É possível derrubar a extrema-direita do governo antes de 2022. Este é o recado das centenas de milhares de pessoas que tomaram as ruas no último dia 19 de junho em todo o Brasil, data que marcou a 2ª grande manifestação pelo “Fora Bolsonaro” este ano. Em uma conjuntura favorável à oposição, devemos construir um forte calendário de lutas no mês de julho para ampliar ainda mais a força da mobilização popular.
Neste texto, nós do Afronte queremos discutir o balanço do 19J e as tarefas colocadas para a esquerda brasileira no próximo período, considerando também as importantes disputas políticas em curso.
Um balanço do 19J
O 19J superou o 29M em vários aspectos: foi maior em número de manifestantes (cerca de 750 mil), de cidades (mais de 400), incluindo o exterior, e em quantidade de organizações que construíram o ato. Um importante exemplo dessa expansão foi a incorporação em bloco das Centrais Sindicais, uma vez que elas tiveram uma participação bem desigual no 29M. A juventude segue tendo importante peso no processo, que é bastante diverso e reúne manifestantes de diferentes categorias de trabalhadores, do movimento indígena, movimento negro, feminista, LGBTQIA+ e outros movimentos sociais e populares. Essa ampla unidade demonstra a força que a mobilização acumulou até agora.
A potência do 19J, a sua capacidade de interiorização e engajamento de amplos setores é um resultado do grave contexto da crise e da pandemia no Brasil. Esse é um dos motivos que explica o crescimento considerável do desgaste do governo nos últimos meses, como uma consequência da sua política genocida e negacionista, que não foi capaz de salvar vidas nem empregos. Combina-se à condução genocida da pandemia uma agenda de enormes retrocessos para a maioria do povo, a começar pelo insuficiente auxílio emergencial, mas também a privatização de estatais, ataques ao funcionalismo público, retrocessos ambientais e ataques aos povos originários.
Mas além disso, para explicar o sucesso do 19J (e do 29M) também é necessário considerar o papel central desempenhado pela frente única, que hoje está materializada na “Campanha Nacional Fora Bolsonaro”, organização composta pelas Frente Povo Sem Medo, Frente Brasil Popular, Coalizão Negra por Direitos, APIB, UNE e outras centenas de organizações, entre centrais sindicais, movimentos de juventude e partidos de esquerda. É impossível explicar a força e a capilaridade do 19J sem este fator. A unidade da esquerda, dos movimentos sociais, da juventude e das organizações da classe trabalhadora foi fundamental para ampliar o nosso alcance, a nossa audiência e também para encorajar os mais variados setores a tomarem as ruas, apesar da pandemia.
Outro elemento importante no balanço do 19J foi a correção na linha adotada pelo PT e pela CUT, que revisaram a sua política vacilante no 29M, quando, apesar de terem convocado formalmente a data, atuaram contra a realização de manifestações em alguns estados e cidades. Desta vez, além da convocação formal, as duas organizações participaram com maior engajamento. É o mínimo que se deve esperar das maiores organizações da classe trabalhadora brasileira em um momento dramático como o que estamos atravessando. Ainda assim, a estratégia do PT, ao que tudo indica, segue privilegiando o desgaste do governo Bolsonaro com o objetivo de enfrentá-lo em melhores condições nas eleições do ano que vem.
A construção das lutas de julho e as polêmicas no interior da Campanha Nacional Fora Bolsonaro
No dia 22 de junho, poucos dias após a realização do vitorioso 19J, a “Campanha Nacional Fora Bolsonaro” chamou uma primeira reunião para discutir um balanço e os próximos passos da mobilização. Todos os setores, com exceção da CUT, afirmaram logo de início a necessidade de sair dali com a definição de um dia unitário para a realização da nova mobilização nacional.
Nós do Afronte, como parte da Frente Povo Sem Medo, defendemos a necessidade de uma data mais próxima ao 19J e por isso apresentamos os dias 10 e 17 de julho como opções. Em nossa avaliação, o novo dia deveria ser construído com tempo suficiente para ampliar a construção da luta, mas sem ficar muito distante, uma vez que isso poderia atrapalhar o fôlego da mobilização.
