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TEORIA

O Nordeste é uma ficção, o Nordeste nunca houve: Todo o Brasil é um imenso nordeste

José Pereira de Sousa Sobrinho e Ohana de Alencar Pageú*, de Fortaleza, CE
http://fortalezaemfotos.com.br

Milhares de retirantes fugidos da seca e do sertão, se concentram na Praça de Estação em Fortaleza, em busca de alimentos, trabalho e assistência médica

Introdução

Conheço meu lugar, o “Nordeste é uma ficção! Nordeste nunca houve!”, em versos Belchior denunciava essa tentativa de naturalizar e de homogeneizar o Nordeste. Como uma realidade comum a todo Nordeste, supostamente marcada pelo atraso, dominada por coronéis ou por figuras místicas messiânicas, cangaceiros, jagunços e multidões de famintos maltrapilhos atingidos pela seca, esse Nordeste nunca houve. É fato que esses processos existiram, porém resumir o nordeste a essas experiências é um problema  Belchior conhecia seu lugar, e negava essa ideia de nordeste em uso comum, um conceito ficcional que apagava processos históricos muitos distintos e realidades dispares, do processo de formação dos diversos Nordestes dentro da mesma região. 

Ou no sentido dado por Oliveira (2008), as várias regiões no interior da região Nordeste, o autor formula um conceito político e econômico de região que se chocava com as ideias correntes que definiam o Nordeste a partir de critérios exclusivamente físicos ou baseado em limites territoriais-administrativos (Ibidem, 2008, p. 152). Tal definição de região tanto para Belchior como para Oliveira continham limites para explicar as divisões regionais à medida que as assumiam quase como uma causalidade dada, natural, negando os processos humanos e as relações sociais que acabaram por criar essas diferenças regionais.

Oliveira busca explicitar esse processo de constituição das regiões a luz dos movimentos de formação capitalista no espaço em nosso país, tomando as distintas formas de reprodução do capital como base material que dá origem as regiões. Nesse marco, as regiões se explicam pelas contradições da expansão capitalista no Brasil, e os processos distintos da acumulação de capital em todos o país. (OLIVEIRA, 2008, p. 142).

Redefinição de região como um conceito político e econômico

A elaboração de Oliveira (2008) acaba por redefinir o conceito de região, assumindo-o como uma relação social, um construto histórico. As regiões são produto de realidades e processos bem distintos do desenvolvimento capitalista, resulta de formas específicas de reprodução do capital, como também de estruturas de classes e as formas que a luta de classes e os conflitos sociais assumem nesses tipos sociais peculiares. (Ibidem, 2008, p. 145).  São, portanto, as “contradições postas e repostas […] pelas formas diferenciadas de reprodução do capital” (2008, p. 149), em suas relações de produção e o caráter de suas relações com as demais regiões que acabam por engendrar diferentes “regiões”. 

Essa relação entre espaço e o processo de formação capitalista se dá numa relação de leis tendenciais e contra tendências. No primeiro caso prevalece uma lógica de desenvolvimento do capital voltado “para a completa homogeneização da reprodução do capital e de suas formas”, no espaço, “sob a égide do processo de concentração e centralização do capital, que acabaria por fazer desaparecer as ‘regiões’” (OLIVEIRA, 2008, p. 146). Essa tendência, no entanto, de desenvolvimento comum e igual do capital no espaço, raramente se concretiza, pela própria lógica contraditória capitalista e por seu desenvolvimento também ser desigual e combinado. 

O desenvolvimento capitalista é desigual pelo seu ritmo que comporta no mesmo período histórico, mas em lugares distintos, estágios de formações do capital muito diversos entre si, por sua vez é combinado, quando esses processo de formação social em estágios distintos se combinam especialmente, onde com o contato com as formações mais maduras acaba criando a possibilidade de salto sobre estágios intermediários de desenvolvimento capitalista, isso porque a expressão desenvolvida do capital acaba por determinar todas as outras as regiões nas quais ainda predominavam outras formas sociais (LOWY, 2000)

Essa relação entre formas madura de capital determinando formações sociais de tipos pré-capitalistas existente em outras localidades é parte do explica a existência das regiões. Essas são um resultado desse desenvolvimento no qual se combinam de modo particular “formas arcaicas com as mais modernas”, produto desse movimento contraditório de formação capitalista que gera tipos sociais particulares, originais e diversos, as regiões não são mais do que um tipo social no qual está cristalizado as desigualdades de sua formação.  

