Na última segunda-feira (08) foram ajuizadas, pelo Ministério Público do Trabalho de São Paulo (MPT-SP), quatro ações civis públicas contra as multinacionais Uber, Rappi, 99 e Lalamove. Acusadas de diversas fraudes trabalhistas, o MPT-SP exige que essas empresas registrem, o mais rápido possível, todos os seus motoristas na carteira de trabalho, formalizando vínculo empregatício; caso contrário, as empresas devem pagar multa de R$ 10 mil por cada trabalhador/a em situação irregular. Além disso, os procuradores Eliane Lucina, Tatiana Simonetti, Rodrigo de Castilho e Renan Kalil, articulados à Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho (CONAFRET), reivindicam que as respectivas plataformas paguem indenização por dano moral coletivo, o que seria o equivalente a 1% do faturamento bruto de cada uma dessas empresas.
A decisão do MPT-SP ainda se desdobrará em denúncias que precisarão ser acatadas nas instâncias da Justiça do Trabalho, e uma forte pressão é necessária para que seja adotado um posicionamento favorável aos trabalhadores. Contudo, a acusação desde já desmascara o famoso slogan publicitário da Uber “seja o seu próprio chefe”, e vem na esteira do processo de auto-organização entre motoristas e entregadores cadastrados nas grandes plataformas do mercado, bem como de sua luta coletiva enquanto classe trabalhadora, que adota como método de enfrentamento às plataformas não apenas mecanismos no âmbito jurídico; mas também a paralisação, a greve, os protestos de rua.
Com pauta de reivindicação apresentando as suas demandas específicas de grupo, e métodos de classe, como a greve, a luta de entregadores e motoristas no Brasil notadamente se intensificou durante a pandemia e sob o governo de Jair Bolsonaro. Ainda no mês passado, entregadores da plataforma iFood impulsionaram uma greve radicalizada em Jundiaí/SP que durou quase uma semana e repercutiu nacionalmente. Nos últimos dias, motoristas de diferentes plataformas bloquearam a rodovia BR-153, entre Goiânia/GO e Aparecida de Goiânia/GO, queimando pneus em protesto contra o aumento do preço da gasolina; e há incontáveis lutas de motoristas e entregadores eclodindo a cada mês em dezenas de cidades brasileiras.
É importante resgatarmos que, em julho de 2020, aconteceu a primeira paralisação nacional de entregadores no Brasil, conhecida como Breque dos Apps. Na ocasião, além de exigirem condições dignas de trabalho e garantia de EPIs durante a pandemia, bem como o fim do sistema de pontuação e dos bloqueios injustificados, se configurou também uma batalha ideológica, de grande circulação midiática, protagonizada por uma parcela de entregadores das plataformas de delivery. Essa parcela atuou como vanguarda da classe na disputa pelo contraponto discursivo à ideologia neoliberal do “empreendedor de si”, se reivindicando como parte da classe trabalhadora.
Apesar da ofensiva cada vez maior das plataformas do mercado, incluindo a intensa campanha ideológica neoliberal que estimula a competitividade individual entre os seus trabalhadores, o que se vê é justamente um movimento que caminha no sentido oposto a isso, por parte de motoristas e entregadores. Mesmo que repleto de contradições, e destacadamente embrionário, já podemos verificar que esse movimento aponta para uma direção que percorre o caminho das distintas solidariedades de classe, de auto-organização para ação e lutas coletivas. As jornadas extenuantes de trabalho, de domingo a domingo, para não comprometer a pontuação e atingir metas, não são um limite para a unidade entre os entregadores e sua auto-organização – que ainda é incipiente – mas já representa uma significativa demonstração de força coletiva, com lutas explosivas e potencial de choque na luta de classes brasileira.
É fato que a ofensiva burguesa e neoliberal para fragmentar e desarticular a classe trabalhadora organizada foi, e está sendo, gigantesca. E de uma perspectiva conjuntural, ainda não nos recuperamos das sucessivas derrotas sofridas nos últimos anos. Esse é um dado da realidade que não pode ser subestimado. Contudo, apesar de toda a adversidade, hoje os trabalhadores das plataformas – que representam um setor da classe muito expressivo numericamente – vêm nos dando uma aula de consciência de classe, demonstrando para a sociedade brasileira o seu potencial de resistência e de organização para ação coletiva.
Não apenas no Brasil, mas em vários países do mundo, motoristas e entregadores das plataformas multinacionais nos ensinam talvez a maior lição desses tempos difíceis que atravessamos: que “nenhum trabalhador é inorganizável”, conforme argumenta Jamie Woodcock. A acelerada tentativa de desmonte das relações trabalhistas, as grandes plataformas absorvendo milhões de desempregados, ao mesmo tempo que propagam ideologias mentirosas como “Seja o seu Próprio Chefe”, cujo objetivo é apenas esconder uma extensa lista de fraudes trabalhistas, tudo isso não foi impeditivo para barrar a articulação de grupo, a formação de redes entre motoristas e entregadores que resistem e lutam coletivamente por direitos e dignidade.
Os sindicatos e partidos de esquerda precisam construir unidades orgânicas com os trabalhadores das plataformas, demonstrando solidariedade ativa e criando mecanismos que ajudem a dar voz para esses trabalhadores. Uma eventual vitória desse segmento da classe sobre as plataformas do mercado, obtendo o vínculo empregatício registrado na carteira de trabalho, precisa ser encarada como uma vitória de toda a classe trabalhadora contra o neoliberalismo predatório. Sabemos, sim, que essa luta não será fácil, e há um longo caminho a percorrer. Mas, uma parcela expressiva de motoristas e entregadores já está consciente dos primeiros ecos de sua resistência e organização. Pelas palavras de Lívio, o Uber de Esquerda:
Mais do que nunca é hora de aumentar a pressão e exercitar a verdadeira solidariedade de classe. Bora pra cima!
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