Mas a nossa proposta foi derrotada. A maior parte das organizações presentes decidiu pelo dia 24 de julho. Para nós, a data não era a melhor, mas o fundamental era sair daquele espaço com um dia unificado e com o objetivo de expressar a força de milhões nas ruas, superando em quantidade e qualidade o que conseguimos acumular no 29M e no 19J. Uma vez definida a data, a nossa posição foi de construí-la, iniciando desde ali uma ampla divulgação. Em relação ao calendário de preparação do 24J, ele foi definido no último dia 01 de julho, em plenária organizada pela campanha.
O escândalo da Covaxin coloca o Impeachment na ordem do dia e antecipa a convocação dos atos
Nesse intervalo de tempo, a CPI da pandemia impactou de maneira decisiva a situação política com as novas revelações da sessão do dia 25/06. Nela, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e seu irmão, Luís Ricardo Miranda, servidor concursado do Ministério da Saúde, denunciaram as diversas irregularidades no processo de compra da vacina indiana Covaxin (preço, validade, comissão, etc). Luis Ricardo verificou indícios de fraude e superfaturamento nas primeiras três notas fiscais relativas à compra das doses que estavam sendo mediadas pela empresa brasileira Precisa Medicamentos. O servidor e o deputado teriam alertado Bolsonaro do esquema de fraude no dia 20 de março deste ano e o presidente, na conversa, teria atribuído o esquema ao líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros. Além disso, Bolsonaro não levou adiante o tema.
A pressão atípica do governo e a fraude na compra de uma vacina mais cara, com validade curta e recusada por muitos países demonstra o projeto de corrupção e morte do governo Bolsonaro, que recusou durante meses outros pedidos e contatos para a compra de uma vacina com eficácia mundialmente reconhecida e vendida ao nosso país a um preço menor. Graças a demora no plano de vacinação, o Brasil alcançou a marca de 511 mil mortes, das quais ao menos 95 mil poderiam ter sido evitadas, não fosse a negligência do governo.
Se comprovado, o esquema da Covaxin pode ser um dos maiores escândalos de corrupção do país em meio a pandemia. O caso coloca na ordem do dia a necessidade do Impeachment de Bolsonaro e fortalece a pressão pela abertura do processo por Arthur Lira, presidente da Câmara. Bolsonaro pode ter cometido pelo menos três crimes ao não comunicar à Polícia Federal as suspeitas de corrupção na compra da Covaxin.
Diante desses novos acontecimentos, a Campanha Nacional Fora Bolsonaro se reuniu de forma emergencial no dia 26 de junho para discutir os novos aspectos da conjuntura e as respostas do movimento. A campanha aprovou o fortalecimento da entrega do “super pedido” de Impeachment, protocolado na última quarta-feira (30/06), que incluiu a denúncia de responsabilidade de Bolsonaro sobre as mortes na pandemia e também a denúncia de corrupção na compra da vacina Covaxin. Vale destacar também que o “super pedido” envolve, além dos partidos e organizações da esquerda, também partidos como o Cidadania, a Rede e parlamentares de direita como Joice Hasselman, Alexandre Frota e Kim Kataguiri. Este pedido foi realizado junto a um ato do lado de fora do Congresso Nacional.
A outra importante decisão tomada pela Campanha Nacional em sua reunião do dia 26/06 foi a correção da linha anteriormente adotada pelas direções majoritárias que compõem o espaço. Diante do escândalo da Covaxin, ficou ainda mais evidente que uma única mobilização, somente no dia 24 de julho, era pouco. Desta maneira, a Campanha definiu de maneira consensual a convocação de um novo ato para o próximo dia 03 de julho.
Enxergamos de forma positiva esse movimento da Campanha Fora Bolsonaro, porque ela soube responder à urgência exigida pelos novos fatos da política nacional, corrigindo uma linha equivocada que havia sido definida na última reunião e que também permitiu a preservação da unidade do movimento, um fator indispensável para a nossa luta contra o governo.
