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BRASIL

Mais ricos aumentaram fortunas durante a pandemia, enquanto fome assola 20 milhões de pessoas

Relatórios apontam que COVID-19 foi acompanhada de crescimento vertiginoso tanto da fome quanto da fortuna dos mais ricos, em pandemia de desigualdade

Rafael Rabelo*, de Fortaleza, CE
Jorge Araujo / Fotos Públicas

População de rua em São Paulo (SP)

Além das vidas perdidas, 13 meses de pandemia fizeram explodir dois graves problemas presentes historicamente na sociedade brasileira: a insegurança alimentar e a gritante concentração de renda. A maioria da população brasileira encontra-se hoje em situação de insegurança alimentar, ou seja, sem acesso garantido a recursos que garantam alimentos suficientes para atender suas necessidades. Ao mesmo tempo, a concentração de renda aumentou, e as maiores fortunas do Brasil cresceram em quase R$ 50 bilhões.

Recentemente lançado, o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de COVID-19 no Brasil, da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), mostra um crescente índice deste indicador, que se tornou epidêmico no último ano. De acordo com o inquérito, em 2013 cerca de 23% dos brasileiros viviam sob essa condição. Em 2018, este número havia subido para 36,7% e apenas no ano de 2020 explodiu para um patamar de 55,2%. Destes, 9% estão em Insegurança Alimentar Grave, também conhecida como situação de fome. Este número equivale a 19,1 milhões de brasileiras e brasileiros.

Os números poderiam parecer compreensíveis e até fazer coro com o discurso neofascista levando em consideração as restrições econômicas causadas pela pandemia, uma vez que vêm acompanhados de dados que demonstram índices de desemprego e subemprego cada vez mais elevados, bem como um crescente processo de “uberização” do trabalho, o que conforma categorias de trabalhadores que não tem qualquer tipo de seguridade social e precisam sair de casa durante as mais graves ondas de SARS-Cov2 e conseguir algum dinheiro para se alimentar. Pessoas que literalmente precisam escolher entre o risco de se infectar com COVID e morrer, ou morrer de fome.

Mas esta moeda tem outro lado. Ao mesmo tempo em que 117 milhões de pessoas têm dificuldade em conseguir alimento, um seleto grupo vem lucrando, e muito, com a pandemia.

Ricos mais ricos

O ano de 2020 elevou o número de bilionários brasileiros de 45, em 2019, para 50. Suas fortunas somadas aumentaram de R$ 127 bilhões para R$ 176,1 bilhões. 50 brasileiros versus 117 milhões de pessoas. Este é o número da epidemia de desigualdade que assola o país. Enquanto isso, o governo federal do neofascista Bolsonaro oferece um “auxílio” de apenas R$ 150,00 em quatro parcelas e o Congresso Nacional se recusa a debater a taxação das grandes fortunas.

Bancos como o Bradesco, novas “fintechs” como o Nubank e corretoras de valores como a XP tiveram crescimento recorde no último ano. A chamada “redução de operações físicas” (em resumo: fechamento de agências e desemprego para os bancários) vai impulsionar os lucros dos intermediários financeiros que já tinham resultados exorbitantes pelas extorsivas taxas de juros praticadas no Brasil. As “fintechs”, que nunca tiveram agências, saíram na frente nesse processo ao mesmo tempo que o rentismo e a especulação financeira tem ampliado esses ganhos.

A desvalorização da nossa moeda, causada em parte pelo cenário de crise econômica, é uma boa notícia para o agronegócio, já que este setor vende suas commodities em dólar. Ao mesmo tempo em que diminui a oferta de alimentos no mercado interno e encarece seus preços, causando inflação e agravando a fome, em um círculo vicioso da desgraça. Empresas produtoras de commodities aumentaram seu valor de mercado em R$ 122 bilhões no último ano. Para o agro, a pandemia é pop.

Essa é uma tendência mundial. Em 2020, segundo o Índice de Bilionários da Bloomberg, a fortuna total dos 500 mais ricos do mundo cresceu 31% em comparação ao ano anterior. A quantia adicionada de US$ 1,8 trilhão (R$ 9,8 trilhões) foi recorde, com executivos de empresas de tecnologia e mercado de luxo liderando a lista.

Taxar grandes fortunas

Nenhuma nação, nenhuma sociedade, pode ter alguma forma de progresso sobre essas bases. É preciso entender que durante a atual pandemia existem muitos genocidas, e eles são aqueles que colocam as trabalhadoras e trabalhadores entre a escolha de morrer de fome ou de coronavírus enquanto um pequeno grupo lucra com isso.

Se antes já era importante, a pandemia demonstra, mais do que nunca, que taxar as fortunas, os lucros e dividendos, bem como construir um programa de renda mínima universal são fundamentais para atacar a fome e combater a pandemia e dar início à superação histórica das tragédias sociais brasileiras, ampliadas pela catástrofe da COVID-19.

*Professor da educação básica e mestre em Políticas Públicas.