Durante o último período, os estudantes protagonizaram importantes mobilizações, dentre elas a luta contra o golpe que derrubou Dilma, o Fora Temer, o #ELENÃO, o Tsunami da Educação, a Campanha Fora Bolsonaro e a campanha eleitoral de Lula. Em Florianópolis todos esses processos foram dirigidos, em maior ou menor medida, pelo DCE Luís Travassos, da UFSC. Essa entidade histórica é sem dúvidas a principal do estado de Santa Catarina.
É verdade que nos últimos anos vivemos um refluxo no ME, sob o governo Bolsonaro, durante e após a pandemia. Os prognósticos de retomada da vida política na universidade, que pareciam ser consenso em toda a esquerda, não se confirmaram na realidade. Houve, pelo contrário, uma enorme dificuldade na manutenção das gestões de Centros Acadêmicos e do próprio DCE. Como resultado, tivemos um processo de fragmentação das forças políticas da UFSC. Exemplo disso foi a eleição de delegados para o Congresso da UNE, que contou com nada menos do que 7 chapas. Esse elemento, em nossa opinião, reflete esse cenário de fragmentação, a prioridade dos grupos políticos que construíram o ME em sua própria autoconstrução e o consequente afastamento das entidades do cotidiano estudantil e da base dos cursos em nossa universidade.
Em nosso entendimento, não existem 7 distintas leituras da realidade e das necessidades do movimento estudantil hoje, e tal dispersão das forças, independentemente do resultado das votações, é regressiva para o ME de conjunto. É importante seguirmos com clareza que a extrema direita em nosso país segue forte e tem como um dos principais inimigos a educação pública e aqueles que lutam para defendê-la em seu país. Continuamos a hierarquizar nossas lutas pelo enfrentamento à extrema direita e entendemos que somente conseguiremos aplicar uma derrota histórica ao projeto neofascista de Bolsonaro consolidando uma unidade entre os os grupos políticos, os coletivos de curso e o conjunto dos CAs e DAs de nossa universidade.
Frente ao exposto, propomos um debate aberto com o conjunto do ME da UFSC a partir de elementos programáticos que entendemos como essenciais para o próximo período, e que podem servir como fundação comum para a construção de uma unidade para a disputa do DCE:
1. Independência frente ao governo e à reitoria
Não é nenhum segredo que atuamos com todos os nossos esforços para eleger Irineu e Joana para a reitoria da UFSC e Lula para a presidência da república. Eleger uma gestão de esquerda para a reitoria foi uma vitória importante para derrubar o grupo que dirigia a universidade há anos e que representava um projeto recuado e com elementos entreguistas e privatistas. E eleger Lula colocou um fim ao governo de morte de Bolsonaro e trouxe um verdadeiro fôlego para os trabalhadores e estudantes.
Contudo, não podemos achar que nossa batalha acaba por aqui. Afinal, a derrota do Bolsonarismo se deu por uma margem muito apertada de votos e o centrão, que antes apoiava o governo, hoje luta por mais espaço dentro do governo de frente ampla, minando o programa eleito nas urnas.
Para conseguirmos levar a cabo uma batalha que jogue a extrema direita no lixo da história de onde eles jamais deveriam ter saído e lutar por um país com justiça social, entendemos que as entidades do ME devem manter uma relação de independência política frente a reitoria e ao governo. Nos pautamos pelo próprio ME, e não por agendas institucionais. Isso significa, na prática, que reconheceremos e daremos todo nosso suporte às medidas progressivas que venham da reitoria ou de Lula, mas iremos criticar e nos colocar na luta contra qualquer ataque ou medida regressiva.
2. Reconstrução do ME pela base
Vivemos hoje o início de uma retomada do ME após alguns anos de refluxo. A pandemia de COVID-19 e a política negacionista genocida de Bolsonaro impactaram diretamente a dinâmica das universidades. Na UFSC, pelo menos 4 turmas de calouros entraram na universidade durante o ensino remoto. Não tiveram, portanto, contato com seus Centros Acadêmicos, com o DCE, e nem mesmo com a realidade de seus cursos.
