No último domingo (25), o árbitro Anderson Daronco, aos 19 minutos do segundo tempo da partida entre Vasco e São Paulo, no estádio de São Januário, no Rio de Janeiro, entrou para a história ao ser o primeiro árbitro a paralisar uma partida de futebol da série A do campeonato brasileiro devido a gritos homofóbicos, que partiam da torcida do Vasco da Gama.
O futebol talvez seja o esporte que mais reproduz a lógica machista e patriarcal de nossa sociedade, não atoa práticas machistas e LGBTfóbicas foram naturalizadas no esporte ao longo dos anos. Tanto entre jogadores quanto entre torcidas, as principais ofensas e agressões sempre são relacionadas a colocar em dúvida a heterossexualidade do adversário; jogadores já foram rechaçados pela sua própria torcida apenas por existirem boatos sobre uma possível homossexualidade; isso sem contar o tratamento que é dado às mulheres dentro do esporte. Por isso, um ato que deveria ser considerado normal é tratado como histórico, e isso mostra o quanto estamos atrasados em relação ao debate de opressões, não só dentro do futebol, mas em nossa sociedade como um todo.
A atitude de Anderson Daronco na partida em São Januário não se tratou de um fato isolado, trata-se na verdade de uma recomendação do Supremo Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), publicada semana passada, para que em casos de LGBTfobia os árbitros paralisem as partidas, e relatem nas súmulas das partidas o ocorrido. Tal orientação vai de acordo com a decisão tomada em junho pelo próprio STJD de que os casos de LGBTfobia dentro dos estádios seriam enquadrados no artigo 243 do Código Brasileiro de Justiça desportiva.
Tais ações do STJD, no sentido de criminalizar a LGBTfobia nos estádios, não se dão descoladas, ou sem ser influenciadas por um contexto mais amplo. O tribunal esportivo foi pressionado, por um lado, pela decisão do STF que passou enquadrar a homofobia e transfobia como crimes de racismo, pois após a LGBTfobia se tornar crime, o STJD se viu pressionado a não mais fazer vistas grossas a estas atitudes que são corriqueiras nos estádios. Outro fator nesse contexto é a orientação da FIFA para que federações nacionais cumpram um protocolo para o caso de manifestações discriminatórias. A orientação é para que árbitros paralisem as partidas e, caso as manifestações persistam, suspendam o jogo.
É diante deste contexto que o STJD aprovou a orientação para que os árbitros intervenham em caso de manifestações de LGBTfobia nos estádios, o que pode levar até a suspensão da partida e perda de pontos por parte do time cuja torcida tenha praticado tais atos.
Criminalizar a LGBTfobia nos estádios é um passo importante, que pode cumprir um papel transformador na cultura machista e LGBTfóbica que impera não só entre torcedores, mas na sociedade como um todo. Mas precisamos ter a consciência de que esta mudança na cultural deve ocorrer em todos os espaços e não só ser um protocolo a ser cumprido para evitar punições aos clubes.
Esta foi a primeira rodada do campeonato em que a orientação para paralisação da partida em caso de manifestações LGBTfóbicas foi colocada em prática. O árbitro Anderson Daronco foi o único a paralisar uma partida,. Conhecendo o padrão de comportamento dos torcedores em estádios, é muito difícil acreditar que casos como esse tenham ocorrido apenas nesta partida, mais provável é que em muitas outras os árbitros tenham feito vistas grossas a esse tipo de manifestação, o que demonstra que, além de determinar tais punições, o debate sobre opressões deve fazer parte da formação dos árbitros e dos demais envolvidos na realização das partidas de futebol.
*Vinícius Prado é historiador, mestre em educação, militante da Resistência/PSOL e membro da Executiva Estadual da CSP-Conlutas/PR
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