistas foi capaz de fazer. A esquerda brasileira, para ser merecedora de embalar um novo projeto de poder, precisa mais do que se recompor. Precisa de uma nova estratégia.
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