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BRASIL

Elaboração sobre o tema drogas

O Esquerda Online recebeu uma elaboração do MAIS sobre drogas. Tema de importância, o portal publica abaixo na íntegra:

#MAIS – Programa de Drogas

A política de guerra às drogas vive um impasse global. Pela primeira vez dois estados dos EUA, Colorado e Washington, e um país, o Uruguai, legalizaram a maconha. Colômbia, México, Chile são outros exemplos de países que estão revendo sua política para lidar com o tema. No Brasil, infelizmente, o tratamento dispensado pelo Estado para a política de drogas é o emprego da força, ou melhor dizendo, da famosa ‘Guerra às Drogas’. Portanto, é com o objetivo de debater abertamente este tema com o conjunto da militância da nossa Organização, que nós, que atuamos sob esta pauta viemos apresentar algumas contribuições.

Começaremos por definir o que seria ‘Droga’. Segundo a Organização Mundial de Saúde, é toda substância que, introduzida no organismo, interfere em seu funcionamento. Disto, pode-se deduzir que aquele café para espantar o sono, o chá para melhorar de uma dor de cabeça, chocolate para aliviar os sintomas da TPM, a cerveja pra diminuir o stress ou mesmo o cigarro de maconha para acalmar e relaxar, fazem parte do mesmo gênero.

O uso recreativo de drogas é parte integral de praticamente todas as sociedades humanas e diz respeito a uma esfera de privacidade e intimidade que deve ser resguardada como um direito civil indispensável. Mas, além do uso recreativo de milhões de pessoas, a maconha, e também outras drogas ilícitas, como os psicodélicos, tem um importante e crescente uso medicinal. Nos EUA, 21 estados já permitem isto. No Brasil, cresce o clamor de mães com filhos portadores de epilepsias graves e diversas outra doenças neurológicas ou não, que tiveram seus quadros aliviados enormemente com o uso de extratos de maconha ricos em Cannabidiol (CBD) ou THC, princípios ativos existentes na planta. Outras drogas ilícitas também demonstram promissores usos terapêuticos, como o ecstasy (MDMA) que vêm sendo usado para tratamento da síndrome do estresse pós-traumático, e o LSD para pacientes terminais. A ibogaína vem sendo empregada com grande êxito na recuperação de dependentes graves. E a DMT e Harmalina presentes na bebida ayahuasca também são substâncias com grande potencial de usos medicinais.

O uso industrial, para produção de fibra, papel, alimentos, óleos e centenas ou milhares de produtos derivados oferece outra utilidade da maconha, com potencial econômico e ecologicamente vantajoso, para diversos ramos da economia. Com a proibição da produção, comércio e consumo destas substâncias, ficamos na retaguarda mundial no que diz respeito a estes avanços científicos e tecnológicos. Porém esta não é a pior parte da história.

É necessário destacar também que o discurso de guerra às drogas se traduz na prática como guerra aos pobres, que em sua maioria esmagadora são a juventude negra que mora nas periferias das grandes cidades. Sendo a principal desculpa para o Estado, por intermédio do armamento que adquire com a indústria bélica, exterminar importante parte da população negra, enquanto mantém o restante sob vigilância e repressão constantes, como é o caso das ocupações da Força Nacional de Segurança nas comunidades cariocas. São os jovens negros o principal alvo da polícia e também do sistema judiciário que diante dos estereótipos racistas e da indefinição da lei de drogas enquadra essa parcela da população na posição de traficantes, mesmo portando pequenas quantidades, enquanto jovens brancos de classe média ou alta podem, em condições similares, serem enquadrados como usuários. A legalização das drogas poderia ter um grande impacto positivo principalmente em relação a população negra da periferia, diminuindo os índices de mortes e encarceramentos e incidindo fortemente sobre a violência gerada pelo tráfico.

No Brasil, todos os governos, seja do PSDB ou PT, aplicaram esta política com mão de ferro. Após a chegada de Michel Temer à presidência, vive-se um aprofundamento do retrocesso institucional e jurídico, devido a permanência de um aparato repressivo que na última década triplicou a população penitenciária, ampliando o encarceramento de usuários e pequenos traficantes que constituem hoje uma proporção crescente da população prisional. Segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), do Ministério da Justiça, o número de pessoas presas chegou à cifra de 622.202, em dezembro de 2014. Destas, 40% são presos provisórios, ou seja, que estão aguardando julgamento. Estes números fazem o Brasil figurar em quarto lugar no sinistro ranking da população carcerária no mundo, ficando atrás apenas de Estados Unidos, China e Rússia. Os dados ainda revelam que cerca de 60% dos presos são negros, têm até o ensino fundamental completo e idades entre 18 e 29 anos. Destes, 28% respondiam ou foram condenados pelo crime de tráfico de drogas, 25% por roubo, 13% por furto e 10% por homicídio. O que salta aos olhos é que mais da metade destas pessoas, no momento da prisão, portava menos de 100 gramas de droga e não estava armada ou em atividade violenta.

