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MUNDO

Colonos israelenses não estão interrompendo a expulsão e espoliação na Cisjordânia

Enquanto Israel e o mundo se concentram nas atrocidades de sábado, os colonos e seus apoiadores trabalham para implementar seu sonho de anexação de fato da Cisjordânia

Por Amira Hass. Tradução de Waldo Mermelstein, do Eol.
Instituto Brasil – Palestina

As forças de segurança israelenses negligenciaram a defesa das comunidades próximas à Faixa de Gaza porque estão preocupadas em defender os colonos na Cisjordânia, suas apreensões de terras e seus ritos religiosos.

Esta é uma das conclusões inevitáveis a tirar das atrocidades cometidas no sábado. Não é surpresa, mas essa negligência está inerentemente ligada a um dos principais objetivos da reforma judicial e de seus apoiadores sionistas religiosos – acelerar a anexação de fato da maior parte da Cisjordânia e aumentar a população de colonos judeus. Este objetivo não está apenas ainda na pauta; agora será ainda mais simples de ser percebido.

A mídia israelense e internacional está ignorando a Cisjordânia à medida que o testemunho contundente dos sobreviventes dos ataques de sábado vem à tona gradualmente, e enquanto o exército israelense realiza bombardeios mortais de vingança em Gaza e corta sua água, energia e suprimentos de alimentos.

A falta de atenção permitiu que os colonos e seus órgãos de execução, oficiais (militares e policiais) e semioficiais (agentes de segurança dos assentamentos e voluntários de direita atuando como escoltas), escalassem seus ataques contra pastores e camponeses palestinos com um objetivo claro: expulsar mais comunidades de suas terras e casas.

Algumas provas da volatilidade da situação vieram na quarta-feira, quando três moradores – dois deles adolescentes – da aldeia de Qusra, a sudeste de Nablus, foram mortos a tiros e outros oito ficaram feridos. Moradores da vila dizem que os atiradores eram colonos mascarados que entraram na vila em três quadriciclos. Mais tarde, quando os confrontos eclodiram após os funerais, outro adolescente foi morto em Qusra, seja pelo exército ou por outros ainda não sabidos.

Um grupo de WhatsApp palestino que documenta ataques de colonos em tempo real, especialmente na área ao norte de Ramallah, compartilhou relatos minuto a minuto sobre os eventos em Qusra. Essa informação chegou ao noticiário em Israel. Mas outros incidentes, que não terminaram em vítimas, não. Também na quarta-feira, por exemplo, houve relatos de colonos atirando contra camponeses que trabalhavam em suas terras na aldeia de Marda, a sudoeste de Nablus.

À 01h da manhã de segunda-feira, uma mensagem partilhada no grupo de WhatsApp alertava: “Um grupo de colonos está nivelando um trecho de terra na estrada que liga as aldeias de Qusra e Jalud”, numa área onde estão localizados assentamentos de colonos como Shiloh e Eli e os postos avançados de Esh Kodesh e Adei Ad.

“Não sabemos qual é a natureza da obra porque não há eletricidade”, dizia a mensagem, “mas eles poderiam estar planejando destruir um dos prédios agrícolas lá”. Mais tarde, foi relatado que os israelenses haviam destruído uma casa vazia que parecia ser de propriedade de um cidadão palestino de Israel.

Às 3h, foi relatado que colonos estavam invadindo a vila de Qaryout, a oeste de Jalud, e confrontando jovens palestinos que se aproximaram deles, antes que os militares entrassem na área e atirassem contra casas.

Poucos minutos antes das 13h, um grupo de colonos armados invadiu a cidade de Qarawat Bani Hassan, na província de Salfit, a sudoeste de Nablus. Tiros puderam ser ouvidos em vídeos anexados ao alerta. Um morador relatou: “Colonos e três soldados tentaram expulsar famílias que colhiam azeitonas. Começou um confronto e [os soldados] dispararam contra os jovens e foram embora.”

Às 14h30, apareceu uma reportagem sobre um advogado palestino que havia saído de Salfit e sido baleado por um segurança ou outro civil israelense no assentamento de Ariel. O motivo alegado foi a suspeita de que ele pretendia cometer um atropelamento.