Lutar pela massificação do movimento e seguir enfrentando o oportunismo e o divisionismo
A luta pela derrubada de Bolsonaro antes de 2022 não é somente uma necessidade, mas também uma possibilidade concreta pela qual devemos lutar. A combinação dos maiores índices de rejeição ao governo, os efeitos da péssima gestão da pandemia, o escândalo da Covaxin e a existência de uma jornada de mobilizações dirigidas pela esquerda são evidências disso. Entretanto, para dar consequência a essa estratégia, nós do Afronte entendemos que é necessário não somente jogar todos os esforços na construção de um forte calendário de lutas no mês de julho e além dele, mas também travar alguns debates que hoje atravessam o movimento.
Em primeiro lugar, precisamos seguir exigindo das maiores organizações da esquerda brasileira, o PT e a CUT, e especialmente da maior liderança popular do país, Lula, que tenham responsabilidade histórica e lutem efetivamente para interromper o mandato de Jair Bolsonaro. O PT e a CUT estão convocando formalmente os atos unificados, mas não podem seguir atuando com uma linha dupla no movimento, que privilegia a tática do desgaste até as eleições do ano que vem em detrimento de uma agenda de mobilização que pressione para agora a abertura do Impeachment no Congresso Nacional. A decisão dessas duas organizações, logo após o 19J, de jogar a nova data somente para o final do mês seguinte é uma nítida demonstração disso, que não pode se repetir nos próximos meses.
Além disso, também precisamos exigir que Lula seja coerente com as mobilizações e o Impeachment. Não é possível que a maior liderança da esquerda brasileira fique acomodada nas redes sociais comentando os atos sem se empenhar na sua convocatória. Mais grave ainda é a omissão do ex-presidente na assinatura do “super pedido” de Impeachment protocolado essa semana, ao qual o ele fez referência somente através de posts nas redes sociais. Lula pode e deve ajudar a luta pela interrupção de Bolsonaro.
Mas o enfrentamento ao oportunismo, que quer deixar Bolsonaro sangrar até o ano que vem, não pode prescindir também de um enfrentamento às posições que subestimam o governo de extrema-direita e que têm atuado para dividir o movimento. E esse é o papel negativo que tem cumprido a articulação “Povo na Rua” em nossa avaliação.
Esse setor tem combatido a Campanha Nacional Fora Bolsonaro em várias oportunidades, com denúncias públicas e questionamento à sua legitimidade. Ao invés de canalizar as suas disputas por dentro da frente única, a “Povo na Rua” segue tentando construir convocatórias de manifestações por fora dela, com o objetivo de tomar para si o protagonismo e a direção do processo. Preferem até mesmo assumir o risco de que a luta fuja do controle da unidade da esquerda, com dispersão de atos sem direção ou programa nítidos. A sua aposta, portanto, privilegia o “espontaneísmo” do movimento e convocações unilaterais em detrimento da ação consciente da frente única, representada pela unidade de centenas de organizações legitimadas e reconhecidas da classe trabalhadora e da esquerda brasileira. É como se a derrubada de Bolsonaro dependesse meramente da disposição da esquerda (e nem precisa ser a maioria dela) em convocar o povo às ruas, não importando o esforço prévio para construção dessas iniciativas nem se elas acontecem ou não no marco de uma ampla unidade.
É preciso enfrentar qualquer tentativa de derrotar a frente única, porque ela é o instrumento mais importante que acumulamos até agora, não somente para resistir, mas também para preparar as condições de uma ofensiva. A aposta em ações unilaterais, construídas à revelia da maioria das organizações da esquerda e da classe trabalhadora, expressa uma visão idealizada da realidade, que subestima a extrema-direita e contribui para que parte da vanguarda se afaste da tarefa de seguir disputando amplos setores de massa, que apesar de descontentes com o governo ainda não tomaram as ruas para derrubá-lo. O convencimento deste setor será mais fácil à medida que os atos expressem força e unidade, não dispersão ou ultimatos.
A importância do “super pedido” de Impeachment, da frente única e da unidade de ação
Há um outro debate importante, que ganhou força na última semana, referente à adesão de setores da direita à luta pelo Fora Bolsonaro. É o caso de Joice Hasselman, Alexandre Frota e Kim Kataguiri, que assinaram o “super pedido” de Impeachment e também do PSDB, que anunciou a sua participação nos atos.
