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BRASIL

Cinelândia lotada mostra o caminho para a campanha Lula

Ato mostra a importância de tomar as ruas para derrotar o fascismo. Bolsonarismo recorre a violência política, para tentar intimidar

da redação
Ricardo Stuckert

O movimento Vamos Juntos Pelo Brasil realizou um grande ato na Cinelândia, com algumas dezenas de milhares de pessoas, na noite desta quinta, 07, com Lula, Alckmin e Marcelo Freixo, pré-candidato ao governo estadual e representantes dos partidos (PT, PSB, PSOL, PCdoB, PV, Rede e Solidariedade). As imagens aéreas, feitas por drones ou de prédios próximos, mostram a dimensão do ato. “Eu tinha proposto fazer esse ato na Baixada. Mas agradeço a quem me convenceu do contrário. Tem gente pra cacete aqui!”, festejou Lula, acenando de volta para as centenas de pessoas que acompanhavam nas escadarias da Câmara, debaixo de uma grande faixa com os rostos de Dom Phillips e Bruno Pereira.

Anísio Borba/EOL

A Cinelândia contou com uma estrutura especial, inédita, de segurança, que dificulta até mesmo a contagem do público. Tapumes de metal foram colocados para proteger o ato, em uma grande área que ia dos fundos do palco até um pouco depois do restaurante Amarelinho. Além desta área, que permaneceu praticamente lotada, uma multidão permaneceu junto às grades de acesso, nas escadarias do Teatro Municipal e da Câmara, e na parte seguinte da Praça, onde foram colocadas barracas de partidos, movimentos sindicais e parlamentares. Muitas pessoas simplesmente desistiram de enfrentar o aperto para tentar entrar, e se reuniram em bares e restaurantes da região.

Foi o maior ato neste ano com a presença de Lula e mostra a força da pré-campanha e o apoio popular a uma pré-candidatura, capaz de derrotar Bolsonaro no primeiro turno. O clima geral do ato foi de festa e alegria. A todo momento, pessoas cantavam o jingle ou o nome de Lula. Depois de uma grande caminhada nas ruas de Salvador, que arrastou milhares no Dois de Julho, o ato no Rio indica a mobilização nas ruas e praças como o caminho para a campanha enfrentar e vencer o bolsonarismo. O próximo ato será em Diadema, neste sábado, 09, também em local aberto, na Praça da Moça, a partir das 10h, e deve reunir milhares de pessoas. O seguinte ocorrerá em Brasília, no dia 12, também com esquema de segurança, incluindo detectores de metal.

Violência política como forma de intimidação

Mesmo com o esquema de segurança, o ato foi marcado por um incidente grave. André Stefano Dimitriou Alves de Brito, de 55 anos, lançou uma bomba caseira por cima do tapume, atingindo algumas pessoas, e provocando correria. O artefato continha líquido com esgoto, com forte cheiro, e bombas, que explodiram em seguida, sem atingir ninguém. O agressor foi cercado e correu em direção a policiais, sendo preso. O ataque é parte da escalada de violência política do bolsonarismo nas eleições e vem na esteira de outros ataques na pré-campanha, como dejetos despejados por um drone em ato com Lula em Uberlândia (MG). O objetivo é intimidar a militância, criando clima de medo e temor entre os apoiadores, para que deixem de participar de atos de rua.

Um ato emocionante

Taliria, Tarcisio e Lula posam para foto, com os olhos marejados. foi saiu no jornal Le Monde

O atentado não afetou a força do ato, marcado pela emoção nos discursos, quase todas afirmando o amor contra o ódio. Lula se emocionou ao rever a sua trajetória, a infância marcada pela pobreza e a resiliência diante da fome. “Não foram poucas as vezes que minha mãe não tinha comida para colocar no fogo. Ela nunca perdia a esperança. E falava: ‘Hoje não tem, mas amanhã vai ter”. E essa crença… Essa crença me formou’, disse, emocionado. “Eu sei de onde eu vim. E eu sei pra onde eu vou”, afirmou, apresentando sua história como exemplo de ruptura com a “mentalidade escravista” do país. “Eu tenho que sentir o pulsar do povo pobre”, afirmou, criticando Bolsonaro pelo aumento da fome e da inflação. “Ele não investiu nada. Só vender vender, vender.. Vendeu a BR (distribuidora) e agora estamos pagando a conta no preço dos combustíveis”, criticou.

