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Alerta vermelho, ofensiva total

Ricardo Stuckert

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

Tudo alcança quem não espera sentado
                                                                                             Sabedoria popular portuguesa

1. A honestidade é o cimento da confiança política. Ser de esquerda é abraçar uma esperança apaixonada de que é possível mudar o mundo, mas o otimismo não deve nos cegar. O realismo é condição da lucidez revolucionária. Chegou a hora do alerta vermelho. As últimas pesquisam indicam que Lula está na liderança com 49% contra 45%, mas, também, uma oscilação positiva de Bolsonaro. No limite da margem de erro, há um empate técnico. Ou seja, a imprevisibilidade reina. Cálculos de probabilidade feitos a partir de avaliação estatística confirmam um favoritismo ligeiro de Lula. Mas oito dias são uma eternidade na luta política. O que as pesquisas sugerem é que a disputa ainda está em aberto. Lula venceu o primeiro turno com 57 milhões de votos, é certo. Uma virada, embora improvável, não é impossível. Duas rejeições se chocam, e a de Bolsonaro – 51% a 46% – ainda é maior. Mas são 38% que aprovam o governo e somente 39% que o rejeitam. Seis terrenos de luta estão à nossa frente. Os seis dependem do comando da campanha e do próprio Lula: (a) tática política na sintonia fina; (b) ampliação de declaração de apoios; (c) caminhadas com Lula nas ruas com mobilização de massas; (d) intensidade de publicações nas redes sociais; (e) programas de impacto nas rádios e televisão; (f) desempenho de Lula no debate final. Tudo conta e muito. Mas o papel da militância é a variável que pode fazer a diferença. Militância consciente não precisa de excessos de ufanismo. A vitória de Lula não está garantida. É possível vencer, mas vai ser preciso lutar muito. Lutar contra o medo, com sanha, com ira, com fúria.

2. É preciso aprender com os erros. Se há uma lição estratégica que a experiência dos últimos dois anos nos deixou é que era melhor ter apostado na derrubada de Bolsonaro no ano passado. Em 2021, quando o choque da segunda onda da pandemia nos atingiu de forma catastrófica, com muitas semanas de milhares de mortes diárias, foi construída uma frente única de esquerda pela campanha Fora Bolsonaro. Lula não se engajou. Não participou de sequer um dos Atos. Ninguém pode afirmar que o destino da campanha teria sido outro se o tivesse feito, evidentemente. Contrafactuais são exercícios interessantes e inconclusivos. Mas é razoável afirmar que a ausência de Lula diminuiu a potência da campanha pelo impeachment de Bolsonaro. Essa decisão não esconde a aposta de medir forças no terreno eleitoral deste ano confiando no desgaste do governo depois da suspensão do auxílio emergencial. Foi uma decisão, dramaticamente, errada, porque subestimou a força do bolsonarismo. Faltou à direção do PT a coragem política de ser um instrumento de mobilização de massas disposto a tentar, seriamente, derrubar o governo. Acreditou que estas eleições seriam “normais”.

3. Eleições contra um fascista não seriam nunca “normais”. Os fascistas não respeitam nada. O bolsonarismo consolidou uma corrente político-ideológica de extrema-direita. A pesquisa do DataFolha identifica que 28% dos eleitores estão entrincheirados com os neofascistas. Eles agrupam a “massa” da burguesia, a pequena-burguesia proprietária, uma maioria da classe média em funções de gestão no setor privado e público, incidem em franjas da classe trabalhadora de renda média, além de setores populares organizados pelas igrejas neopentecostais. São eles que arrastam setores de massas “antipetistas” pela lavagem cerebral da LavaJato, e não o contrário. Não hesitaram em abrir as torneiras do governo federal que liberou o aumento de R$ 21 bilhões em repasses de dinheiro para eleitores que são beneficiários de programas sociais. Uma tentativa de manipulação pela “compra de votos”. Mas seu projeto é uma regressão dos direito sociais. Já foi sinalizado o congelamento do salário-mínimo e das aposentadorias do setor privado por tempo indefinido. Mas vai atingir, também, os aposentados do setor público. Não têm qualquer pudor em alimentar, descaradamente, um assédio patronal criminoso contra os trabalhadores, abusando do poder econômico. Fomentam campanhas diárias de fakenews de milícias digitais nas redes, exatamente, como em 2018: fechamento de igrejas, comunismo, banheiros unissex, drogas, aborto, Venezuela e Nicarágua, tudo que possa provocar um escândalo e instalar o terror Não fosse o bastante, se vitimizam diante da tentativa tardia do TSE de estabelecer limites, como arautos da “liberdade de expressão”. Nos últimos dias é impensável o que farão. Veremos o horror.

A gigantesca força de Lula repousa na identidade de classe. Uma maioria popular se emociona porque confia em Lula.

4. O bolsonarismo conquistou capilaridade social e nacional. Representa os ricos e acomodados. Os limites da campanha negativa de desmoralização da imagem pessoal de Bolsonaro já se revelaram. Não tem mágica, bruxedo, mandinga. Foi tentado um pouco de tudo. Maçonaria, satanismo, canibalismo e pedofilia. É verdade que foram usadas, essencialmente, declarações de Bolsonaro contra ele mesmo. Nada foi inventado, porque se trata de uma monstruosidade. Mas o desempenho nas pesquisas, mesmo depois do incrível “pintou um clima”, não diminuiu. O que confirma que há uma consolidação de apoio programático reacionário à extrema-direita. Não estamos mais em 2018. Dezenas de milhões pensam com a cabeça envenenada pelos fascistas. Infelizmente, o país está fraturado, social e regionalmente. Não se trata de um fenômeno brasileiro. Uma metade do país, concentrado no sul, centro-oeste, em parcelas do norte e, mais importante, do sudeste, deslocou para extrema-direita com força. O mais importante, é que, apesar de tudo, há uma maioria social contra eles, e podem ser derrotados.

5. A gigantesca força de Lula repousa na identidade de classe. Uma maioria popular se emociona porque confia em Lula. Há uma história de quarenta anos que atravessa duas gerações. Sem Lula, a esquerda brasileira não teria como disputar esta eleição em condições de vitória. As mobilizações do segundo turno são maiores que antes do primeiro. Nossa fraqueza se expressa na incontornável dificuldade de mobilização na ausência de Lula. Mas a vitória depende, também, do programa. Será necessário denunciar a ameaça fascista pelo que ela é: a vida de uma geração está ameaçada. Será necessário combater o perigo de aumento na taxa de abstenção garantindo transporte público gratuito. Mas, acima de tudo, é necessário incendiar uma vontade imbatível de vencer. Última semana é a hora de ofensiva total.

 

EDITORIAL
Eleição está indefinida: encher as ruas de gente e esperança para vencer!