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BRASIL

Está perdendo a graça: novas ameaças golpistas às vésperas da diplomação de Lula

Henrique Canary, de São Paulo (SP)
Ricardo Stuckert

Os memes rodaram a internet e muita gente se divertiu com o patriota do caminhão, com o alagamento dos acampamentos verde-amarelos e com o pedido de ajuda feito aos alienígenas em Porto Alegre. Mas na verdade, a coisa nunca foi engraçada e deveríamos estar preocupados. Alimentado por Bolsonaro, o golpismo segue vivo e está tendo novas iniciativas.

Lula será diplomado hoje (12) em Brasília, na sede do Tribunal Superior Eleitoral às 14 horas. O petista teve suas contas eleitorais aprovadas sem ressalvas e agora se dirige à penúltima etapa do início de sua presidência. A diplomação tem um papel simbólico, mas também legal e prático. Com ela, se encerra definitivamente o processo eleitoral e o eleito é reconhecido como apto para a posse. Ao mesmo tempo, a diplomação abre um prazo de 15 dias para as chamadas AIMEs (Ação de Impugnação de Mandato Eletivo), nas quais se investiga fraudes e abuso de poder econômico, o que pode levar, teoricamente, à cassação do mandato. No entanto, o julgamento desse tipo de ação pode levar meses e até anos, além de não impedir a posse do eleito. De qualquer forma, a dura resposta de Alexandre de Moraes à ação do PL que exigia a anulação de 59% das urnas do país deve inibir ações legais do partido de Valdemar Costa Neto ou de outros aliados de Bolsonaro. Ou seja, legalmente, tudo deve sair como planejado.

Na diplomação de Lula, estão previstos discursos do presidente eleito, de seu vice Geraldo Alckmin e do presidente do TSE ministro Alexandre de Moraes. A cerimônia, cujo prazo final estabelecido por lei é 19 de dezembro, foi antecipada em uma semana a pedido de Lula e sua equipe. O objetivo seria acalmar os ânimos dos futuros opositores, esvaziar o discurso golpista e melhor preparar a posse de 1º de janeiro.

No entanto, as coisas não serão tão fáceis e certa tensão ainda paira no ar. Os golpistas estão convocando atos de protestos nas imediações do TSE para esta segunda-feira. Apesar de serem um ataque ao processo democrático, a princípio, esses atos serão permitidos. A Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal anunciou apenas que reforçará o policiamento no local e controlorá o acesso. Como sempre, as estruturas policiais não querem se enfrentar com os golpistas, afinal, elas mesmas estão repletas de bolsonaristas.

Como dissemos mais acima, ainda que pequenos, os atos contra a diplomação de Lula deveriam preocupar. A iniciativa é apenas uma de uma série de ações que visam tumultuar a posse de Lula, e claro, seu governo. Lembremos que há algumas semanas o golpista Milton Baldin teve gravado e divulgado por toda a internet um discurso no qual incitava pessoas com porte legal de arma – os colecionadores, atiradores esportivos e caçadores (CACs) – para irem a Brasília para resistir à diplomação de Lula: “E queria também pedir aos CACs, os atiradores, que têm armas legais, hoje nós somos, inclusive eu, 900 mil atiradores, venham aqui mostrar presença”, disse na ocasião. Quem passeia pela internet sabe. Os grupos e páginas bolsonaristas estão bombando com chamados contra a diplomação e a posse de Lula. “Ladrão não sobe rampa”, “Exigimos intervenção das Forças Armadas” e outras palavras de ordem golpistas não páram de pipocar nas timelines.

Pois bem, o que já era preocupante ficou ainda pior nesta sexta-feira (09). Bolsonaro decidiu quebrar seu silêncio de 40 dias e fez um discurso a apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada. Como se não bastasse tudo que já fez, somente esse discurso deveria ser o suficiente para colocá-lo na prisão. Repleto de imagens cifradas que visam escapar de uma futura perseguição judicial, o discurso do derrotado busca em suma manter a mobilização golpista viva e o gado excitado em frente aos quarteis: “Tenho certeza que entre as minhas funções garantidas na Constituição é ser o chefe supremo das Forças Armadas. As Forças Armadas são essenciais em qualquer país do mundo. Sempre disse ao longo desses quatro anos que as Forças Armadas são o último obstáculo para o socialismo”. E ainda: “Quem decide o meu futuro, por onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vão as Forças Armadas são vocês. Quem decide para onde vai a Câmara e o Senado são vocês também”.

Ora, o que são essas palavras, senão novas ameaças golpistas, bem veladas, é verdade, mas ainda assim ameaças? Bolsonaro continua: “Se algo der errado, é porque eu perdi a minha liderança” e “Tudo dará certo no momento oportuno”.

O recado de Bolsonaro foi imediatamente entendido por seus seguidores. Hoje pela manhã, todos os sites com domínio ce.gov.br, pertencentes ao Governo do Estado do Ceará, foram hackeados e inundados com mensagens xenófobas e golpistas: “Pela anulação de votos de todo o povo do Nordeste!”, “Voto de nordestino não conta!”, “Pela intervenção militar no país”, “Morte a Lula!” foram os slogans publicados.

As instituições de Estado que deveriam proteger a democracia têm apostado no esvaziamento paulatino do movimento golpista. Querem ganhar a guerra sem enfrentar o inimigo. Isso pode parecer uma boa ideia a curto prazo, num momento em que o golpismo aparece como algo caricatural e inofensivo. Mas isso pode não ser assim em médio e longo prazo. Não enfrentar o golpismo é deixá-lo crescer, testar limites, angariar mais e mais apoiadores.

Bolsonaro não pretende impedir de fato a posse de Lula. O que ele quer é criar o caos, manter a tensão política e social. Para isso, bastam alguns fanáticos. Em alguns casos, pode bastar até mesmo um único fanático. O golpismo precisa ser enfrentado com perseguição judicial e cadeia. Não há nada que justifique que um país inteiro seja mantido refém por um perdedor inconformado. Só não entendeu quem não quis. O chamado ao golpe, o desafio à democracia está nas ruas e nas redes. O discurso de Bolsonaro feito em frente ao Palácio da Alvorada no dia 09 é a peça que faltava para seu indiciamento e prisão. Agora é preciso agir.