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EDITORIAL

25 de Julho: é por nós, por todas nós!

Editorial de 25 de julho de 2019
Estela Loth | Colaborativa EOL

Manifestação do 15M em Juiz de Fora (MG)

Em 1992, o Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas indicou o dia 25 de julho como dia internacional de luta dessas mulheres, a partir de suas realidades marcadas pelo racismo nessas regiões do mundo. O significado na construção desta data indica a integração da mulher negra no cenário internacional de mobilizações feministas. Mulheres negras realizam lutas de libertação em muitas partes do mundo há séculos, porém, este dia demarca no calendário internacional um forma específica de ser mulher, afinal, quais são as demandas das mulheres negras?

No Haiti, mulheres negras estão a frente da tentativa de reconstrução do país saqueado pelas ocupações imperialistas. Nos EUA, temos o enfrentamento direto de Trump a Ocacio-Cortez, que demonstra o temor da reação conservadora ao protagonismo de uma mulher de descendência latina e oriunda do Bronx, periferia de Nova York. Em todos os cantos do continente somos resistência!

O Brasil é o país mais negro fora da África, 53% da população se autodenomina negra, num universo de maioria feminina. Assim, em 2014, a Lei nº 12.987/2014 foi sancionada e determina o dia 25 de julho como Dia Nacional de Tereza de Benguela, líder do Quilombo de Quariterê. Em meio a grave crise política e social que vivemos é preciso refletir: qual o papel das mulheres negras na resistência ao bolsonarismo e na reorganização da esquerda e dos movimentos sociais?

Bolsonaro e a reinvenção do Mito da Democracia Racial como política de governo

Vivemos em um país onde a marca da escravidão tardia determina a vida de homens e mulheres: são três séculos e meio de escravidão para um pouco mais de um século de trabalho livre. Essa determinação coloca o ser mulher negra como sinônimo de enfrentamento a situação permanente de pobreza e violação de direitos. A escravidão acabou, mas a estrutura social determinada pela raça se perpetuou.

O atual presidente da República representa a ideia de que vivemos em um país onde o racismo é “algo do passado” e em base a um falso discurso de “igualdade” invisibiliza as diferenças sociais existentes e a necessidade urgente de reparações. Seu discurso aprofunda a ideia de que cada sujeito é responsável pelo seu sucesso ou fracasso e o que determina a posição social de cada um é o mérito pelo seu desenvolvimento. Por isso, qualquer medida de reparação, como as ações afirmativas nas universidades, são veementemente negadas por este governo e estão sob risco nos próximos quatro anos.

Ao mesmo tempo em que a maior parte de suas medidas se apoiam num ideal de sujeito de direito que exclui a cidadania do povo negro. De que forma isso acontece? A diminuição do financiamento de todos os programas sociais públicos da área da educação, saúde e assistência social coloca a população negra a margem da sociedade.Por outro lado, o incentivo a políticas de segurança pública de cunho exclusivamente repressivo, determina a condição negra como padrão do genocídio por parte do aparato militar do Estado e do crime organizado. O efeito colateral dessa política é o aumento do encarceramento de mulheres negras: entre 2000 e 2014, o número de encarceradas cresceu 567,4%, sendo que quase 70% são negras.

Porém, nesse momento, o apagamento não se dá apenas pela via do extermínio físico, mas também pela tentativa de silenciar uma cultura negra emergente em nosso país. Por isso, criminalizam o RAP, o carnaval e a ocupação de espaços públicos com nossas manifestações culturais, perseguem as religiões de matriz-africana e combatem lugares de representatividade negra na política e no meios de comunicação. Falam que afirmar a negritude na sociedade é o que gera o conflito e a partir disso conduzem o apagamento de toda uma parte da população. Bolsonaro busca o embranquecimento do país através do mito da democracia racial reciclado, afirmando que o que nos divide é o reconhecimento de que existem brancos e negros. Esse fato não é uma novidade na história do Brasil: querem a paz em base ao nosso silêncio.

Ser mulher negra é lutar para sobreviver a todo momento

Mulheres negras assumem desde o período pós-abolição majoritariamente a manutenção das casas, financeira e emocionalmente. Aqui não há romantização: ao contrário de uma relação matriarcal referenciada em reinos africanos, temos a constituição de um “matriarcado da pobreza”. Mulheres ao centro buscando o sustento num país onde, frente a crise econômica iniciada em 2015/2016, as mulheres negras sofreram um aumento de 80% em relação ao desemprego nos últimos três anos, segundo dados do IPEA.