Em relação às mulheres, o encarceramento massivo é ainda mais cruel, desde a aprovação da Lei de Drogas, em 2006, a população carcerária feminina aumentou em 117%, se comparada aos homens, cujo número é menor, 68%, de acordo com a pesquisa realizada pelo ITTC (Instituto Terra, Trabalho e Cidadania). O tráfico de drogas foi o crime que mais motivou a prisão de mulheres (64%), seguido por roubo (10%) e furto (9%). Estas mulheres tem um perfil comum, 50% tem entre 18 e 29 anos e 60% são negras. As condições precárias e desumanas das prisões brasileiras afetam diretamente as mulheres presas que não tem acesso à absorventes, não tem estruturas mínimas para receberem seus filhos ou para dar a luz. Atualmente, ainda está tramitando um projeto de lei que proíbe o uso de algemas nos partos das mulheres presas.

O papel que as mulheres cumprem na rede do tráfico de drogas também é diferente dos homens, havendo uma divisão de gênero do trabalho. Primeiro, é importante entender que elas se envolvem no tráfico de drogas pela própria condição econômica desigual que as mulheres, principalmente as mulheres negras, têm na sociedade. Neste contexto, o tráfico é uma forma de complementação e geração de renda ao mesmo tempo em que oferece uma mínima flexibilidade para cuidarem de seus filhos.

No tráfico, estas mulheres assumem um papel coadjuvante, raramente ocupando postos de comando, ficando responsáveis pelo armazenamento, pequeno comércio e transporte. Sendo muitas vezes denunciadas para a polícia pelos próprios traficantes como o chamado ‘boi de piranha’, enquanto elas são presas com uma pequena quantidade se articula um transporte de uma quantidade muito maior. A violência contra mulher também marca o envolvimento com o tráfico, onde muitas vezes elas começam a trabalhar por causa de uma relação abusiva com seus companheiros e, sob ameaças, têm dificuldades de se desvencilhar ou romper com esta lógica.

A situação de encarceramento com a justificativa da guerra as drogas, pode se agravar mais ainda com o projeto de lei do dep. Osmar Terra (PMDB-RS), atual ministro do governo Temer. Já aprovado no Congresso e em tramitação no Senado, o projeto agrava a pena mínima para o tráfico para além da do homicídio doloso, e desvia verbas públicas do sistema de saúde para clínicas privadas confessionais praticarem internação compulsória de dependentes, numa verdadeira “indústria da internação” que retrocede décadas de reforma psiquiátrica antimanicomial. A criminalização das drogas é hoje uma das maiores fontes de lavagem de dinheiro e especulação financeira de grandes banqueiros, e o exemplo do helicóptero de um clã político mineiro carregado com quase 500 quilos de cocaína demonstra como o grande tráfico é abafado pela imprensa e pela polícia.

Embora a legislação atual defina que o consumo pessoal não deve ser penalizado, como não há definição expressa na lei, como a quantidade de substância portada, continuam sendo aprisionados consumidores e pequenos traficantes, o que representa hoje cerca de 150 mil pessoas aprisionadas sem crimes de violência, ou seja, cerca de 1/4 de todos os presos no sistema penal. Os condenados por tráfico de drogas ilícitas que não tenham cometido outros crimes deveriam ser anistiados. O pretexto para as abordagens mais brutais e para o acosso permanente dos jovens da periferia das grandes cidades é a perseguição às drogas. De Amarildo à Cláudia ou Douglas, os mortos diários nas favelas são sempre sob a justificativa da guerra às drogas. A proibição causou, como na época da Lei Seca nos EUA, entre 1919 e 1933, um aumento na renda do comércio clandestino que impulsionou o crime organizado e intensificou a violência na guerra das gangues entre si e com a polícia, que é também corrompida pela pressão do dinheiro fácil disponível. Países como México e Brasil reproduzem de forma ampliada máfias como as de Chicago nos anos 20 que fazem do tráfico um dos ramos mais lucrativos para si e para o sistema financeiro, cujos bancos lavam e usufruem desses enormes capitais.