Por sua vez, a definição que o desenvolvimento capitalista se dá de forma desigual e combinado ajuda a superar mistificações comuns sobre as diferenças regionais que assume o capitalismo em nosso território. Contrapondo formulações que buscam enquadrar a expressam menos desenvolvida do capitalismo como se essas fossem ainda formações pré-capitalistas ou mesmo com simplório binômio entre o atrasado e o moderno. Oliveira contrapõe essas formulações ao designar um conceito de “região” que não 

Remete de volta à questão do modo de produção, isto é, “região” não seria um outro modo de produção nem uma formação social singular. O que preside o processo de constituição das “regiões” é o modo de produção capitalista, e, dentro dele, as “regiões” são apenas espaços socioeconômicos em que as formas do capital sobrepõe às demais, homogeneizando a “região” exatamente pela sua predominância e pela consequente constituição de classes sociais cuja hierarquia e poder são determinados pelo lugar e forma em que são personas do capital e de sua contradição básica (OLIVEIRA, 2008, p. 149).

As regiões, portanto, são produto das leis imanentes de seu desenvolvimento desigual e combinado do capital, e de como as “diferenças entre as várias formas de produção do valor dentro do capitalismo” acabam ocupando diferentes espaços e criando diferenças nessas formações sociais (OLIVEIRA, p. 150). Assim, uma 

‘região’ seria, em suma, o espaço onde se imbricam dialeticamente uma forma especial de reprodução do capital e, por consequência, uma forma especial da luta de classes, onde o econômico e o político se fusionam e assumem uma forma especial de aparecer no produto social e nos pressupostos da reposição (OLIVEIRA, 2008, p. 148). 

Portanto, partindo dessa premissa Oliveira entende a formatação das regiões a partir de três relações sociais as quais estão imbricadas: 1) as formas de reprodução do capital nesse espaço especifico; 2) o caráter da luta de classes, e por fim, 3) o modo como cada “região” se constitui a partir da existência de outras “‘regiões’, com níveis distintos de reprodução do capital. (2008, p. 148). 

Formação Capitalista no Brasil e as diferentes regiões Nordeste

A delimitação do conceito de “região” de Oliveira (2008, p. 52) como uma categoria “de natureza dinâmica” associada ao “movimento de reprodução do capital e das relações de produção”, nos permite reformular a ideia de Nordeste, afirmando que o “Nordeste” como o conhecemos hoje – presente na literatura, opinião pública e programas governamentais – começa a se estabelecer em finais do século XIX e início do século XX, ou seja, é relativamente recente. 

O processo histórico de formação do espaço então idealizado como Nordeste contém processos comuns no que se refere a relação espoliadora Metrópole-Colônia, fundando os “arquipélagos”, na formação econômica nacional associada a produção baseada no trabalho de populações negras e indígenas escravizadas, esses são elementos comuns tanto ao atual Nordeste como a toda a Colônia. Contudo, essa formação comportava processos muitos diversos a partir do movimento desigual de desenvolvimento das forças produtivas em cada uma dessas “regiões”; segundo, essas formações sociais também são diversas porque “tanto a relação Metrópole-Colônia quanto o nível de desenvolvimento das forças produtivas começaram a engendrar novas formas de capital no interior de cada uma das ‘regiões’” (OLIVEIRA, 2008, p. 156-7).  

A formação do Nordeste contém em seu interior diferentes momentos no quais existem diferentes “regiões”. A exemplo o período colonial quando se desenhava uma divisão com uma primeira região com lócus na produção açucareira correspondendo aos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, e Alagoas. Uma segunda “região” de pecuária extensiva, quase extrativista, que correspondiam ao Ceará e ao Piauí. Uma terceira, com o Maranhão, ligada ao capital mercantil de forma diferente das outras duas regiões. Por fim, Oliveira relata que os espaços que correspondem a Bahia e Sergipe não eram considerados Nordeste. 

Toda essa divisão de regiões do Nordeste que possuíam características e desempenhavam papeis distintos. A exemplo, caminhando ao lado do apogeu do açúcar, temos pecuária extensiva com as “charqueadas(1) como uma produção secundária que garantia o suprimento dos gêneros alimentícios da produção açucareira. Posteriormente, temos as charqueadas suprindo a necessidade de outras localidades como o extrativismo mineral de Minas Gerais (2).

