Em meio à crise sanitária, econômica e social, a população soteropolitana iniciou essa semana com mais uma despesa: o aumento da tarifa de ônibus de R$ 4,20 para R$ 4,40. Seguindo a cartilha de ACM Neto (DEM), o prefeito Bruno Reis (DEM) anunciou a medida na noite da última sexta-feira (23). Salvador, antes mesmo do novo aumento, já tinha a passagem de ônibus mais cara do Nordeste e estava entre as dez maiores tarifas do Brasil. O aumento foi de quase 5%, percentual maior do que o da própria inflação oficial, que tem corroído o salário e as condições de vida do nosso povo.
A prática de aumentos abusivos e injustificados é uma política implementada pela gestão do DEM na capital baiana ano após ano.Toda vez é o mesmo roteiro. A prefeitura, em parceria com o sindicato dos empresários (SETPS), decide aumentar a tarifa utilizando estudos técnicos de responsabilidade da Agência Reguladora e Fiscalizadora dos Serviços Públicos de Salvador (Arsal), órgão criado na gestão do Democratas e controlado pela própria prefeitura. Em geral, não ocorre debate na Câmara Municipal e o executivo não cumpre os trâmites legais mínimos estabelecidos na Lei Orgânica do Município, como o envio das planilhas de custos antes de decretar o aumento da tarifa. Dessa vez, a história se repete.
Desde 2015 o sistema de transporte coletivo urbano de Salvador é operado por três consórcios, que reúnem 17 empresas. Quem anda de transporte coletivo em Salvador sabe que, mesmo cobrando caro, o serviço é dos piores. É um transtorno diário a demora, superlotação e precariedade da frota. A maioria dos soteropolitanos depende de ônibus, contudo o debate sobre a gestão do transporte público é sempre decidida por uma minoria de empresários e gestores que nunca dependeu de ônibus para se locomover. Não há sequer respostas contundentes sobre o porquê aumentar a tarifa em uma porcentagem maior do que a da própria inflação.
O secretário de Mobilidade Urbana explicou o aumento da tarifa por “uma questão contratual”. O que ele não explicou, e nunca explica, é quais são os termos do contrato. Como o cálculo do custo do transporte de ônibus é feito? A verdade é que há muita falta de transparência no debate e nas decisões sobre transporte público. A “caixa-preta” das planilhas de custos das empresas, que trata da prestação de contas da gestão dos transportes, nunca é aberta. O fato do prefeito Bruno Reis não ter cumprido o trâmite legal mínimo do envio das planilhas é mais um reflexo disso. Mas também diz muito sobre como a direita governa Salvador, operando a lógica dos “donos da cidade” e fazendo uma política de “compadres” com os empresários do ramo.
A forma de organização das empresas de ônibus é bastante conhecida em nosso país. Constituem uma verdadeira máfia, atuando junto às Câmaras Municipais, aos setores da máquina administrativa das prefeituras que se deixam corromper e ao próprio executivo central. Não à toa, auditorias e CPIs de Transportes já escancararam diversos esquemas de corrupção e irregularidades contratuais em muitas cidades. Na capital mais antiga do Brasil, nunca aconteceu nenhum tipo de investigação dessa natureza. Antes de afirmar no abstrato que “as empresas estão com prejuízo” e prometer ônibus com ar condicionado, que diga-se de passagem só circulam na orla, a Prefeitura de Salvador precisa dizer como o dinheiro é gerido.
O aumento de 20 centavos na tarifa do povo soteropolitano vem em um contexto de alto índice de desemprego, aumento da fome e redução do auxílio emergencial. O serviço, que já era ruim, ficou ainda pior com a pandemia. No ano passado, a prefeitura suspendeu o programa de meia passagem aos domingos. Medidas empresariais como redução da frota em circulação e diminuição dos horários também ocorreram, contribuindo para mais aglomeração nos veículos. Se a gestão do DEM se importasse realmente em governar para maioria dos (as) trabalhadores (as), ao invés de governar para uma minoria de empresários, teria poupado a população desse aumento.
Esse era o momento dos gestores municipais estarem debatendo como garantir transporte para quem já está sofrendo. Era o momento de, por exemplo, debater passe-livre para estudantes e desempregados. De investir em um estudo sério e independente sobre a realidade concreta do serviço oferecido para a população, identificando os problemas de superlotação, atrasos, sujeira nos ônibus e os custos reais do transporte coletivo. O bloco de oposição de esquerda da Câmara Municipal, composto por PT, PCdoB, PSOL e PSB, tem o enorme desafio de encarar de frente esses temas. É preciso que a bancada atue de maneira enérgica na cobrança de transparência sobre a gestão do transporte público municipal e explicações sobre esse aumento. É preciso dar um basta a forma como a direita, herdeira do coronelismo, governa a Bahia: “de costas” para a maioria, fazendo o que bem entende e tratando direitos como favores.
O debate sobre mobilidade urbana precisa ser democratizado com quem vive e entende a realidade do “buzu”, ou seja, a maioria da população, os 99% de trabalhadores. É preciso inverter a lógica. O objetivo do lucro privado deve ser substituído pelo atendimento das necessidades sociais das pessoas porque o direito de ir e vir não pode ser mercadoria.
*Priscila Costa é comunicadora popular, ativista do Afronte BA e do Setorial de Mulheres do PSOL.
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