A legalização é uma reivindicação urgente de grande importância social, não só para os muitos milhões de consumidores, mas para toda a população que sofre a violência da repressão ao tráfico e do próprio tráfico e a inexistência de acesso a um remédio útil, barato e sem riscos de letalidade ou fortes efeitos colaterais. A Marcha da Maconha ocorrida em 2016 em São Paulo foi a maior até hoje realizada, contando com cerca de vinte a trinta mil pessoas. Em Fortaleza – CE, 15 mil foram às ruas. E, diferente do que se possa pensar, não foram marchas de universitários ou classe média. A periferia compareceu em peso, dando um caráter proletário aos atos.
Estes exemplos mostram que este importante movimento social tende a crescer. Um dos desafios do movimento antiproibicionista é formular uma proposta unificada que seja um denominador comum para o debate no âmbito do parlamento, do judiciário e, sobretudo, da sociedade.

O modelo dessa legalização é um tema em debate, e o exemplo uruguaio de fornecimento estatal surge como uma excelente proposta que pode limitar o risco de grandes oligopólios privados assumirem esse negócio como já ocorre com o tabaco e o álcool. No entanto, o modelo uruguaio continua a proibir outras substâncias, estabelece um cadastro dos consumidores legais de maconha e ainda não definiu como exatamente será o sistema de produção. A adoção da internação involuntária para tratamento de dependentes também é um aspecto criticável do projeto uruguaio. O direito do auto-cultivo surge como condição indispensável para que os usuários possam prescindir do mercado e se autoabastecerem. Um sistema de produtores cooperativados que pudesse fazer a distribuição em pequena escala seria, combinado com o auto-cultivo e o fornecimento atacadista pelo Estado uma solução interessante que se oporia ao domínio monopolístico privado, à publicidade incentivadora do uso e poderia destinar a verba arrecadada para fins sociais. No estado do Colorado, por exemplo, os primeiros 40 milhões obtidos na arrecadação de impostos com a maconha deverá ser destinada integralmente para a construção de escolas.

Em recente estudo da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, chegou-se a conclusão que o país arrecadaria em média cinco bilhões de reais por ano em impostos sobre a cadeia produtiva da maconha legalizada, considerando que o número de usuários recreativos no país seja de 2,7 milhões. Um projeto que destinasse a totalidade da renda da grande produção e distribuição de drogas para fins sociais reverteria o sentido atual, belicoso, corrupto e violento, do lucro das drogas, para um fundo social de interesse público.

Uma alternativa socialista deve, antes de tudo, considerar o respeito aos consumidores, recusar a discriminação opressiva e repressiva contra seus direitos humanos fundamentais, defendendo a plena legalização de todas as drogas, sob distintos mecanismos de regulação, e propor que os lucros do comércio de drogas sejam destinados a fins de interesse público. Isso não apenas com a maconha, mas também em relação ao tabaco, às bebidas alcoólicas e à indústria farmacêutica que deveriam ter a sua grande produção e comércio atacadista estatizado de forma a dirigir toda a renda para o interesse social.

Mesmo com o aumento da repressão, atualmente no mundo há cerca de 243 milhões de pessoas consomem drogas ilícitas, o que representa 5% de população. Destes, 27 milhões apresentam uso problemático de psicoativos. Quando se trata de drogas lícitas, álcool e tabaco lideram a lista de consumo. O discurso proibicionista se baseia na proteção da saúde pública, o que contrasta com os dados relativos aos danos sociais causados pelas drogas permitidas em quase todos os países ocidentais. No Brasil, um estudo elaborado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), com dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde, aponta que, entre 2006 e 2010, foram contabilizados 40,6 mil óbitos causados por substâncias psicoativas. O álcool aparece na primeira colocação entre as causas, sendo responsável por 85% dessas mortes. Quando o assunto é cigarro, este mesmo estudo aponta que 4,6 mil pessoas morreram vítimas do cigarro. Logo percebe-se que é o lucro, e não a preocupação com a saúde, que rege o mercado e as políticas públicas de drogas.

Hoje o Brasil tem na cervejeira Ambev a maior empresa nacional. A Souza Cruz, em 2015, era dona de 78% do fumo negociado no mercado. O tabaco já foi estatal até mesmo na França, na Espanha e no Japão até a onda neoliberal das privatizações das últimas décadas do século XX, o que demonstra que esse modelo de controle estatal é viável, socialmente útil e capaz de reverter a renda do consumo de drogas para o interesse público. O minifúndio camponês já fornece hoje grande parte do tabaco comprado pelos atacadistas das multinacionais. Embora esta “parceria” se dê através de um modelo que cria um ciclo de dependência e subordinação por parte dos camponeses ao Capital das Transnacionais, pois a “parceria” se dá em contratos abusivos onde o preço de venda se mantém mesmo que ocorra alta do preço dos insumos, além do fato de se trabalhar em sistemas de produção monocultural e de alta carga de uso de agrotóxicos.