No caso de negros e negras, o aumento da idade mínima para aposentadoria e a diminuição de sucessivos benefícios garantidos ainda na Constituição de 1988 encaminhará nossas vidas para o ciclo eterno do trabalho. Seja pela necessidade de termos constantes complementos de renda, seja pela exposição a trabalho com maior esforço físico e menos garantias de proteção, que faz com que nossas vidas sejam expostas como mercadorias descartáveis.

O genocídio dos negros no Brasil

Genocídio como definição de uso de medidas deliberadas e sistemáticas para um extermínio de um grupo racial é uma realidade que ano a após ano é retratada pelos dados dos institutos de pesquisa no Brasil sobre a violência e assassinatos. Este tema é central na luta das mulheres negras, lutamos por nossas vidas, e pelas vidas de nossos filhos, amigos, pais e companheiros.Há uma guerra social onde o alvo da violência são jovens negros: o Atlas da Violência, divulgado em junho deste ano, apontou que 75% das mortes são de pessoas negras. A resposta do atual governo para esta realidade é flexibilização do porte de armas e incentivo ao terrorismo de Estado por parte das polícias e do exército: “mexeu a cabecinha, atira”. Vivemos no país onde o exército abate dois trabalhadores em praça pública com mais de 200 tiros numa tarde de domingo, alega ser engano e os governos tratam com normalidade. Eram dois corpos, como a maioria dos corpos, dois corpos negros. Assim, o genocídio é também a impossibilidade da fala e do reconhecimento da existência do ser negro no país, ao negarem nossa existência naturalizam as mortes negras como sinônimos de “bandidos” e “suspeitos”.

O feminicídio que mata 13 mulheres por dia faz com que o Brasil seja o 5º país em morte violentas de mulheres no mundo. Em relação as mulheres negras houve um aumento nos últimos anos que indica que 66% das mulheres mortas são negras. Somos a parcela mais vulnerável a essa violência, e também as maiores vítimas do aumento de 17% das mortes por armas fogo em casa. As políticas públicas aplicadas desde 2010 com a Lei Maria da Penha diminuíram os assassinatos de mulheres, mas não foram suficientes para impedir um crescimento entre os índices de mortes das mulheres negras.

Neste cenário o combate a aprovação do Pacote anti-povo e anti-preto, conhecido como “Pacote Anti-crime” do Ministro Moro e do presidente Bolsonaro, ganha centralidade na luta pelas nossas vidas. As medidas expressas nesse pacote visam legitimar ações de extermínio indiscriminado da população negra e também aumenta qualitativamente a prisão de jovens, homens e mulheres em situação de vulnerabilidade social.

Viemos de longe e somos sementes

Escrever sobre mulheres negras é reconstruir a história do nosso país. Falar de lutas de libertação referenciadas em Aqualtune, Dandara, Tereza de Benguela, Luiza Mahin, mas também falar de organização política e social a partir de Lélia Gonzales, Angela Davis e Marielle Franco é permitir que falemos de nossa potência enquanto protagonistas de nossas vidas. Toda representação que alçamos no último período só poderá ser vitoriosa de fato se for refletida na igualdade direitos na mudança dessa estrutura social marcada pela desigualdade racial. Não há vitória de posição individual que supere o avanço coletivo Há hoje no Brasil uma geração fruto de políticas de reparação e consciência de sua negritude. É uma geração que se apoia na cultura da resistência, na música, nos slams, nas poesias, livros, produção intelectual, cabelo, roupas, relações afetivas e etc. Devemos nos apoiar nesse sentimento de positividade do que é “ser negro” para destruir esse sistema econômico que se apoia no racismo para mais lucrar sobre nossos corpos.

Nesse 25 de julho, vamos novamente às ruas: mulheres quilombolas em busca do reconhecimento do direito a terra, movimentos de ocupação urbana, coletivos de mulheres negras, em unidade com movimentos sociais, sindicatos, DCEs, partidos políticos, vamos marchar pela vida e pelos direitos das mulheres negras.

Pelos nossos não queremos nem um minuto de silêncio, por isso, estamos nas ruas também para exigir “Justiça para Marielle e Anderson”. Ela se foi, mas sua luta segue em cada uma de nós, que compreendemos que nunca o racismo foi tão fatal nessa sociedade e que para enfrentá-lo não há alternativa fora da luta política e social . Marielle Presente! Hoje e sempre!