Antes de entrar propriamente no tema, nós queremos destacar que, sem dúvida, não teríamos chegado até aqui, com esse acúmulo de forças em nossa mobilização, sem a defesa explícita das pautas sensíveis aos explorados e oprimidos, como auxílio emergencial, e sem combater as privatizações, o genocídio do povo negro, o PL 490, os cortes na educação, a EC do teto de gastos, a reforma administrativa, ou seja, sem enfrentar toda a agenda neoliberal e reacionária encarnada por Bolsonaro e Guedes. É esse conjunto de reivindicações, que expressa o programa da frente única, o responsável por preencher de conteúdo a palavra-de-ordem “fora Bolsonaro” e conquistar o apoio da maioria do povo.
Nesse sentido, em que pese a necessidade da flexibilidade tática, não podemos aceitar qualquer tentativa de rendição da esquerda, que poderia ser representada por uma pressão de abaixarmos as nossas bandeiras nas próximas manifestações.
Dito isso, entendemos e defendemos a importância da unidade pontual com quem quer seja para derrubar um presidente neofascista. Trata-se da aplicação da tática da unidade de ação, amplamente utilizada ao longo da história, onde organizações antagônicas atacam juntas, em determinadas condições, para golpear um inimigo em comum.
Acreditamos que diante das condições colocadas e com o protagonismo exercido pela Campanha Nacional Fora Bolsonaro é possível lutar pontualmente com esses setores sem colocar em risco a direção de esquerda do processo.
Rumo ao julho de lutas: construir o 03J, o 24J e um forte calendário de mobilização
O mês de julho pode ser chave para fazer avançar a luta pelo fora Bolsonaro. O ato do próximo dia 03 deve ter muita força, ainda mais depois dos acontecimentos revelados pela CPI da pandemia nas últimas semanas. Nesse sentido, a agitação do Impeachment ganha ainda mais centralidade no próximo período, uma vez que é o recurso mais imediato para derrotar Bolsonaro e golpear fortemente a extrema-direita. A defesa do Impeachment, evidentemente, não pressupõe qualquer conivência com Mourão, que também precisa ser denunciado e combatido. Como já escrevemos em outras oportunidades, o Afronte entende que a luta contra a extrema-direita e os golpistas seguirá sendo uma importante batalha nos próximos anos. Mas não podemos vacilar diante da chance concreta de interromper a política genocida de Bolsonaro desde agora. O contrário disso é comentar a realidade e não enfrentá-la com política, da maneira como ela se apresenta, cheia de contradições.
Além da centralidade política do Impeachment, devemos construir no mês de julho um forte calendário de agitação, panfletagem e devemos prosseguir com as campanhas de solidariedade. O crescimento do repúdio a Bolsonaro na maioria do povo brasileiro tem aumentado e precisamos dialogar com cada pessoa sobre a necessidade de traduzir esse rechaço em mobilização concreta, porque essa é a única alternativa para reconstruir um Brasil para a maioria.
Devemos trabalhar para que o 24J seja uma data não de centenas de milhares, como os últimos 29M e 19J, mas sim de milhões e milhões nas ruas pela derrubada do governo. É o momento de trazer ainda mais gente, convencer aqueles e aquelas que ainda têm dúvidas sobre a urgência do momento que atravessamos.
E combinado às ações de panfletagem e de mobilização de rua, devemos também trabalhar junto às organizações da classe trabalhadora a importância de se avançar para outras táticas como a paralisação e a greve geral, combinando as demandas específicas à luta política geral pelo fora Bolsonaro. Devemos nos empenhar para, no marco da ampla unidade, utilizar todos os recursos possíveis para interromper o governo.
Por fim, é importante destacar que o final do calendário de mobilizações de julho ficará marcado não somente pelo 24J, mas também pelo 25 de julho, dia da mulher negra latino-americana e caribenha, uma data histórica construída pelo movimento negro e que deve trazer para o centro do debate político a importância das mulheres negras, que mais uma vez estiveram na vanguarda da história do nosso país, dessa vez através do enfrentamento à pandemia e seus responsáveis.
Com unidade e força podemos avançar e vencer.
Fora Bolsonaro! Impeachment já!
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