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Colunas

Relato 03: “Tratar em liberdade, gente. É assim que a verdadeira cura acontece”

Que Loucura!

Coluna antimanicomial, antiproibicionista, abolicionista penal e anticapitalista. Esse espaço se propõe a receber relatos de pessoas que têm ou já tiveram alguma experiência com a loucura: 1) pessoas da classe trabalhadora (dos segmentos de pessoas usuárias, familiares, trabalhadoras, gestoras, estudantes, residentes, defensoras públicas, pesquisadoras) que já viveram a experiência da loucura, do sofrimento psicossocial, já foram atendidas ou deixaram de ser atendidas e/ou trabalham ou trabalharam em algum dispositivo de saúde e/ou assistência do SUS, de entidades privadas ou do terceiro setor; 2) pessoas egressas do sistema prisional; 3) pessoas sobreviventes de manicômios, como comunidades terapêuticas e hospitais psiquiátricos, e outras instituições asilares; 4) pessoas do controle social; 5) pessoas da sociedade civil organizada, movimentos sociais Antimanicomiais, Antiproibicionistas, Abolicionistas Penais, Antirracistas, AntiLGBTFóbicos, Anticapitalistas e Feministas. Temos como princípio o fim de tudo que aprisiona e tutela e lutamos por uma sociedade sem manicômios, sem comunidades terapêuticas e sem prisões!

COLUNISTAS

Monica Vasconcellos Cruvinel – Mulher, latinoamericana, feminista, escrivinhadora, mãe, usuária da RAPS, militante da Resistência-Campinas, da Luta Antimanicomial pela Coletiva Livre Nacional de Mulheres e Saúde Mental Antimanicomial (CLNMSMA) e Conselheira Municipal de Saúde;

Laura Fusaro Camey – Militante da Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (RENILA);

Andréa Santos Miron – Mulher, feminista, apaixonada pelo Sistema Único de Saúde, por fazer trilhas e astronôma amadora; Assistente Social de formação pela Universidade Federal de São Paulo, pós-graduada em Saúde Pública, Saúde Mental e Psiquiatria; Militante pela Resistência / Psol – Mauá/SP, pela Coletiva Livre Nacional de Mulheres e Saúde Mental Antimanicomial, pelo Fórum Paulista da Luta da Luta Antimanicomial e Movimento Nacional da Luta Antimanicomial.

Se você quer compartilhar o seu relato conosco, escreva para [email protected]. O relato pode ser anônimo.

Olha, eu já fiquei internado em duas comunidades terapêuticas1. Minha família me internou à força, porque não compreende. É horrível! A laborterapia é uma máscara para o trabalho escravo, uma atividade forçada, em que a gente, praticamente, gera renda para eles, sem receber nenhuma remuneração. É horrível! Eu prefiro mil vezes a RAPS (Rede de Atenção Psicossocial do SUS), não só porque estou frequentando a Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais, a ASUSSAM, mas também porque tratar em liberdade, gente, é assim que a verdadeira cura acontece! Não se cuida dopando a pessoa ou fazendo a pessoa trabalhar para uma comunidade terapêutica, que vai viver do suor dela.

Quando eu estava internado, eu e outras pessoas internas éramos forçados a vender produtos da comunidade terapêutica na rua, para pagar nossa “moradia” e nossa “alimentação”; se não fizéssemos isso, éramos expulsos. Lá a agressão física e a tortura psicológica, ambas se colidem, já que não se trata só da pessoa apanhar, porque quando uma pessoa apanha ela pode ir na polícia e fazer boletim de ocorrência; mas tem também a pressão e a tortura psicológica, que são piores, porque a pessoa dorme pensando nelas. Dói mais que apanhar, já que o machucado físico cicatriza e as células do corpo vão cicatrizar, né? Agora a tortura psicológica é pior, gente.

Durante minhas internações em comunidades terapêuticas, eu ouvia coisas como: “Se você não pagar moradia, você não vai comer, não vai dormir, vou te colocar para fora, você vai voltar para o abrigo, vai ficar num lugar pior, não vai para lugar nenhum na vida, vai ficar em cima de um papelão.” É horrível. Eu sei o que é a indústria das comunidades terapêuticas.

Aquilo lá, não ajuda. Aquilo lá, só destrói o corpo emocional das pessoas e o corpo mental, porque lá a ninguém pode parar. Quando uma pessoa sai de lá, os proprietários e gestores das comunidades terapêuticas não a vigiam na rua – ela paga. A pessoa está com dinheiro no bolso? É isso com o que eles se importam. Muitos chegam lá doidão e eles não se preocupam. Eles se preocupam se a pessoa está contribuindo, se ela está levando dinheiro. Eu sou prova disso – eu já vi dez pessoas que saíam todos os dias e voltavam chapadas, mas davam o dinheiro. E aí, parou como? Se todo dia tá bêbado e todo dia tá com cheiro de cigarro lá? As comunidades terapêuticas têm, sim, bebida, cigarro, até droga. Eu sei porque nas duas em que eu fiquei, eu presenciei.

Apenas uma das vezes eu fui internado por conta de drogas. Eles também não entendem, né, porque quem me conhece, na realidade, sabe que minha vibe é a Quinta Dimensão, a Era de Aquário, contato extraterrestre, evacuação da humanidade pelo Comando Asthar, Confederação Galáctica, transição planetária, por isso que a maioria da população mundial está enlouquecendo, porque não sabe sobre o projeto de transição planetária. As larvas astrais que estão no plano psíquico, os parasitas psíquicos, por isso que as pessoas estão enlouquecendo.

Assim também, as pessoas não entendem sobre as drogas. Não entendem que não é só por euforia, pra ficar doidão, mas sim, é uma forma de lidar com a dor. A pessoa não consegue expressar o sentimento, a dor que ela está sentindo, ela se afoga na droga para esquecer. É um remédio que ajuda a pessoa esquecer. O sofrimento, você não sabe a moradia das pessoas. Nós, que temos alguma questão de saúde mental, sofremos muito com nossos familiares, por isso que a maioria das pessoas que estão na droga, não estão porque querem, estão para afogar as mágoas.

Hoje não faço mais uso de drogas, graças aos serviços da RAPS (Rede de Atenção Psicossocial do SUS). Eu me sinto acolhido, me trato no Centro de Convivência e no CERSAM. Faz dois anos que não uso nada.

1 Por motivo de opinião pública e possibilidade de retaliação eu prefiro não expor os nomes das comunidades terapêuticas, porque eu sei como funciona. Pessoas lá de dentro, eles não pensam, na verdade, eles maquinam. Se algum dia elas me reconhecerem, elas podem fazer algo contra mim, porque são pessoas violentas e agressivas.