Esse primeiro período é marcado por um predomínio do “Nordeste” açucareiro, destacando a hegemonia comercial do Recife sobre os demais espaços que viriam a ser os territórios dos estados da Paraíba, Alagoas e Rio Grande do Norte e, mais remotamente, Ceará e Piauí. “Essa hegemonia significava uma forma de capitalismo mercantil no interior da própria ‘região’” (OLIVEIRA, 2008, p. 156). A estrutura de classe era marcada pela existência dos “barões” do açúcar” enquanto camada de proprietários fundada na produção açucareira e na exploração do trabalho escravo. Inclusive certas revoluções ocorridas no Nordeste – “mascates” e confederação do Equador – tem sua origem nos locais de hegemonia dessa classe proprietária, como também sua base material na “diferença entre as várias formas de capital, na esfera da produção e da circulação”, ou seja, nas formas específicas de capital e de sua estrutura de classe correspondente na “região” (OLIVEIRA, 2008, p. 156). 

Na outra ponta da classe nós temos um nordeste explorado e expropriado que se organiza na busca da sobrevivência contra essa estrutura social. Temos formas de organização e resistência das mais variadas, tais quais os seus sujeitos as suas formas produtivas. A resistência negra com a Revolta da Balaiada ou Guerra dos Ben-te-vis – Levante negro no Maranhão, no início dos anos de 1830 –, a greve dos Jangadeiros em 1884 no Ceará, pelo fim da escravidão (3), os movimentos sociorreligiosos – Canudos/PE, Caldeirão/CE – que buscavam formas de vidas comunitária, o cangaço como uma expressão violenta dessa estrutura, utilizado como um dos maiores símbolos do nordeste, que acabam expressando algumas formas particulares de luta de classes e conflitos socias na região. 

Esses elementos trazem uma reflexão sobre a formação da ideia de nordeste, pois mesmo com esses eventos que são parte de nossa história, ou ainda a Greve dos Jangadeiros do Ceará, como expressão de luta pela liberdade e avanço das relações sociais, acaba não sendo associados com a realidade do nordeste, mas é comum a vinculação do imaginário sobre a região com o cangaço em sentido muito negativo da violência, associada a barbárie que novamente aproxima a ideia de Nordeste com o arcaico.

Retomando o curso da formação do “Nordeste”, importa destacar que esse processo social não é um eterno contínuo, mas é marcado por rupturas e processos de descontinuidade dentro da continuidade, da formação capitalista no que viria a ser considerado Nordeste. No marco das relações desiguais entre as diferentes regiões um novo nordeste passa a se formar por quase todo o século XIX e início do século XX a partir da consolidação e hegemonia de outras formas de produção baseado na produção “algodoeiro-pecuário” e com isso uma nova conformação de classes e conflitos sociais na região e para além do Nordeste (4). A burguesia açucareira começa a perder o controle político da Nação como também o “controle político interno do ‘velho’ e do ‘novo’ Nordeste’ que começou a passar às mãos da classe fundiária que comandava o processo produtivo algodoeiro-pecuário” (OLIVEIRA, 2008, p. 160). 

O conjunto dessas transformações estão associadas ao surgimento de uma nova “região”, a “região do café”, a qual “avançava desde o Vale do Paraíba até o Oeste Paulista, homogeneizando-se internamente e diferenciando-se da outra região – o Nordeste açucareiro – na mesma medida em que esta era excluída dos novos círculos de produção e apropriação do valor gerado pela mercadoria café” (OLIVEIRA, 2008, p. 157). A dinâmica de reformulação dos modos de reprodução do capital interna tem relação com a competição interimperialista – advento da produção de açúcar no caribe – também impactando diretamente na expansão do Nordeste açucareiro semiburguês. 

No “novo nordeste” onde prevalece o domínio político da oligarquia algodoeira-pecuarista, é o Nordeste dos coronéis, assim como, como os barões do café e do leite, também estão subordinados aos interesses do capital comercial inglês e norte-americano, perfazendo um processo de homogeneização dos modos de reprodução capital no interior das diferentes regiões.

Oliveira destaca que é no marco da substituição dos barões do açúcar como classe proprietária predominante no Nordeste pelos latifundiários do sertão que começa a ser idealizado um Nordeste do passado de opulência, um discurso nostálgico presente em Gilberto Freire (5), que emerge junto ao nordeste da seca, rústico, pobre contrastando com os salões dos barões do açúcar. 

Como conceito da área de Planejamento Político e Estatal o Nordeste é uma região que surge no final da década de 1910, especialmente com o documento que define a área de atuação da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS), criado em 1919. O conceito aparece só como uma localização entre norte e leste, uma mera referência geográfica.