Às 14h35, veio um alerta sobre colonos atirando contra carros palestinos perto de Ni’lin. Às 15h30, veio um relato sobre um ataque de colonos à cidade de Einabus, que fica a oeste de Hawara e faz fronteira com o assentamento de Yitzhar e seus postos avançados satélites.

“Os colonos estão tentando entrar em uma das casas”, disse a voz no vídeo anexado, e alertou os moradores para ficarem longe da janela. Dois moradores ficaram feridos pelos disparos, segundo informações posteriores.

Às 18h, um relatório disse que colonos e soldados estavam exigindo que uma família na aldeia de Turmus Ayya deixasse sua casa perto de Shiloh. Um dos familiares disse ao grupo de WhatsApp que se recusou a sair de casa e que os militares já haviam bloqueado a estrada para lá no dia anterior. A agência de notícias WAFA também relatou que colonos estavam atirando pedras em carros palestinos ao norte de Jericó na segunda-feira.

A capacidade dos palestinos de ajudar as comunidades ameaçadas está mais restrita do que nunca. Desde sábado, As Forças de Defesa de Israel bloquearam muitas das entradas e saídas de cidades e aldeias palestinas, colocando blocos de concreto e montes de terra e trancando portões de ferro já instalados. Um jornalista palestino observou que as tropas israelenses não estavam ocupando posições perto desses novos bloqueios de estradas.

Cidades e vilarejos estão isolados uns dos outros, com o confinamento especialmente rígido em torno daqueles próximos a Jerusalém. Um funcionário de uma agência de ajuda internacional disse ao Haaretz que viajar entre o norte e o sul da Cisjordânia é impossível. A estrada entre Belém e Hebron é quase inacessível aos palestinos.

Os palestinos que estavam em Israel no sábado ou domingo foram autorizados a voltar para casa através dos principais postos de controle. Centenas de habitantes de Gaza, se não mais, que trabalhavam em Israel foram forçados a abandonar seus locais de trabalho.

Eles não puderam retornar à Gaza bombardeada e, enquanto recebiam notícias cada vez mais preocupantes sobre os suplícios infligidos às suas famílias, foram levados para as proximidades de cidades palestinas, incluindo Jenin e Ramallah, onde as autoridades os hospedam em prédios públicos, e moradores em suas casas.

As estradas principais estão quase completamente sem carros de propriedade palestina. Mesmo aqueles que conseguirem encontrar uma saída para as cidades não se arriscarão a ir até a estrada.

Um dos objetivos mais estridentes dos colonos é fazer com que veículos palestinos desapareçam das principais estradas da Cisjordânia. Às vezes, eles implementam essa missão bloqueando as estradas de acesso para as cidades e suas saídas.

Neste momento tenso, o confinamento nas cidades palestinas e a ausência de tráfego palestino nas principais estradas facilitam o controle da área pelos militares. E, como subproduto, atualizam a disposição e o plano dos líderes religiosos sionistas de fazer desaparecer os palestinos.

Os moradores dizem que cada pequena reunião de alguns jovens manifestantes perto dos postos de controle atrai fogo mais pesado do que no passado. Colonos armados foram vistos em prática de tiro na segunda-feira na área de Tulkarm, perto de um posto de controle cujos soldados estão ausentes.

Um vídeo publicado pelos colonos descrevendo as armas e munições atribuídas a eles só aumentou os temores dos palestinos de serem ainda mais abandonados aos planos mal disfarçados dos civis israelenses que controlam suas vidas.

Amira Hass é uma jornalista e autora israelense que mora atual em Ramallah. Filha de dois sobreviventes do holocausto, é conhecida por seu jornalismo investigativo e sua cobertura crítica das questões relacionadas ao conflito israelense-palestino. Ela escreve para o jornal israelense Haaretz,[2] onde é colunista e também atuou como correspondente diretamente dos territórios palestinos ocupados por Israel, sendo uma voz proeminente que oferece perspectivas sobre a vida nas áreas palestinas ocupadas, bem como sobre as políticas e questões humanitárias relacionadas a esse conflito.

Original em Israeli Settlers Aren’t Pausing the Expulsion and Dispossession in the West Bank