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O fogo e o ódio

Incendio em Sao Paulo. Reproducao vídeo

Incendio em São Paulo. Reprodução vídeo

Editorial 03 de maio

O incêndio e o desabamento do prédio Wilton Paes de Almeida, no Centro de São Paulo, onde cerca de 400 trabalhadores viviam, é possivelmente a mais dramática alegoria dos nossos dias. São mais de 40 pessoas ainda não encontradas, que podem estar sob os escombros. Aqueles que não morreram, perderam tudo. Ajudantes, serventes, faxineiras, motoboys, garis, manicures. Brasileiros, angolanos, bolivianos. Negros, quase todos.

Contra eles, os mais explorados e pauperizados no País, se volta o projeto de supressão das poucas garantias do pacto constitucional de 1988. São famílias que dependem, para sobreviver precariamente, dos Benefícios de Prestação Continuada (BPC), dos salários-mínimos de aposentadoria, das pensões por morte, do bolsa-família. São  famílias submetidas ao regime de terceirização e informalização do trabalho, ainda mais instituído em tempos de contrarreformas. São famílias que enfrentam filas em creches, escolas e hospitais, ainda mais extensas em tempos de corte de investimentos sociais.

E são aqueles que veem ruir sua dignidade humana também pelo processo nefasto de criminalização da pobreza. O dia 1o de maio de 2018, o Dia do Trabalhador, tornou-se um verdadeiro festival de disseminação de ódio contra os trabalhadores. Ódio que não se ateve às tentativas de viralizar notícias falsas pela extrema-direita, como o MBL e Bolsonaro, que caluniaram o quanto puderam o MTST, alegando que a ocupação era parte da “máfia” de Guilherme Boulos para se aproveitar das famílias, mas percorreu  os discursos dos políticos responsáveis pela cidade e pelo estado.

João Dória (PSDB) praguejou a situação dramática dos sem-teto dizendo que eram membros de uma “facção criminosa”. A única morte lamentada por Bruno Covas (PSDB), atual prefeito de São Paulo, foi a do prédio, ao qual a prefeitura daria um “uso devido” caso tivesse havido reintegração de posse antes. E Márcio França (PSB), governador substituto de Alckmin, insinuou que os ocupantes “pediram” pelo trágico acontecido. Enquanto isso, as principais emissoras de televisão, em especial a Rede Globo, lançaram incessantemente reportagens com tons de nítida acusação indistinta aos movimentos de moradia.

Entre o discurso neofascista de ódio aos pobres, aos trabalhadores, às mulheres, aos negros, aos nordestinos, à esquerda, e as declarações das principais instituições do poder do Estado, não houve diferenças significativas. Um toma progressivamente o papel de introdutor do outro, mesmo quando anuncia combater excessos e radicalismos. Também foi assim quando a notícia da execução política e racista de Marielle Franco veio à tona em todo o mundo.

A grande questão é que, para levar adiante esse projeto anti-povo, o grande capital e seus governantes precisam de prevenções políticas. E a mais violenta das prevenções é criminalizar o alvo dos seus ataques, provocar ódio, desprezo ou, no mínimo, indiferença da sociedade. Cozinhar imobilismo, aquecer intolerância, queimar possíveis revoltas.

Deste modo, os números da cidade de São Paulo vão sendo esterilizados: um milhão e 200 mil pessoas vivendo em moradias precárias. Dois milhões de metros quadrados sem uso algum. Apenas 1% da população controlando 45% do valor imobiliário. Menos R$ 250 milhões para as políticas habitacionais. E mais de R$ 100 bilhões de dívida ativa de grandes empresas com o município.

A avalanche de manifestações de ódio e a propagação de notícias falsas a partir do drama da ocupação do Largo do Paissandú não vieram por acaso. Neste período histórico em que o capital financeiro precisa ampliar os seus meios de reprodução, a vida nos grandes centros urbanos vem se tornando insuportável aos trabalhadores. O nível de espoliação urbana afeta qualquer espaço e tempo de vida. Não se trata mais de ela ter qualidade ou não, diz respeito às chances de existir, onde toda e qualquer parte tem como vocação ser mercadoria.

A reação necessária a esse processo de varrição permanente dos trabalhadores mais pobres das grandes cidades vem ocorrendo, espontaneamente ou de maneira organizada. O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), desde junho de 2013, tem sido uma referência importante no enfrentamento à mercantilização das cidades e à situação econômica do povo pobre herdada pela crise. O que era um projeto de organização popular para a criação de alternativas ao contingente crescente de sem-tetos tornou-se um dos polos mais dinâmicos no combate ao golpe parlamentar de 2016 e a todos os ataques aos direitos da classe trabalhadora. Não é mero acaso o lugar onde a corda estica nesse momento político.

É por imposição da realidade de ataques sociais e econômicos – mas também antidemocráticos e ideológicos – que a candidatura pelo PSOL de uma liderança sem-teto, Guilherme Boulos, junto a uma liderança indígena, Sônia Guajajara, acontece agora, apresentando um programa radical em defesa da vida em detrimento do lucro.

A reorganização dos trabalhadores e da esquerda para a luta nas ruas não pode mais ser meramente anunciada. Não escolhemos este momento. Mas só sobreviveremos se transformarmos a indignação que sentimos em ação organizada. É hora de máxima solidariedade com as famílias que perderam seus entes queridos e com aquelas que perderam junto com seus lares o pouco que tinham. É momento de apoio às ocupações ameaçadas de despejo pela prefeitura e o estado. Mas é hora também de redobrar a aposta na resistência, como fazem dezenas de milhares de famílias sem-teto em luta em todo o País.

Quem ocupa não tem culpa!