Por sua vez, esse estágio da formação do Nordeste baseada na reprodução de capital vinculada a grande propriedade fundiária e ao processo produtivo algodoeiro-pecuário, fez retroagir as formas de produção e apropriação do valor impulsionadas pela economia açucareira, resultando na 

descapitalização da própria economia açucareira, o abortamento da completa constituição de uma força de trabalho assalariada, o abortamento da dissolução do semicampesinato que se havia formado em suas franjas […] e por fim, a própria reconversão da estrutura fundiária em latifúndios (OLIVEIRA, 2008, p. 161-2).

Essa estrutura latifundiária do Nordeste dos coronéis ficou intocada até aproximadamente a metade do século XX, quando sofre uma nova recomposição a partir da transformação da região do café em região da indústria. A diferenciação como região em suas formas de capital, marcada pela expansão e consolidação do capital industrial e emergência do capital financeiro, impulsionada pela revolução de 30 dá origem a um período de “hegemonia do capital industrial e seu controle sobre o aparelho produtivo, as relações de produção e o próprio Estado” (OLIVEIRA, 2008, p. 162). 

Essa nova conformação dos modos de reprodução do capital na formação do capitalismo nacional, dando origem a região da indústria, acaba por redefinir a divisão regional do trabalho estabelecendo um novo papel para a região Nordeste. Que corresponde a: 1) de fornecer um exército industrial de reserva o que se dá pelos movimentos migratórios, ajudando a manter os baixos valores da força de trabalho; 2) estabelece um movimento de drenagem de capital do nordeste para o sul do pais devido a diferenças de taxa de lucro no interior do processo de reprodução de capital entre as duas regiões; e por fim, 3) o que Oliveira (2008, p. 163) vai chamar de triangulação de trocas que “deprimia a taxa de realização do valor das mercadorias produzidas no Nordeste, inviabilizando ainda mais a reprodução de capital na região nordestina”.

É a partir dessa reconfiguração entre as regiões que se estabelece a ideia de Nordeste com o conhecemos na contemporaneidade. Esse Nordeste é constituída a partir dessa nova forma de reprodução do capital na “região” do café agora “região” industrial estabelecendo diferenciações entre as regiões. Assim, a região Sudeste que desponta como o local de fixação de infraestrutura de transporte, produção de café e importadora de tecnologias industrializada se impõe agora como centro da modernização, se contrapondo a forma de reprodução de capital de um nordeste (arcaico) pecuarista (pecuária extensiva).

Essas transformações marca a descontinuidade do processo reprodução dessa forma de capital, baseada no grande latifúndio, assim são as transformações na formação social capitalista do Brasil que inviabilizam essa estrutura social que definia o Nordeste do período. Portanto, não é a dependência ou incerteza das chuvas que explica ou define o subdesenvolvimento da região, mas as condições de desenvolvimento desigual do capitalismo no Brasil, gerou para barreiras para a continuidade da acumulação e reprodução capital no Nordeste. 

Por essa distinção do desenvolvimento capitalista no território brasileiro, o Nordeste passa a ser associado como o lugar do atraso, como o espaço parado no tempo, uma vez que a formação capitalista avança no Sudeste a partir do domínio do capital industrial, que se contrapõe a reprodução de capital algodoeira-pecuarista. Assim as diferenciações entre as regiões são constituídas por imagens antagônicas como o moderno e o atrasado, o rural e o urbano, o trabalhador e o preguiçoso, o capitalista e o colonial, nossa cultura passa a ser vista como “não industrial, não moderna; é uma cultura artesanal, uma cultura folclórica”, como regional, como não-nacional. São todos esses fatores que expressam as ideias de “conflitos” regionais que se consolidam nesse período que busca esconder a relação de interdependência entre essas duas formas de reprodução do capital.  

Portanto, esse Nordeste uno, homogêneo, atrasado é uma ficção, como afirma Muniz, reforçando a ideia de Belchior, é essa desigualdade é produto de relações sociais, são a base para a “construção de sentidos e significados, muito estereotipados, para um dado recorte regional […]. Como realidade natural ou como uma coisa já dada, como um espaço que existiu desde sempre, Nordeste nunca houve”. (MUNIZ, 2021)

Esse pequeno exame demonstra que o Nordeste nunca houve, pelo menos nunca antes até que a forma que a reprodução de capital assumiu uma hegemonia do capital industrial e financeiro em nosso território durante o século XX, consolidando o aspecto desigual e combinado em relação as outras regiões. Como também no plano histórico existiram vários Nordestes, como regiões dentro da região, que eram produtos de materialidades gestadas a partir de diferentes formas de reprodução do capital. 

