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OPRESSÕES

Quarenta anos da Marielle e Marcha das Mulheres Negras: O mundo continua cruel, mas seguimos em luta

Mayara Gomes*, do Rio de Janeiro, RJ
A dororidade nos une. A cada dor de uma mulher, para nós, mulheres negras, há sempre uma ferida a mais porque o racismo estrutural ao qual somos obrigadas a viver e servir com os nossos corpos nos coloca nos piores postos de trabalho, com os salários mais baixos e menos assistência públicas. Somos nós que enterramos nossos filhos assassinados, que perdemos a família para o tráfico e que temos nossos corpos violados e mercantilizados. Mas dororidade, conceito criado por Vilma Piedade, também fala da dor que se ressignifica e faz dos momentos de dificuldade o resgate da vivência da ancestralidade, do viver em comunidade, dos sambas de roda e do culto aos nossos orixás.
Marielle fazia parte dessa corrente, do sou porque nós somos. Fez da política o seu meio de transformação social, de ecoar as tantas vozes caladas, silenciadas. Defensora dos direitos humanos e cria da Maré, havia na Marielle um pouco de todas nós. Mas nessa sociedade, negra é adjetivo qualitativo pejorativo e luto. Viramos estatísticas e de forma covarde nos matam, morremos junto com todas que são tombadas. Fomos brutalmente assassinadas com Marielle que teve sua vida interrompida por tiros silenciosos.

E há 500 dias nos perguntamos: Quem Mandou Matar Marielle?

Quem Mandou Matar Marielle? O Estado Racista e Patriarcal. Afinal como ousa uma negra da senzala levantar a voz pro senhor da casa grande? Abolimos a escravidão, mas ainda vivemos em um Brasil colonial onde os senhores de engenho determinam quem vive e quem morre. E ponta da arma está sempre apontada para a pele negra.
Quem Mandou Matar Marielle? A negligência dos governos. Uma vez que não se comprometem com políticas públicas sociais para impedir o genocídio da população negra, para reverter a posição do Brasil como epicentro mundial de assassinatos de lgbts e que nos últimos 10 anos teve a taxa de assassinatos de mulheres negras aumentada. É nesse mesmo país que morrer de fome é ironizado pelo presidente e que a morte de uma parlamentar é desqualificada por certos deputados.
Quem Mandou Matar Marielle? A militarização do Estado para o controle dos territórios nas periferias em nome da falsa guerra às drogas e as milícias que agem como braços dos governos em locais marginalizados, os territórios do povo negro.
Marielle representava um perigo. Assim como todas nós, camponesas, faveladas, jovens, estudantes, mãe, filhas, avós, Yalorixás, trabalhadoras, que em meio a tantas dores se levantam. E nos levantamos porque mulheres negras são guerreiras descendentes de Oyá. São o vendaval que antecede as tempestades, são a força o afago da mãe África.
No sábado, 27 de agosto, Marielle faria 40 anos. No domingo 28 de agosto foi a Marcha das Mulheres Negras com o tema ‘Mulheres Negras resistem: em movimento por direitos, contra o racismo, o sexismo e outras formas de violência’. Celebrar o aniversário da Marielle é ver tantas mulheres negras em movimento. Somos um só corpo da mesma luta, por todas as Oyás que se foram e que virão.
*Mayara Gomes faz parte da Marcha Mundial das Mulheres e do Coletivo ENEGRECER RJ