Reação ao discurso de Lula: mais uma vez, a ladainha enjoativa do mercado


Publicado em: 11 de novembro de 2022

Brasil

Henrique Canary, de São Paulo, SP

Esquerda Online

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

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Ontem pagamos um pouco dos nossos pecados. Mais uma vez, tivemos que passar um dia inteiro aguentando a ladainha do “mercado”. O tema desta quinta-feira (10) foi a “reação do mercado” à fala de Lula em que ele critica os atuais mecanismos fiscais e diz claramente que a prioridade do governo tem que ser comida na mesa das pessoas. Como o mercado reage mal a tudo que é a favor do povo, o resultado ao final do dia foi que o dolar subiu 4%, chegando a um pouco mais de R$ 5,30, e a bolsa caiu 3,61%, perdendo um total de R$ 156,269 bilhões em valor de mercado.

Em primeiro lugar, não devemos exagerar o significado desses números. A bolsa de valores já vinha de um dia de queda em função do anúncio da volta da inflação ao país. Esse fator não tem nada a ver com Lula e o processo de transição. É verdade que a queda dos negócios se acentuou após a fala de Lula, mas nada que se opusesse à dinâmica que já vinha imperando. Em segundo lugar, “perder valor de mercado” é algo menos grave do que parece. Quem lê isso pode pensar que houve perda de alguma riqueza real e que por isso pode ter menos comida no supermercado. Nada mais falso. Essa expressão é uma espécie de bicho-papão para assustar algumas almas sensíveis. Ela se refere ao valor total das ações negociadas na bolsa. Quando o preço das ações caem, diz-se que houve “perda de valor de mercado” e de fato algumas pessoas perdem dinheiro. Mas como o “mercado” é um aglomerado de especuladores que se esfaqueam mutuamente todos os dias ao venderem e comprarem ações, o que um especulador perde numa ponta, outro especulador ganha na outra. E é por isso que o mercado como um todo quase nunca perde.

O outro elemento de nervosismo do sensível mercado foi o anúncio do nome de Guido Mantega para o grupo econômico da equipe de transição. Mantega foi ministro do Planejamento entre 2003 e 2004, presidente do BNDES entre 2004 e 2006 e finalmente ministro da Economia entre 2006 e 2015 (esteve nos governos de Lula e Dilma) e o mercado lhe guarda uma certa mágoa porque ele nunca foi o privatista alucinado que queriam que ele fosse.

Mas o fato é que o mercado passou o dia nervoso. A fala de Lula que obrigou os pobres traders a tomarem vários copos de água com açúcar para se acalmarem foi:

“Por que as pessoas são levadas a sofrer por conta de garantir a tal da estabilidade fiscal nesse país? Por que toda hora as pessoas falam que é preciso cortar gasto, que é preciso fazer superávit, que é preciso fazer teto de gasto? (…) Por que as mesmas pessoas que discutem com seriedade o teto de gasto não discutem a questão social deste país? Por que o povo pobre não está na planilha da discussão da macroeconomia? Por que que a gente tem meta de inflação e não tem meta de crescimento? Por que que a gente não estabelece um novo paradigma de funcionamento neste país?”.

Como se vê, uma fala terrível… terrível para aqueles que vivem da especulação e estão pouco se lixando para as necessidades do povo. Mas, para o bem ou para o mal, podemos tranquilizar o mercado. Lula em momento algum de sua campanha ou após a eleição falou em não ter qualquer âncora fiscal. O que vem sendo dito, de maneira correta, é que qualquer que seja a âncora fiscal do país, ela tem de levar em conta a necessidade do investimento social, de retomar o crescimento econômico, de promover o emprego e o bem-estar da população mais vulnerável.

Ao que tudo indica, o mercado tem grande dificuldade em aceitar o fato de que o teto de gastos foi uma péssima ideia e tem que acabar imediatamente. Trata-se de uma aberração jurídica, política e econômica que nenhum país sério adotou: escrever na própria Constituição que o governo não pode aumentar o gasto social mais do que a inflação do ano anterior. Ou, visto por outro ângulo, a grande questão é que o teto de gastos é o mecanismo perfeito… para o mercado. Isso porque ele garante via Constituição que a remuneração dos especuladores vai ser paga em dia, mesmo que às custas do povo.

Perguntado sobre a “reação do mercado” a seu discurso, Lula ironizou: “O mercado fica nervoso à toa. Eu nunca vi um mercado tão sensível como o nosso. É engraçado que esse mercado não ficou nervoso com quatro anos do Bolsonaro”, disse Lula ao deixar o Centro Cultural Banco do Brasil, sede da transição de governo.

O episódio todo demonstra o nível de pressão que vai ser feito sobre o novo governo. Para ficar em apenas um exemplo, a Rede Globo já está cobrando a fatura do apoio aberto prestado a Lula durante as eleições e assim será com outros agentes, inclusive quem não contribuiu em nada com a vitória de Lula e apoiou Bolsonaro ou se manteve neutro. Agora, cada um vai puxar o cobertor pro seu lado.

Para os trabalhadores, oprimidos e o povo pobre, a única saída é a mobilização. Não basta derrotar as manifestações fascistas em estradas e portões de quartéis. Esse é apenas o primeiro passo. É preciso garantir nas ruas que o programa vencedor nas eleições seja implementado de fato. Até agora, os sinais de Lula têm sido positivos, mas não está nada garantido. A tarefa é gigantesca e urgente. Porque como disse o próprio Lula, trata-se do direito elementar de tomar um copo de leite ao deitar e comer um pão com manteiga ao acordar. Que o mercado chore e grite. Não importa. A repartição dos gordos dividendos pode esperar. Quem tem fome, tem mais pressa.


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