Desde a eleição de Trump, encorajado pelo sinal verde para seguir a política de opressão aos palestinos, o governo de Benjamin Netanyahu intensificou seus ataques. Demolição de casas, confisco de terras, destruição de povoados de beduínos, aumento da violência mortal contra civis nos territórios ocupados e uma crescente ofensiva contra as entidades de direitos humanos dentro das próprias fronteiras de 1948 de Israel, são uma rotina. Uma lei inédita que legaliza a expropriação de terras privadas palestinas na Cisjordânia foi aprovada. O show de horrores não para, da mesma forma que a resistência firme e resoluta do povo palestina a cada golpe.
Durante sua história, Israel sempre recorreu a guerras parciais ou totais como forma de expansão e de gerar ou reforçar o consenso interno em relação a suas práticas. A criação do “inimigo externo” e suas ramificações internas (a população palestina em suas fronteiras de 1948) foi sempre um de seus meios preferidos.
Um dos jornalistas mais corajosos de Israel (e odiado por boa parte da população judaica por essa razão) é Gideon Levy. Antigo crítico das políticas de Israel, sempre foi contrário à ocupação de 1967, mas não aceitava o questionamento da Partilha de 1947, que abriu as portas para a limpeza étnica, mais conhecida como Nakba e que expulsou em poucos meses 80% da população que vivia no território atribuído a Israel pela ONU.
Há um certo tempo, vendo que na verdade Israel é o dono absoluto da Palestina histórica, do rio Jordão até o Mar Mediterrâneo, começou a apoiar a ideia de um só estado democrático com direitos iguais para todos, o que é um avanço muito importante.
No artigo que publicamos, faz um apelo dramático, através de amarga ironia, contra mais uma brutal agressão a Gaza que estaria sendo planejada pelos líderes civis e militares de Israel. Israel realizou vários bombardeios a Gaza nesta semana e subiu o tom de suas ameaças. Não temos condições de determinar o alcance de seu alerta, mas pelos antecedentes israelenses e pela situação atual na Palestina e no Oriente Médio, consideramos fundamental divulgar este verdadeiro apelo contra o novo massacre que pode estar sendo gerado (Editoria Internacional do Esquerda Online).
Publicado originalmente no jornal Haaretz em 02/03/2017
Israel adora guerras. Necessita delas. Não faz nada para evitá-las e, às vezes, as instiga. Não há outra forma de se ler o relatório do Controlador [de Israel] sobre a Guerra de Gaza de 2014 e não há nenhuma conclusão mais importante que se depreenda dele.
Todo o restante – os túneis, o Conselho de Segurança Nacional, o gabinete e os serviços de inteligência – são bagatelas, nada mais do que esforços para distrair-nos do tema principal. O principal é que Israel quer a guerra. Rejeita todas as alternativas, sem discuti-las, sem interesse nelas, para satisfazer seu desejo.
Israel quis guerras no passado também. Desde a guerra de 1948, todas as suas guerras poderiam ter sido evitadas. Foram claramente guerras de escolha, ainda que a maior parte delas não serviram para nada e algumas delas causaram danos irreparáveis. Via de regra, Israel as começou, algumas vezes foi forçado a fazê-lo, mas mesmo assim, elas poderiam ter sido evitadas, como em 1973. Algumas das guerras terminaram com as carreiras dos que as iniciaram e, mesmo assim, de tempos em tempos, Israel escolhe a guerra como a primeira e preferida opção. É duvidoso que uma explicação racional possa ser encontrada para o fenômeno, mas o fato é que, todas as vezes que Israel vai à guerra, ele recebe apoio esmagador, automático e cego da opinião pública e dos meios de comunicação. Portanto, não só o governo e o exército adoram a guerra, todo Israel adora a guerra.
Isso está comprovado pelo fato que os comitês de investigação publicam relatórios quase idênticos depois de todas as guerras – o relatório sobre a guerra de Gaza é quase um plágio do da Comissão Winograd depois da Segunda Guerra do Líbano de 2006. (“A guerra foi iniciada de forma apressada e irresponsável. ”) Quando não se aprende nada e tudo é esquecido, é claro que algo muito forte está empurrando Israel para a guerra.
Foi assim que ocorreu na Operação Borda de Proteção no verão, quando não havia nenhuma razão para a guerra. E essa é a forma em que será na próxima guerra, que se avizinha. Que pena que o “alerta vermelho” no Sul na terça-Feira foi um falso alarma. Foi quase a oportunidade para desferir um golpe desproporcional sobre Gaza, a forma que o Ministro da Defesa Avigdor Lieberman e Israel adoram, do tipo que arrastará Israel para a nova guerra.
Esse caminho já está traçado, seus entusiastas não perdem uma oportunidade para instigá-la e sua história é como a história das guerras cobertas pelos relatórios do Controlador. A próxima guerra também terá um relatório. Vocês e eu e a próxima guerra, e o novo relatório.
É razoável imaginar que a próxima guerra começará em Gaza. O álibi já está preparado. O horror sobre os túneis, que foi aumentado nas proporções grotescas de uma guerra nuclear, foi criado com esse propósito. Ferramentas primitivas de combate são o suficiente para criar o álibi para a guerra. E, como antes da Operação Borda de Proteção, ninguém para para perguntar: E Gaza, que daqui a três anos não terá mais condições de abrigar vida humana? Como esperamos que Gaza responda à luz do perigo existencial a seus habitantes? Qual é a pressa? Temos tempo. Enquanto isso, Gaza pode ser destruída uma ou duas vezes mais.
Gaza mima Israel com guerras de luxo. Não há nada que Israel ame mais do que uma guerra contra um não-exército, contra aqueles que não têm cobertura aérea nem artilharia, somente um exército de “pés-descalços” e túneis, que provê Israel de histórias de grande heroísmo e luto. Os bombardeios dos indefesos, por alguma razão denominados de guerra, com mínimas mortes israelenses e máximas mortes palestinas máximas, – essa é a forma em que gostamos de nossas guerras.
O Controlador do estado constatou que o gabinete não discutiu alternativas à guerra. O relatório deveria ter sido um grito que reverberasse de um extremo a outro do país, mas ele foi engolido pelo non-sense dos túneis. Qualquer criança em Gaza sabe que há essa alternativa, que se Gaza fosse aberta para o mundo, seria diferente. Mas para isso, são necessários dirigentes israelenses corajosos, e desse tipo não há nenhum. São necessárias multidões de israelenses que digam de forma inequívoca um “não” às guerras – e essas tampouco existem. Por quê? Porque Israel ama as guerras.
Gideon Levy
Haaretz Correspondent
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