Por: Carlos Zacarias de Sena Júnior*, colunista do Esquerda Online
Publicado originalmente no jornal A Tarde
As cenas se repetem numa velocidade vertiginosa e causam um profundo desconforto: no Rio Grande do Sul, alunos de duas escolas particulares organizam uma festa chamada “se nada der certo” em que debocham de trabalhadores de profissões ocupadas, sobretudo, por negros; em São Paulo um tatuador é filmado tatuando a frase “eu sou ladrão e vacilão” na testa de um adolescente que teria tentado roubar uma bicicleta; no Rio de Janeiro uma criança morre após ter recusado o atendimento por uma médica que alegava que seu expediente havia chegado ao fim; em Salvador uma grande escola particular organiza um “Dia do Mico” e dois adolescentes se fantasiam de membros do grupo racista norte-americano Ku Klux Klan e ainda posam para foto ao lado de um jovem que simula a saudação nazista.
Não bastassem as notícias que nos últimos anos nos assombraram, como o espancamento seguido de morte de uma mulher deficiente mental confundida com uma sequestradora de crianças para rituais satânicos; ou o adolescente negro que após um roubo foi preso a um poste por rapazes brancos e de classe média alta que lhe ataram ao pescoço um dispositivo de prender bicicletas, os significados de todas essas cenas de barbárie dão a sensação que o Brasil não deu certo. Acrescente-se a isso as muitas mortes de jovens negros da periferia, recentemente reveladas no Atlas da Violência e que passam por ser apenas estatísticas que quase não chocam a ninguém, e a sensação se converte em quase certeza.
Nossa autoestima tem declinado a olhos vistos. Em torno de escândalos de corrupção e em meio ao espetáculo público que o desgoverno de Temer e o Congresso nos têm proporcionado ao longo do último ano, com denúncias robustas e sobejas demonstrações de que a corrupção é gigantesca, além do fato de que os governantes querem nos impor reformas rejeitadas pela maioria dos brasileiros, não há sentimento maior do que a indignação e o escárnio. Falta vergonha na cara dos governantes, mas falta também empatia da parte daqueles que permanecem distantes da realidade de um país cuja desigualdade gritante é a principal responsável pela maioria de nossos males.
Na semana em que o tema principal do noticiário político do país foi o julgamento da chapa Dilma-Temer pelo TSE, as imagens e os fatos do cotidiano são chocantes, mas apenas confirmam os caminhos tomados por uma parte do país que se espelha no andar de cima. Nesta senda infausta, que reforça o nosso complexo de vira-latas, as perspectivas de que possamos sair do atoleiro que nos enfiamos parecem cada vez mais distantes. Como lampejos de esperança apenas a certeza de que somos um povo que, mesmo vivendo na dificuldade, cultivamos a alegria, a solidariedade e a resiliência, embora nunca a resignação. Contra um país de desesperança resta-nos a expectativa de que, como brasileiros, somos mais do que nos fazem acreditar as nossas classes dominantes.
* Doutor em História. Professor da UFBA.
Foto: Diretas Já
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