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MOVIMENTO

Sobre greve nas Universidades, projeto de nação e dilemas do governo Lula

Daniel Kraucher, de São Carlos (SP)
FASUBRA
“Não tenham nenhuma preocupação de que ‘não podemos pressionar porque o Lula é o presidente’.
Não! É exatamente porque o Lula é presidente que vocês tem que fazer pressão”.
Lula, em encontro com as Centrais Sindicais em 18/01/23

No momento em que esse texto é escrito, caminha para o fim a primeira semana de greve das trabalhadoras e trabalhadores técnico-administrativos (TAEs) das Universidades Federais. De acordo com a Federação Nacional da Categoria (FASUBRA), a greve já atinge 56 Instituições Federais de Ensino, sendo 52 Universidades e 4 Institutos Federais. 

Não se trata de uma “elite privilegiada”. As servidoras e os servidores em greve recebem salários que estão entre os menores salários de todo o serviço público federal. Além disso, a categoria vem, junto da maior parte do serviço público federal, de um congelamento salarial que durou do golpe de 2016 à derrota do genocida em 2022. Um servidor TAE de nível D, que são a imensa maioria da categoria, tem hoje salário inicial de R$ 2.667,19, ou seja, dois salários-mínimos. 

Educação custa caro, mas sem ela não há futuro para o país

“Esse país precisa dar uma chance a nós mesmos. Uma chance de nos transformarmos em um país desenvolvido.”
Lula, em encontro com as Centrais Sindicais em 18/01/23

O que a greve dos TAEs coloca em discussão, de fundo, é o valor que damos à educação e, portanto, o projeto de nação que queremos. Não há um único caso de desenvolvimento nacional substancial e inclusão social que não tenha sido impulsionado por investimentos massivos em educação. Educar custa muito caro, mas, como o próprio Lula gosta de dizer, não é gasto, é investimento. 

Para termos senso de comparação, peguemos a Universidade de São Paulo, que é estadual. A USP não é a melhor universidade da América Latina e um orgulho de todo o país de graça. Um servidor técnico-administrativo da USP, com formação equivalente a um TAE de nível D, tem salario inicial de R$ 5.440,92. É mais do que o dobro que os servidores técnico-administrativos das universidades federais! Do mesmo modo, a recomposição do orçamento das instituições federais de ensino não será possível sem que haja um esforço político e orçamentário. 

Trata-se de uma escolha nacional e, em última instância, uma escolha do governo sobre os rumos da nação. Queremos um país que investe seriamente em educação, pesquisa e tecnologia ou queremos ser, para sempre, uma grande fazenda dependente de itens tecnológicos básicos? Os que querem a educação como prioridade não devem ter dúvida de que lado estão na greve em curso.

De onde tirar o dinheiro?  

“[eu voltei] pra colocar o pobre no orçamento da união e colocar o rico no imposto de renda, pra ver se a gente arrecada o suficiente pra fazer política social nesse país.(…) Eu fui eleito pra fazer as coisas melhor do que eu fiz da outra vez.
E eu vou brigar pra fazer”
.
Lula, em encontro com as Centrais Sindicais em 18/01/23

Os TAEs em greve têm consciência que, ainda que estejam em uma situação economicamente delicada, em especial as mães e os aposentados da categoria, nós vivemos em um país onde milhões de pessoas passam fome. Nossa luta orçamentária pela recomposição salarial e mais verbas para a educação federal em hipótese nenhuma pretende disputar verbas destinadas ao combate à fome e à miséria em nosso país.  

 O que precisamos entender é que o Brasil é um país rico. Somos a nona maior economia do mundo. O orçamento federal de 2023 foi de 4,36 trilhões de reais. Não há nenhuma justificativa para haver pobreza ou falta de investimento em educação no Brasil, a não ser por uma opção política da classe dominante.

