EDITORIAL ESPECIAL 7 DE NOVEMBRO
Em sua autobiografia, Leon Trotski escreveu um capítulo intitulado “A noite que decide”. Nele, o criador do Exército Vermelho descreve os eventos que ocorreram em Petrogrado na madrugada do dia 24 para 25 de outubro de 1917, ou 6 para 7 de novembro, segundo o calendário ocidental moderno, e que levaram à tomada do poder na Rússia pelos sovietes: a calmaria das ruas, a chuva fina e gélida, os soldados se aquecendo junto às fogueiras, a silenciosa, porém massiva e firme, movimentação das tropas, a conversa que o próprio Trotski e Lenin tiveram enquanto descansavam no chão de uma sala empoeirada do Instituto Smolni, sede do Soviete de Petrogrado e muitas outras cenas.
Ao conversarem sobre o futuro, Lenin e Trotski conversavam sobre todos nós e sobre nossas vidas. O século 20 é fruto da Revolução Russa. A eliminação da propriedade privada e do mercado capitalista permitiu à Rússia se transformar completa e absolutamente. Em menos de 20 anos, um país agrário e iletrado se tornou uma das maiores potências do mundo. A Rússia revolucionária conheceu um florescimento científico, cultural e político que poucos países já conheceram. A União Soviética foi o primeiro país do mundo a colocar um objeto sintético em órbita, o satélite sputnik, em 1957; o primeiro país a colocar um ser vivo complexo no espaço, a cadelinha Laika, também em 1957; o primeiro país a colocar um homem no espaço, Iuri Gagarin, em 1961; o primeiro país a colocar uma mulher no espaço, Valentina Terechkova, em 1963; o primeiro país a enviar com sucesso uma sonda para a Lua, a sonda Luna, em 1966; o primeiro país a enviar com sucesso um objeto para outro planeta, a sonda Venera, que pousou e enviou fotografias de Vênus em 1967. Foram tantos “o primeiro país do mundo…” que nenhum editorial é capaz de expressar.
A URSS resolveu problemas sociais extremamente complexos, acabou com a analfabetismo, com o desemprego, garantiu moradia, educação, saúde e aposentadoria digna para 100% da população. Maiakovski, Pasternak, Bubka, Barichnikov, Tsvetaieva, Terechkova, todos eles são filhos e filhas da revolução, mesmo que não sejam seus contemporâneos e mesmo que fossem, em seu tempo, críticos a ela. Simplesmente, porque são filhos e filhas do século 20.
A Revolução Russa foi também uma revolução nos costumes, direito ao divórcio, ao voto feminino, descriminalização do aborto e da homossexualidade, igualdade no mercado de trabalho e nos salários para homens e mulheres, fim do poder patriarcal nas famílias.
O exemplo da União Soviética amedrontou os poderosos no mundo inteiro e provocou uma onda de entusiasmo entre os explorados, que se propagou pelo mundo inteiro por quase setenta anos. A resposta alemã à “ameaça soviética” foi o nazismo, derrotado heroicamente pela própria União Soviética, e não pelos Estados Unidos, como nossa educação semi-colonial tenta fazer crer. Mas, a luta contra o nazismo teve um custo, 27 milhões de vidas soviéticas. Se não somos uma colônia nazista de escravos hoje, agradeça à União Soviética e ao seu povo. Depois da Segunda Guerra Mundial, o imperialismo mudou de tática, entregou os anéis para não perder os dedos. Em vários países, foram aprovadas legislações democráticas, trabalhistas e de direitos sociais que visavam evitar a radicalização da vida política e afastar, com isso, o perigo de uma revolução socialista. As férias, o 13º salário, a Previdência Social e a educação pública gratuita no Brasil não são “o lado humano do capitalismo”. São frutos indiretos da Revolução Russa.
Como aconteceu em muitas revoluções, surgiram os oportunistas e os traidores. Jurando lealdade aos ideais revolucionários, Stalin fuzilou os homens e mulheres que fizeram a revolução. Stalin feriu a Revolução Russa, mas não conseguiu matá-la. O regime político altamente democrático dos primeiros anos degenerou em uma ditadura sangrenta, mas as conquistas sociais dos sovietes permaneceram vivas ainda por algum tempo. Passaram-se 70 anos até que a burocracia soviética se sentir forte o suficiente para passar, da condição de “administradora”, para a de proprietária das riquezas produzidas pelo povo. Vieram Gorbatchov, Ieltsin, a máfia, a tragédia econômico-social dos anos 90 e, finalmente, Putin.
Todo o século 20, tudo o que conquistamos, tudo que somos hoje foi decidido naquela noite, pelos soldados à beira das fogueiras, pelos operários que ocupavam as estações de trem e pontes de Petrogrado, pelas operárias que passavam de quartel em quartel convencendo os últimos indecisos, pelos marinheiros do cruzador Aurora, pelo gênio estratégico de Lenin e pela agudez tática de Trotski, conversando no chão de uma sala empoeirada do Instituo Smolni. Naquela noite, há cem anos.
Viva a Revolução Russa!
Viva o socialismo!
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