Dialogando com o público religioso, afirmou que Bolsonaro “enganou muita gente” e que “ele nem acredita em Deus. Olha para a cara dele. Ele não acredita. Um cara que coloca o filho pra ser candidato a vereador contra a própria mãe, como é que pode acreditar? Um cara que causa o mal que tá causando? um cara que não soltou uma lágrima sequer pelas quase 700 mil vidas perdidas na covid? Um cara que vai andar de jet ski lá em Santa Catarina ou fazer motociata lá não sei aonde?”

Em um dos pontos altos do seu discurso, Lula criticou o uso do sigilo após denúncias de corrupção. “Ele decreta sigilo pra tudo. Ah, quer apurar o caixa dois do filho dele? Sigilo de 100 anos. Quer apurar o Pazuello, um ministro que não entendia nada de Saúde? Decreta sigilo de 100 anos. Quer apurar o ex-ministro da Educação? Sigilo de 100 anos… Podem anotar: Eu vou quebrar esse sigilo de 100 anos!!”, prometeu, sob aplausos do público, que respondeu com um grande coro de “Ei Bolsonaro vai tomar no c.”. 

Freixo antecedeu Lula, e seu discurso citou a infância pobre do ex-presidente para criticar a crise atual. “O Rio tem 3 milhões de pessoas passando fome hoje. Nós precisamos dar dignidade às pessoas. Acabar com a fome, dar dignidade a quem viaja nos trens da SuperVia… Precisamos reconstruir o Rio”, defendeu. Ele usou os times de futebol para defender a tolerância e o respeito às diferenças, defendeu o livro em lugar das armas, e a cultura. “O Rio tem samba, tem cultura, não precisamos de Bolsonaro”. Ele recordou o comício de Lula na Cinelândia em 1989. “Lembro que estava ali embaixo, eu e meu irmão, com os olhos brilhando”, disse, se emocionando ao lembrar do irmão, que morreu assassinado. “Mais de 30 anos depois eu estou aqui em cima, Lula, com os olhos brilhando”, afirmou.

A luta de Freixo contra as milícias foi destacada em várias falas. Na de abertura, com o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), e principalmente por Juliano Medeiros, presidente nacional do PSOL. “Quero fazer uma saudação a Lula mas em especial ao Freixo. A pessoa que mais enfrentou as milícias no Rio de Janeiro. Estamos juntos!”. Juliano destacou a importância de derrotar Bolsonaro, lembrou que o projeto era ter derrotado nas ruas, mas que o governo comprou o Congresso, bloqueando o impeachment, e destacou a unidade das esquerdas em torno de Lula e o apoio do PSOL. Ele fez ainda uma referência especial ao PSOL do Rio de Janeiro, que teria tido um papel “fundamental para a síntese que levou ao apoio a Lula no primeiro turno”. O PSOL esteve representado com várias lideranças, como a deputada federal Talíria Petrone, que discursou no início do ato e resgatou a memória de Marielle Franco, do vereador Tarcísio Motta, de todos os parlamentares e pré-candidaturas da legenda, como a Coletiva Feminista.

Ausência de alertas ao golpismo e disputa ao Senado

 O ato praticamente não contou com falas sobre o avanço das ameaças golpistas e questionamentos de Bolsonaro e de militares ao processo eleitoral. No máximo, referências tímidas, como a de Alckmin. “Bozo está com medo da urna porque tem medo do voto do povo”, afirmou. Predominou o discurso “do amor contra o ódio”, que deveria vir acompanhado da necessária denúncia e combate ao golpismo, ameaça que vem crescendo na medida em que a eleição se aproxima. Uma ausência importante, que precisa ser corrigida nos discursos e na agitação da campanha.

Outro aspecto negativo, mais evidente, foi a disputa pela vaga ao Senado. Dias antes, Marcelo Freixo assumiu a defesa da candidatura apresentada pelo PT ao Senado, do presidente da Assembleia Legislativa, André Ceciliano, e, com isso, a retirada da candidatura de Alessandro Molon (PSB), nome que vinha defendendo. A definição de Freixo ficou evidente no ato. Molon discursou, mas não dividiu o palco com Ceciliano, que posou diversas vezes abraçado a Freixo e Lula e alfinetou Molon em sua fala, sem citá-lo, por ter abandonado o partido. A disputa se estendeu ao público, em uma guerra surda de adesivos. A definição por Ceciliano foi retribuída por Lula com a defesa contundente de sua candidatura. “Meu candidato é o Freixo. Não tenho nada contra as outras, mas quero dizer para quem for votar em mim no Rio de Janeiro, quero pedir pra votar no Freixo”, afirmou.