Com uma das taxas de juros mais altas do planeta, o Brasil pagou, em 2023, 5,2 bilhões de reais de juros por dia aos banqueiros e milionários, de uma dívida cuja auditoria prevista na constituição nunca foi feita. O Brasil isenta bilionários de pagar impostos sobre seus lucros. Sob a promessa nunca cumprida de gerarem mais empregos, isentamos empresas de pagar impostos por décadas, abrimos mão de direitos trabalhistas e um longo etc. A elite econômica nacional escolhe politicamente a localização de submissa no cenário internacional porque lucra com essa localização, ainda que às custas da fome do povo e dos cortes em direitos sociais.

Trata-se de uma escolha política. E se o problema é político, não estamos condenados à condição de país periférico eternamente. A solução também é política. E Lula, evidentemente, tem um papel a cumprir, pela relevância que tem no cenário político internacional, inclusive.

É preciso que Lula se posicione publicamente em defesa da greve e da educação  

“Vocês tem aqui não um mero presidente da república.
Vocês tem aqui um sindicalista, que virou presidente do Brasil por conta de vocês”

Lula, em encontro com as Centrais Sindicais em 18/01/23

Após tudo o que passou e se equilibrando com muita habilidade por sobre uma frente ampla nacional que envolve setores com interesses muito distintos, a autoridade de Lula enquanto liderança, tanto nacional quanto internacionalmente, está hoje em um nível que, provavelmente, jamais esteve, em que pese a evidente divisão que existe no país.  

Usando dessa autoridade, Lula se posicionou, publicamente, de maneira corajosa e correta em temas como o genocídio em Gaza, a crise climática, a situação dos trabalhadores sem direitos nos aplicativos. Da mesma forma, infelizmente já recuou e reposicionou mal o governo em temas igualmente sérios, como nas já diversas tentativas de apaziguar os ânimos dos militares, na tentativa de abrir canais com pastores ultra-reacionários e, mais recentemente, na promoção de um churrasco para os representantes do agronegócio.   

Não há projeto comum possível com os setores neofascistas. Quanto mais o PT cede às chantagens das elites, menos espaço há para atender os anseios da massa da população. Isso tem consequências na credibilidade e popularidade do governo. As eleições municipais desse ano já estão a pleno vapor Brasil afora e serão um grande teste. 

Nos anos que governou livre, leve e solta com Temer e, depois, com Bolsonaro, a classe dominante brasileira já mostrou seu projeto de nação e o perigo que ele representa, o desprezo pela vontade da maioria do povo e, mesmo depois do 8 de janeiro, segue chantageando o governo. Eles têm instinto de poder e não vão se contentar com acenos e recuos ocasionais. Isso é ilusão! O projeto deles segue sendo a construção de uma nação ainda mais agrária, mais desigual, com menos direitos trabalhistas, mais racista, mais machista… mesmo que para isso precisem, em algum momento, derrubar o governo a força. 

Contra esse projeto só há uma via: o enfrentamento. Se não lutamos nós, lutarão eles, como o PT já bem viu em seus primeiros mandatos (2003-2016), que terminaram com um golpe desferido por setores que o PT entendia enquanto aliados dignos de confiança até a véspera.

Todo apoio à greve dos servidores e servidoras TAEs das Universidades e Institutos Federais!

Ainda que sabendo das dificuldades, os servidores TAEs não podem mais esperar e decidiram se colocar na linha de frente desse enfrentamento. Não basta ganhar a eleição, é preciso colocar em prática um programa de transformação social real. Estamos em greve por mais verba para a educação superior e fazemos um chamado a todos os setores progressistas e, em especial, aos trabalhadores e trabalhadoras, a que estejam do nosso lado. E estendemos o chamado a Lula, a que se posicione publicamente em defesa da educação pública, dos trabalhadores e por uma verdadeira reconstrução nacional. Queremos Lula falando publicamente a favor da greve. Lula sabe que estamos em greve e sabe a autoridade que tem. Um comentário público sobre a justiça de nossa pauta e para que o investimento em educação esteja acima do afã pelo déficit zero exigido pelo mercado financeiro já seria um grande começo.

Daniel Kraucher é membro do Comando de Greve da UFSCar e militante da Resistência-PSOL