Durante esse período, alguns CAs foram desativados, outros paralisados por falta de estudantes dispostos a tocar a entidade, e a totalidade foi impactada de uma ou outra forma. Quando as aulas presenciais retornaram em 2022, essa nova geração de estudantes estava descolada do ME, o que resultou em processos de luta esvaziados, eleições com quórum baixíssimo, e pouca vida política ativa de maneira geral na universidade.
Entendemos que é papel do DCE lutar pela reconstrução do ME desde as suas bases, buscando conectar-se cada vez mais com os CAs para a construção das lutas mais específicas às mais gerais. Somente uma entidade respaldada no debate político democrático é capaz de fortalecer o conjunto do ME. Isso significa para nós que o período de campanha deve refletir aquilo que se busca para a gestão, ou seja, a campanha deve focar em boa medida em entender as diferentes dinâmicas, dificuldades e pautas dos CAs de todos os centros da UFSC, buscando trazer para a construção aqueles militantes independentes que mantém as gestões de suas entidades a duras penas.
3. Recomposição orçamentária
Sofremos cortes orçamentários brutais nas universidades públicas brasileiras durante o governo Bolsonaro. Barramos o Future-se, verdadeiro projeto de venda do ensino superior público. Sentimos hoje, ainda, as consequências de um orçamento aprovado durante a gestão do genocida. A eleição de Lula trouxe um alento e esperança de dias melhores, quando, por exemplo, tivemos um reajuste mais do que necessário nas bolsas. Porém, sabemos de todas as limitações de um governo de frente ampla.
Hoje podemos ver vários elementos desse sucateamento em nossa universidade: um número de bolsas disponíveis ainda muito aquém das necessidades de permanência e de produção de ciência, falta de estrutura para a manutenção mínima do funcionamento do Restaurante Universitário, políticas de acesso e permanência progressistas que são aprovadas na universidade, mas esbarram em dificuldades orçamentárias básicas. Além disso, é alarmante que nossa universidade de depare com um profundo déficit de contração de professores, a ponto de ter que suspender as aulas de um dos turnos no curso de Serviço Social.
Nesse sentido, entendemos que é momento do ME buscar retomar uma ofensiva para arrancar vitórias do governo Lula. Não devemos esperar concessões e somente comemorá-las. É momento de avançar na luta pela recomposição orçamentária, maior fomento e valorização da ciência e reajuste anual das bolsas. Isso passa pela luta pela revogação de qualquer teto de gastos ou arcabouço fiscal, pauta que deve ser central para o ME durante o próximo período.
4. Permanência estudantil
Tivemos, no último período, importantes avanços para ampliação de acesso e permanência na UFSC com a aprovação da minuta antirracista e a inclusão de cotas para pessoas trans, travestis e não-binárias. Passamos por quatro anos de deterioração das condições de vida da população, a juventude em especial sendo afetada de forma profunda e o que vimos de reflexo na universidade foi o setor que já era mais precarizado dentro da UFSC sendo forçado abandonar seus cursos.
O movimento estudantil sempre teve como pauta cara a permanência estudantil, entendendo que a ampliação de acesso não era automaticamente garantia de que as pessoas conseguissem concluir o ensino superior e que as duas políticas precisam andar em conjunto. O momento que vivemos ainda de retomada das universidades exige uma política de permanência estudantil ainda maior, para garantir que aqueles que tiveram que abandonar o ensino superior consigam retornar e quem estuda na ufsc possa continuar sua graduação. Algumas políticas que se aprovadas podem avançar nesse sentido são: café da manhã no RU, ampliação e aumento do auxílio estudantil, política de reajuste das bolsas estudantil permanente conforme ao menos pela inflação.
5. Política antirracista
A Resolução Antirracista da UFSC, aprovada no final de 2022, foi um importante avanço em direção a uma universidade que valorize a permanência de estudantes pretos, pardos e indígenas. Definindo as diversas formas de racismo que ocorrem no espaço institucional, apresentando e delimitando os canais de denúncia e de acolhimento às vítimas, definindo as responsabilidades de cada instância e escancarando o racismo epistêmico, essa política coloca o enfrentamento ao racismo e a valorização da cultura e dos conhecimentos africanos e afro-brasileiros como centrais na universidade.
