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MOVIMENTO

Gira Yalodê: A importância de estudar o pensamento de mulheres negras

Brenda Marques e Wellington de Paula, estudantes de serviço social da UERJ e integrantes da Gira Yalodê-UERJ

Em 2018 em uma entrevista, Conceição Evaristo questionou: “Que regras são essas da sociedade brasileira para vermos uma mulher virar um expoente no campo da literatura só aos 71 anos? Enquanto você vê outras expoentes na literatura que às vezes são meninas com idade para serem minha neta, mas como vêm de um grupo social diferenciado do meu, são mais jovens, são brancas, têm sua competência logo revelada? Por que a minha competência está sendo tão tardiamente reconhecida?” (1)

Evaristo grande intelectual e atualmente conhecida pelas suas “escrevivências” nasceu numa favela da zona Sul de Belo Horizonte, filha de uma lavadeira que assim como Carolina Maria de Jesus, mantinha um diário onde anotava as dificuldades de um cotidiano sofrido. Conceição cresceu rodeada por palavras, mas como muitas mulheres negras, teve que conciliar os estudos com o trabalho como empregada doméstica, talvez aí estivesse situada a resposta para seu questionamento, as opressões de gênero,raça e classe cerceiam as mulheres negras de praticarem a intelectualidade e quando estas conseguem impede o reconhecimento de sua intelectualidade. 

O questionamento de Evaristo é um importante ponto de partida para pensarmos a importância do pensamento de mulheres negras e em contrapartida, os atravessamentos e dificuldades destas mulheres para ocuparem o espaço da intelectualidade.É bem verdade que mulheres, em especial as negras e pobres, são educadas para o trabalho de servir, as tarefas domésticas sempre vieram em primeiro lugar, como um lugar naturalizado. 

Quando falamos sobre o trabalho intelectual, frequentemente ouvimos que este exige um distanciamento, um isolamento; uma legitimação, escrever é uma atividade solitária, ser intelectual uma tarefa marcadamente branca e masculina. Onde estariam as mulheres negras nessa intelectualidade?. Ao lermos Lélia Gonzalez sobre os estereótipos de mulata, doméstica e mãe preta que estão colocados sobre as mulheres negras, conseguiremos entender quais lugares sociais que a sociedade acredita que devem ser ocupados as mulheres negras, e estes sempre estão relacionados ao trabalho doméstico e sexual, imbricado também pela ideia de incapacidade intelectual, elas seriam o corpo que não pensa. 

Nesse sentido, para ser intelectual e mulher negra é preciso transgredir o lugar condicionado pelo racismo estrutural e romper com as significações impostas do lugar do servir para o lugar do pensar. É nessa transgressão que encontraremos Carolina Maria de Jesus, uma das maiores escritoras, compositora, cantora e poetisa brasileira. Vivia na favela do Canindé em São Paulo com seus três filhos em um cotidiano de fome. Era catadora de papéis, e qualquer pedaço de papel virava uma parte do seu diário, e assim desenvolveu uma maneira própria de narrar aquela realidade de desigualdade. 

Através do repórter Audálio Dantas, ela conseguiu espaço para publicar o seu primeiro livro e mais famoso livro, “O quarto de despejo”, que vendeu mais de 1 milhão de cópias, além disso compôs um disco com 12 canções, e publicou sozinha o romance Pedaços da fome e o livro Provérbios. Outros livros foram publicados após a sua morte e hoje as suas obras são objetos de estudo no brasil e no exterior, mas isso não significa que o racismo e o sexismo não a impediram de um verdadeiro reconhecimento em vida. 

Os pagamentos de direitos autorais recebidos por Carolina eram pequenos, e não suficientes para que conseguisse viver melhor do que pouco acima da linha da pobreza. No final de sua vida a sua família vivia bem melhor do que na favela, mas num nível muito abaixo do esperado para uma autora cujos livros ainda estavam vendendo bem em diversos países. 

O que torna as vivências dessas mulheres excluídas e invisíveis para a sociedade é o fato de estarmos em um modelo hegemônico da branquitude, onde no máximo seremos tratados como objetos de estudo, mas não como sujeitos da pesquisa. Intelectuais como Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo, Lélia Gonzalez e outras mulheres negras seguem em resistência a isso, disputando a intelectualidade, muitas ao adentrar os espaços acadêmicos, utilizam de suas condições de marginalidade social para produzir deslocamentos no conceito de intelectualidade baseado em cânones eurocêntricos reproduzidos dentro das universidades. 

Para fazer parte dessa resistência e romper com a invisibilidade do pensamento de mulheres negras, estudantes de diferentes cursos da UERJ- Universidade do Estado do Rio de Janeiro estão promovendo uma roda de discussões sobre o pensamento de mulheres negras chamado “Gira Yalodê”. 

Os encontros vão começar em agosto, e a intenção do grupo, ou melhor falando,da gira, que carrega esse nome na intenção de um conhecimento que circula entre os participantes, é estudar o pensamento de mulheres negras seja da escrita, seja das expressões artísticas e fazer reverberar esse pensamento dentro e fora da universidade. Essas iniciativas são muito importantes e devem ser valorizadas. É nessas giras que vamos construir uma outra forma de enxergar as intelectualidades e de uma vez por todas, romper com a invisibilidade destes pensamentos tão potentes. Com a Gira Yalodê-UERJ os estudantes pretende enfrentar a estrutura racista, classista e sexista da intelectualidade, pois como diz a poesia da grande poeta negra Maya Angelou: 

“Você pode me inscrever na História 

com as mentiras amargas que contar, 

Você pode me arrastar no pó 

Mas ainda sim, como pó, eu vou me levantar.”

Notas

Entrevista concedida a Júlia Dias Carneiro, BBC Brasil RJ, mar. 2018

 

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