Na manhã do último domingo, 8 de julho, muitos brasileiros ainda digeriam a derrota da seleção para a Bélgica na Copa do Mundo, que resultara na eliminação da equipe apenas dois dias antes, quando o país foi sacudido por uma decisão judicial. Tratava-se do habeas corpus concedido pelo desembargador Rogério Favreto, que estava de plantão no Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF-4), em favor do ex-presidente Lula. Nas horas seguintes, sucederam-se movimentações de bastidores e declarações públicas de inúmeras figuras do Judiciário, instalando uma verdadeira queda de braço em torno da possível soltura de Lula.
De um lado, Favreto reafirmava a tese que embasava o habeas corpus – a de que a pré-candidatura de Lula constituía um fato novo –, chegando a despachar por três vezes ordens de soltura. De outro lado, o juiz Sérgio Moro, de 1a instância e gozando férias em Portugal, sustentou que Favreto não teria competência para se manifestar sobre o tema e instou a Polícia Federal a não cumprir os despachos do desembargador. Ao longo do dia, os desembargadores João Pedro Gebran Neto e Carlos Eduardo Thompson Flores, respectivamente relator do processo que condenou Lula no TRF-4 e presidente do mesmo tribunal, saíram em defesa da posição de Moro, ratificando sua posição.
O resultado mais imediato do operativo de Moro, Gebran Neto e Thompson Flores foi a manutenção da prisão de Lula, que já se estende por mais de três meses. Entretanto, uma exposição tão despudorada das vísceras do Judiciário impõe, pelo menos, quatro conclusões políticas importantes.
1- A prisão de Lula é política
Embora todos os atos de juízes e desembargadores sejam apresentados com justificativas supostamente técnicas, há sempre um posicionamento político subjacente. No caso das acusações contra Lula, esse caráter político se manifestou como parcialidade e seletividade descaradas, que já haviam sido evidenciadas ao longo das etapas processuais percorridas. Afinal, é preciso lembrar que o próprio Moro vazou ilegalmente gravações de conversas telefônicas entre Lula e Dilma, que seu processo percorreu variadas instâncias em tempo muito acelerado e que figuras de outros partidos políticos que enfrentam acusações ainda mais graves têm recebido tratamento muito menos duro do Judiciário.
Apesar disso, as manobras do último domingo foram ainda mais didáticas, na medida em que a manutenção da prisão de Lula foi garantida por meio de flagrantes subversões das regras do funcionamento cotidiano do Judiciário. Nesse sentido, não há nada que justifique que um juiz de 1a instância conteste a decisão de um desembargador, que responde pela 2a instância. Tampouco é possível aceitar que determinados juízes possuam conexões diretas com a carceragem da Polícia Federal, a ponto de instruir os agentes a não cumprirem as ordens de outro magistrado. Tratam-se de graves infrações que deveriam ser investigadas e resultar em punição para os responsáveis.
Assim, por seu caráter inesperado, a decisão de Favreto evidenciou que o teatro do Judiciário imparcial não pode se sustentar sempre. E, ainda mais, demonstrou que todos os meios, ainda que ilegais, podem ser empregados para garantir que as decisões sejam adequadas aos interesses dos detentores do poder.
2- As classes dominantes abandonaram o barco da conciliação de classes
Tal como ao longo de todo o processo do impeachment de Dilma Rousseff e do julgamento de Lula, também nos episódios de domingo as grandes empresas de comunicação entraram em campo com força máxima. Recorrendo aos mais diversos “especialistas”, os principais telejornais do país buscaram legitimar as posições de Moro, Gebran Neto e Thompson Flores, criticando os despachos de Favreto.
Esse posicionamento indica que os proprietários desses veículos de comunicação e seus prepostos nas editorias temem o impacto eleitoral que uma eventual soltura de Lula teria. Mesmo após todo o tempo passado na cadeia, Lula segue liderando todas as pesquisas de intenções de votos por larga margem. Nos cenários de segundo turno, também é o candidato com maiores chances de vitória.
Na medida em que os conglomerados midiáticos se constituem como um dos mais importantes instrumentos políticos das principais frações da burguesia, essa postura temerosa evidencia que as classes dominantes do país estão, em sua imensa maioria, contra a reedição da conciliação de classes que caracterizou os governos petistas. Seu programa continua sendo inegavelmente o do brutal aprofundamento da exploração da classe trabalhadora, da retirada de direitos e da privatização das riquezas nacionais.
3- As vitórias dependem da mobilização social
Mesmo que Lula tivesse sido solto por conta do habeas corpus concedido por Favreto, dificilmente permaneceria fora da carceragem por mais do que alguns dias. Sem dúvida, o teatro do Judiciário seria recomposto e uma nova ordem de prisão seria rapidamente decretada, com toda a aparência de legalidade. Isso significa que, embora haja brechas a serem exploradas no sistema judiciário, ele não é o terreno da luta preferencial dos subalternos.
O mesmo raciocínio vale para o sistema eleitoral: devemos utilizar o espaço que ele nos proporciona para defendermos nossas ideias e acumularmos forças e recursos para as batalhas da luta de classes. Entretanto, nenhuma transformação radical e duradoura virá do mero acúmulo de cargos e votos.
Para alcançarmos vitórias mais efetivas, é fundamental que a classe trabalhadora volte a confiar em suas próprias forças e retome o caminho da auto-organização e da mobilização direta. Somente por esta via será possível fazer uma defesa consequente dos direitos democráticos (incluindo aí a soltura de Lula), reverter os inúmeros ataques do governo Temer (contrarreformas trabalhista e do ensino médio, Emenda Constitucional do Teto de Gastos, privatizações, etc) e combater a ofensiva conservadora em curso.
4- É fundamental construirmos uma alternativa política
Embora seja vítima de grande perseguição política pelo Judiciário, Lula permanece reafirmando que é preciso confiar nas instituições do país. Simultaneamente, o PT aposta todas as suas fichas nas eleições de outubro. Não há uma movimentação para construir uma greve geral ou um ciclo importante de mobilizações.
Por isso, embora sempre tenhamos defendido a soltura de Lula e seu direito a ser candidato, acreditamos que é fundamental construir uma alternativa política para a classe trabalhadora e os setores oprimidos. Uma alternativa que abandone a conciliação de classes e aponte para o caminho da auto-organização e das mobilizações e lutas diretas. Eleitoralmente, essa alternativa se expressa pela candidatura de Guilherme Boulos e Sônia Guajajara (PSOL/PCB/MTST/APIB).
Foto: EBC
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