Como sabemos, contudo, ainda temos muito a avançar. É tarefa central do ME da UFSC no próximo período garantir que as medidas aprovadas na Resolução antirracista sejam implementadas, com contratação de professores pretos, pardos e indígenas (até o preenchimento de 20% das vagas em todos os departamentos), com reserva de vagas em todas as modalidades de bolsas acadêmicas e com cada vez mais bibliografias em nossas disciplinas que representem de fato o povo brasileiro, nossa história e nossos conhecimentos.
Para além do cumprimento da Resolução, devemos lutar para ir além, fazendo da UFSC cada vez mais um espaço que forme pessoas pretas, pardas, indígenas e quilombolas nas mais diversas áreas, promovendo uma verdadeira e necessária transformação social. Acreditamos que o DCE deve ocupar um papel central no fortalecimento da luta antirracista em nossa universidade.
6. Política de acesso e permanência para pessoas trans
No último período, o Afronte! vem promovendo uma campanha nacional por políticas de acesso e permanência para pessoas trans nas universidades públicas do Brasil. No país que mais mata travestis e transsexuais no mundo, onde a expectativa de vida da população trans é em torno de 35 anos, apenas 0,02% das pessoas trans conseguem acessar a universidade, sendo, muitas vezes, expulsas do sistema educacional muito mais cedo (cerca de 72% das pessoas trans não concluíram o ensino médio e 56% não concluíram nem mesmo o ensino fundamental).
Nesse cenário, se faz urgente o debate sobre as Cotas Trans nas universidades e, mais do que isso, uma luta por políticas mais amplas de acesso, assistência e permanência para a população trans brasileira, garantindo que todes possam, para além de entrar na universidade, permanecer e se formar.
A UFSC deu um importante passo nessa direção, tendo aprovado em 8 de agosto deste ano a política de acesso, inclusão e permanência para pessoas trans, travestis e não binárias. Essa decisão histórica é resultado do trabalho e da articulação do movimento trans, representado pela Rede Trans UFSC que foi a grande responsável por essa conquista. A política contempla graduação, pós e concursos públicos e, de maneira pioneira, reflete profundamente sobre a necessidade de que o acesso estudantil seja acompanhado por políticas de permanência e enfrentamento à transfobia dentro da instituição.
Mesmo com essa importante vitória, é central que no próximo período o ME da UFSC esteja atento, na luta pela garantia da aplicação dessas medidas e, mais do que isso, em sua ampliação. É papel do Diretório Central dos Estudantes da UFSC lutar para que a universidade pública avance e forme cada vez mais pessoas trans, travestis e não-binárias.
7. Memória, Verdade e Justiça!
Nos últimos anos, a Comissão Memória e Verdade criada na UFSC dedicou seus esforços para trazer à tona a história da UFSC durante a Ditadura Militar. O extenso relatório produzido colocou luz sobre as perseguições sofridas por estudantes, técnicos e professores que lutaram duramente contra os militares, e elencou 12 recomendações para a administração da UFSC, dentre elas a retirada de títulos e homenagens concedidas àqueles que contribuíram com o regime militar. Esse é um trabalho que deve ser reivindicado pelo ME, que deve exigir que todas as consequências caiam sobre os ombros daqueles que perseguiram e entregaram estudantes às prisões e aos torturadores da ditadura.
É inadmissível que o documento com as 12 recomendações tenha penado para ser aprovado no Conselho Universitário. Não devemos recuar um passo na exigência por justiça. Exemplo de luta que deve ser protagonizada pelos estudantes, liderados pelo DCE, é a mudança de nome do Campus de Florianópolis, hoje chamado Reitor João David Ferreira Lima, reconhecidamente um simpatizante da ditadura que perseguiu estudantes. Defendemos a renomeação para Campus Antonieta de Barros, catarinense primeira mulher negra a assumir um mandato popular.
Em resumo, entendemos que existe a possibilidade de se construir um programa comum entre aqueles que entendem que a luta contra o bolsonarismo ainda é nossa prioridade, e que, para isso, devemos reconstruir o ME desde as bases em unidade. Fazemos um chamado às forças políticas e estudantes independentes para a continuidade do debate e dessa elaboração programática durante o período de formação de chapas na eleição do DCE Luís Travassos.
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