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BRASIL

Na maioria dos casos, assédio eleitoral de patrões não é punido com multa

A menos de duas semanas da eleição, maioria das decisões ainda limita-se a exigir retratação e cessar o assédio

Gustavo Sixel, da redação
Reprodução/MPT

Empresa do Paraná obrigou funcionários a dirigir veículos com adesivos de Bolsonaro

Até o início desta semana, o total de denúncias de assédio eleitoral por empresários havia dado um salto, de 45 casos no primeiro turno para 334 casos no segundo turno, conforme o MPT (Ministério Público do Trabalho). O número total – 396 – já é maior que o registrado em toda a campanha eleitoral de 2018, quando o MPT recebeu 212 denúncias de assédio eleitoral. O estado campeão é Minas Gerais, com 70 casos.

O aumento do assédio – na quase absoluta maioria dos casos com pedido de voto em jair Bolsonaro – demonstra como empresários perderam completamente o pudor. “É uma normalização, quase banalização de uma prática que é ilícita. Existe a consciência de que é ilegal, mas há uma expectativa de impunidade ou de uma resposta que não seja ágil o suficiente para barrá-la”, diz Rafael Foresti Pego, procurador-chefe do MPT-RS, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo.

Empresários da Região Sul têm liderado a contagem do assédio contra funcionários. O Rio Grande do Sul contabilizava 56 casos até esta segunda-feira, 17, segundo o MPT, bem próximo de Santa Catarina, com 48. No dia seguinte, 18, o Paraná já contabilizava 64 casos.

Um dos casos mais graves ocorreu com a Concrevali (Concreto Vale do Ivaí), empresa do município de Jardim Alegre (PR), que divulgou um comunicado em suas redes sociais no dia 5 de outubro declarando, em 2023, demitiria ao menos 30% dos seus colaboradores caso Lula vencesse, criando uma situação de terror entre os seus empregados. A empresa chegou a excluir as publicações com esse conteúdo, após ser procurada pelo Ministério Público do Trabalho, mas, dias depois, em entrevista à rádio CBN, Paulo Sergio Maciel, sócio-proprietário da empresa, reafirmou seu conteúdo. “Eu não posso me omitir. Os clientes vieram em mim, ontem veio mais um (…) estão comunicando, cancelando negociações, futuros projetos, alguns em fase de contratação. Aconteceu, está acontecendo, e vai acontecer”, afirmou, insistindo em apresentar um cenário negativo, de perda de emprego, vinculado ao resultado do primeiro turno. A empresa diz que houve um “mal entendido”.

O MPT propôs em ação pública a assinatura de um TAC (Termo de Ajuste de Conduta) para cessar o assédio, recusado pela empresa, e multa de R$ 50 mil por dano moral coletivo, que foi negada pelo juiz. A decisão limitou-se a determinar que a Concrevali se abstenha de ameaçar, constranger ou orientar funcionários e fornecedores em relação ao voto no segundo turno, sob pena de multa em caso de descumprimento.

O caso é emblemático de uma postura que tem sido frequente, de buscar orientar e interromper o assédio, sem punições imediatas. Postura que termina por favorecer a impunidade.

Em Marechal Cândido Rondon (PR), a Copagril,  uma cooperativa criada nos anos 1970, foi denunciada após constranger os trabalhadores em uma reunião para que votassem em “determinado candidato nas eleições presidenciais”. A punição? Publicar uma nota de retratação e abster-se de repetir qualquer tidpo de coação. Uma decisão tímida, se considerar a dimensão da cooperativa que, em seu site, informa que possui 20 lojas, 5 supermercados, postos de gasolina, além da venda de peças e máquinas e de uma transportadora.

A postura estende-se pelo país. Em Nova Serrana (MG), um empresário do setor de calçados publicou vídeos em suas redes ameaçando demitir em massa caso Lula vença as eleições. Em João Pessoa (PB), um empresário enviou mensagens a fornecedores e funcionários pelo whasapp dizendo que não teria como cumprir seus compromissos em caso de “vitória da esquerda”. Também compartilha a mensagem com um grupo de empresários e lojistas, incentivando a que façam o mesmo, acrescentando que agiu daquela maneira para “assustar”. Nos dois casos, a decisão judicial limitou-se a ajuste de conduta e/ou retratação, sem multa.

Há exceções, pontuais. Na Bahia, uma ruralista foi obrigada a custear 230 inserções de rádio, com mensagens contra o assédio eleitoral. No Paraná, a Cerâmica Santa Inez, de Prudentópolis, recebeu multa de R$ 10 mil, que pagará de forma parcelada. E há a multa no caso que teve grande visibilidade, no Pará, onde o empresário Maurício Lopes Fernandes gravou vídeo ameaçando trabalhadores de demissão e oferecendo prêmio de R$ 200 para votarem em Bolsonaro. Ele foi punido em R$ 150 mil e cada funcionário será indenizado.

A multa mais alta solicitada até o momento é de R$ 10 milhões, na ação movida pelo MPT-RS contra a empresa Stara, por danos morais coletivos. A empresa, de grande porte, teria atuado de diversas formas: desde comunicado ameaçando demissão de 30% dos colaboradores até vídeo de um empresário do grupo, no dia 10, com discurso de 15 minutos a trabalhadores pedindo votos para Jair Bolsonaro (PL), e contra o “comunismo”. Gilson Lari Trennepohl, presidente do conselho de administração da Stara, está sob investigação do TSE por abuso de poder econômico nos desfiles de 7 de setembro em Brasília, de caráter golpista, e é o segundo maior doador da campanha do Bolsonaro, com R$ 350 mil.

Uma decisão sobre este caso de assédio serviria para intimidar os demais empresários e incentivaria os trabalhadores a revelar outros casos de assédio eleitoral, que não foram denunciados por falta de informação ou por medo de represálias. A continuidade de decisões pautadas em retratações apenas permitirá que um clima de terror se instaure nas empresas, favorecendo Bolsonaro.

 

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