Por: Henrique Canary, colunista do Esquerda Online
Nesta segunda-feira (7), comemoramos os 99 anos da Revolução Russa. Há um ano de seu centenário, a primeira revolução socialista vitoriosa da história continua sendo uma fonte inesgotável de inspiração para aqueles que querem mudar o mundo. Não é possível lutar pelo socialismo sem estudar a fundo a experiência dos trabalhadores russos, de seus soviets e do Partido Bolchevique. As homenagens, portanto, são todas justas e até insuficientes para tudo o que a Revolução Russa significa.
Mas, diante de uma data tão importante, nós socialistas quase sempre esquecemos que o dia 7 de novembro é também o aniversário de uma das figuras centrais da própria revolução. No dia 25 de outubro de 1879, 7 de novembro pelo calendário gregoriano, nascia, na província de Kherson, no sul da Ucrânia, Lev Davidovich Bronstein, que seria conhecido como Leon Trotski. Quis o acaso que a maior revolução do século 20 ocorresse exatamente no aniversário de um de seus protagonistas. E, no entanto, o próprio Trotski, com o desprezo pelo misticismo que sempre lhe foi característico, jamais atribui qualquer importância a essa interessante coincidência.
De nossa parte, não devemos nos sentir culpados pelo esquecimento. Na noite de 25 para 26 de outubro de 1917, 7 para 8 de novembro, noite em que o destino da revolução se decidia nos corredores do Palácio de Inverno, o próprio Trotski não lembrou de seu aniversário. Passaram-se alguns dias até que um amigo lhe recordou a data. Aquele homem era um gigante. Mas, os eventos dos quais ele foi protagonista foram maiores ainda. E ele mesmo entendia como ninguém as reais proporções entre o seu papel como indivíduo e a História diante dele.
Trotski passou por inúmeras prisões, três exílios, todos os seus filhos morreram antes dele, os dois mais novos assassinados pelo stalinismo e as duas filhas mais velhas em circunstâncias que jamais foram totalmente esclarecidas. Dirigiu um exército de cinco milhões de homens e mulheres. Foi a voz e a pluma da revolução.Um de seus maiores dirigentes, e talvez o seu melhor cronista. Conheceu a mais absoluta glória e o mais rotundo fracasso. Não encarava, no entanto, nem um nem outro desde um ponto de vista pessoal. Para ele, o seu destino era o destino do proletariado em luta. Nada mais, nada menos.
Trotski nos ensinou que lutar pela revolução quando ela está ao alcance das mãos não constitui o maior mérito de um revolucionário. Porque não é difícil seguir a torrente da história. O maior valor de um revolucionário se demonstra quando as condições se tornam adversas, quando toda a história parece conspirar contra a causa da libertação humana, quando os valores e o programa socialista parecem questionados. Trotski esteve nas duas pontas dessa lança, e se fez gigante nos dias da revolução, mas se fez ainda maior quando veio a contrarrevolução. Ali ele se tornou imortal.
Os escritos e o exemplo pessoal de Trotski nos remetem à ideia de que o mérito de um revolucionário consiste em entender o alcance e os limites de sua ação no exato tempo histórico em que lhe coube viver, e agir de acordo com esse entendimento. Nem conformismo senil, nem voluntarismo infantil, mas perseverança e (sempre, sempre!) uma dose de ousadia, mesmo nos dias mais sombrios.
A luta pela revolução vale a pena não porque ela esteja no horizonte de nossa existência individual, esta existência limitada e mesquinha, mas porque ela é a bandeira mais nobre que a humanidade já empunhou. A luta pela revolução socialista vale a pena porque ela é a luta pela liberdade, pelo fim da alienação e pela realização plena do indivíduo em sociedade. Porque ela ultrapassou todos os limites de uma causa meramente social e se tornou a luta pela preservação de nossa espécie.
Leio novamente e me emociono com as palavras de um Trotski jovem, com 22 anos, e cheio de otimismo histórico:
“Dum spiro spero! [Enquanto eu respirar, terei esperança!] (…) Se eu fosse um dos corpos celestiais, eu olharia com completa indiferença para esta bola miserável de pó e lama. (…) Eu brilharia indiferente sobre os bons e os maus. (…) Mas eu sou um homem. A história do mundo que, para você, desapaixonado devorador de ciência, para você, guarda-livros da eternidade, parece apenas um momento insignificante na balança do tempo, para mim é tudo! Enquanto eu respirar, eu lutarei pelo futuro, este radiante futuro no qual o homem, poderoso e belo, se tornará mestre do fluxo incerto da História e irá direcioná-lo para um horizonte sem fim de beleza, alegria e felicidade!
O século 19 (…) frustrou de muitas formas as esperanças do otimista. (…) Obrigou-o a transferir a maioria das suas esperanças para o século 20. Sempre que o otimista se confrontava com uma atrocidade, ele exclamava: Como pode isso acontecer no limiar do século 20! Quando ele imaginava maravilhosamente desenhado um futuro harmonioso, ele o colocava no século 20.
E agora este século chegou! O que trouxe ele logo de início?
Na França – o escarcéu venenoso do ódio racial; na Áustria – a disputa nacionalista; na África do Sul – a agonia de um povo pequeno, que está sendo assassinado por um gigante; na própria “ilha da liberdade” – o canto triunfante da vitoriosa avareza de agiotas chauvinistas; dramáticas “complicações” no leste; rebeliões de massas populares famintas na Itália, Bulgária, Romênia. Ódio e morte, fome e sangue…
Parece até que o novo século, este gigante recém-chegado, está determinado mesmo no momento do seu surgimento a levar o otimista ao absoluto pessimismo e a um nirvana cívico.
– Morte à Utopia! Morte à fé! Morte ao amor! Morte à esperança! Esbraveja o século 20 em salvas de fogo e ao retumbar das armas.
– Renda-se, seu patético sonhador. Aqui estou eu, o seu tão esperado século 20, o seu “futuro”.
– Não, responde o inabalado otimista: Você, você é apenas o presente”.
(Escrito por Trotski nos dias que antecederam o Ano Novo de 1901)
Que belas palavras! E que atuais!
Foi ontem, mas não esquecemos.
Feliz aniversário, Lev Davidovich!
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