Ao final esse Nordeste é um produto social das relações de capital, é a partir dela que se “constrói estereótipos de subalternidade sobre Norte e Nordeste do Brasil”, um estereotipo onde as diversas regiões perdem suas singularidades. Uma ficção real, resultado dessa materialidade contraditória, portanto, esse Nordeste não é realmente o lugar dos esquecidos, a nação dos condenados, o sertão dos ofendidos! É somente um Nordeste capitalista, produtor e produto de contradições de classe que essa ordem social gera. Contradiz que não se esgotam no Nordeste, portanto, o Brasil é todo ele um imenso Nordeste. Esse lugar hostil de gente tão pacifica, Brasil-nordeste, ficção cientifica, é pobre, é seca, é criança raquítica, Brasil-nordeste invenção política (6), esse Brasil e esse Nordeste, invenção/criação do capital. 

*José Pereira de Sousa Sobrinho é professor da Universidade Regional do Cariri (URCA)
*Ohana de Alencar Pageú é geógrafa e mestre pela Universidade Federal do Ceará (UFC)

 

NOTAS

(1) As charqueadas se configuram pelo comércio de carne seca, feito pelo sertão nordestino, com a finalidade suprir a alimentação, as populações de grande produção – a zona da mata canavieira – e das pequenas vilas e cidades que ainda se formavam.
(2) “A cultura da cana não permitiu que se desenvolvesse nos férteis terrenos da beira-mar. Relegou-a para o interior mesmo quando este apresentava os maiores inconvenientes à vida humana e suas atividades, como se dá em particular no sertão nordestino” (CAIO PRADO JR., 1974, p. 44).
(3) “Greve dos Jangadeiros”, ocorrida durante o período de 27, 30 e 31 de janeiro de 1881, quando os jangadeiros decretaram o fim do embarque de escravos em navios negreiros, episódio marcado pela forte presença de Tia Simoa que, ao lado de seu marido José Luís Napoleão, liderou esse processo que veio a se efetivar 3 anos mais tarde, em 1884 (CAXILÉ, 2009).
(4) A discussão sobre o uso da terra e as condições de sua apropriação proposta pelo poder político dominado pelos grandes proprietários de terras, resultou na Lei de Terras em 1850. Essa Lei estabeleceu o pacto das elites de 1850, mantendo a concentração fundiária e a disponibilidade de força de trabalho para a grande lavoura comercial. A constituição republicana de 1891 e o código civil de 1917 mantiveram-na, repactuando a questão. Mudando apenas a concessão das terras devolutas, excluídas as terras marinhas e as faixas de fronteira, que passaram com o pacto federativo, para os estados, premiando, assim, as oligarquias locais. (OLIVEIRA, 2012, p. 28)
(5) Segundo Muniz, “Gilberto Freyre tem uma centralidade na ideia de Nordeste e na ideia de Brasil […] centrada na sociedade colonial, na saudade do engenho, na saudade da escravidão, na saudade de uma sociedade patriarcal, estamental, uma sociedade onde cada um sabe o seu lugar, onde se tem hierarquias de classe, de raça e de gêneros muito claras. […]. Ainda hoje, Salvador vive a nostalgia da capitalidade. Na verdade, essa produção cultural e essa produção política é de famílias que têm raízes coloniais — gerações de famílias vêm dessa formação colonial, são os grandes proprietários de terra, donos das sesmarias, grandes latifundiários”.
(6) https://www.youtube.com/watch?v=bCGRfRUeD7M

 

Referência Bibliográficas: 

CALIXÉ, Carlos Rafael Vieira; HOLANDA, Cristina Rodrigues (Org.). Negros no Ceará: história, memória e etnicidade. Fortaleza-CE: Museu do Ceará/Secult/Imopec, 2009.
LOWY, Michel. A Teoria do Desenvolvimento Desigual e Combinado. In: BENSAID, Daniel e LOWY, Michel. Marxismo, Modernidade e Utopia. São Paulo: Xamã, 2000, p. 160-167. 
MUNIZ, Durval. Em https://mais.opovo.com.br/jornal/vidaearte/2021/02/01/o-nordeste-e-sempre-pensado-como-um-espaco-parado-no-tempo.html. 2021.
OLIVEIRA, Chico. Elegia para uma Re(li)gião: Sudene, Nordeste, Planejamento e luta de Classes. São Paulo: Boitempo, 2008.
PRADO JR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1974.

 

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