Se a maconha fosse legalizada, também haveria um enorme espaço de intervenção para o pequeno produtor agrícola rural e também urbano. Caso assim optassem, estes produtores, diferentemente do atual modelo que se tem na cadeira Fumageira (do tabaco), necessitariam de um suporte por parte do Estado na estruturação de Agroecossistemas diversificados e livres do uso de agrotóxicos e transgênicos com vias a obter também nas unidades produtivas além da produção da Maconha, gêneros alimentícios para a família e o mercado, insumos como madeira e lenha, serviços ecológicos, produtos fitoterápicos advindos de outras plantas medicinais, recursos forrageiros entre outros produtos. Essa ação por parte do estado ajudaria a garantir maior segurança e soberania alimentar por parte dos produtores, um acréscimo de renda e diminuição da pobreza em especial os agricultores mais pauperizados. As populações de comunidades carentes que hoje obtém parcelas ínfimas das rendas do tráfico sob os riscos de violência, poderiam ser estimuladas a se dedicar a plantios legais e de excelência, com venda varejista de micro-comerciantes e monopólio atacadista estatal.

A maconha possui enorme diversidade de cepas e composição em canabinóides. Algumas mais ricas em CBD são benéficas para tranquilização e analgesia, outras com mais THC, são aptas para excitação criativa estética e interação social. A identificação, como se faz nos coffee-shops holandeses, da composição exata em canabinóides permitirá a identificação e dosagem precisa das plantas mais adequadas às demandas dos usuários. Como uma planta de cuidado intensivo, um cultivo pulverizado entre os próprios consumidores e um sistema de cooperativas e pequenos distribuidores poderia oferecer variedades peculiares e artesanais (como ocorre com as cervejas artesanais, por exemplo), retirando uma parte dos consumidores da própria dependência mercantil ou limitando a uma esfera de micro e pequenos empreendimentos, enquanto a distribuição atacadista poderia ser controlada por uma empresa estatal que garantiria a destinação social dessa renda, garantindo verbas destinadas com exclusividade à saúde, educação, etc.

As outras drogas hoje ilícitas devem ter uma regulamentação específica em termos de disponibilidade de acesso, com certas substâncias devendo ser objeto de maior controle, enquanto produtos como maconha e cerveja, devem apenas ser restritos a adultos.

Os danos decorrentes do uso crônico ou agudo de todas as drogas devem ser prevenidos por informação adequada, regras estritas de uso controlado e controle sanitário da qualidade e pureza das substâncias, como ocorre com qualquer outro medicamento ou alimento. Aos casos de uso problemático deve ser oferecida assistência médica, psicoterapêutica e social em tratamentos voluntários em serviços públicos devidamente equipados, que hoje quase não existem na forma sequer dos Centros de Atenção Psicossocial-Álcool e Drogas (CAPS-AD), com o Estado preferindo financiar entidades privadas religiosas.

Como eixos para a elaboração de um projeto de legalização e regulamentação do mercado de drogas, e particularmente da maconha, propomos:

– Campanha pela legalização da Maconha Já, rumo à legalização das demais drogas ilícitas

– Fim da repressão! Libertação imediata a todos os presos do sistema carcerário presos por tráfico de drogas que não estejam respondendo por outros crimes

– Destinação da renda do mercado de drogas para fins sociais, por meio do controle estatal da grande produção e do atacado, tanto para as atualmente ilícitas, como também para o tabaco, álcool e outras drogas lícitas. Os danos decorrentes do uso problemático ou crônico de drogas devem ser diminuídos por meio de prevenção e de tratamentos que deveriam ser financiados com a renda obtida pela estatização, cuja destinação deveria ser estabelecida por lei que fosse integralmente para áreas sociais como Saúde e Educação

– Luta contra o PL 7663/10, de autoria do ex-deputado, hoje ministro do Desenvolvimento Social e Agrário Osmar Terra, que prevê aumento da repressão e internação forçada de usuários de drogas

– Pelo fortalecimento dos CAPS-AD e investimento em política de Redução da Danos

– Estímulo ao auto-cultivo, a cooperativas e ao pequeno comércio de maconha, como forma de viabilizar alternativas econômicas para comunidades carentes e para produtores de linhagens especiais de excelência. Incentivo ao uso medicinal da maconha, com estímulo à pesquisa científica e a adoção de tratamentos fitoterápicos com menos riscos e danos colaterais

Foto: Tomaz Silva/ Agência Brasil