A segunda chance que Bolsonaro ganhou para tentar sua reeleição com um segundo turno se deu por conta de uma diferença de 1,5% dos votos validos. Lula fez a maior votação da história da disputa num primeiro turno atingindo mais de 57 milhões de votos, faltando pouco menos de 2 milhões de votos para vencer a extrema direita no primeiro turno. Vamos agora para uma disputa que não há favoritos, com os governadores que ganharam no primeiro turno nos maiores colégios eleitorais do país apoiando Bolsonaro e com a maior bancada de deputados eleitos no congresso nacional usando seus aparatos contra a eleição de Lula.
Dois fatores explicam essa grave situação, o primeiro e mais importante é o peso da extrema direita no Brasil, que segue sendo imenso e jamais deve ser subestimado, principalmente pelo fato de terem a máquina estatal a seu serviço, usada nesse momento a todo vapor para compra de votos institucional. Os candidatos ao governo que foram vitoriosos do eixo centro sul, que envolve, Mato Grosso, Goiás, Brasília, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro e Paraná estão todos com Bolsonaro. A maior bancada da câmara de deputados é do partido do presidente da república e dos 27 senadores eleitos, 20 são apoiadores de Bolsonaro. O vice Hamilton Mourão, mais cinco ministros vão compor a bancada.
Bolsonaro fala que o Brasil vai bem na propaganda, mas decretou um estado de emergência para furar o teto de gastos e despejar sobre o povo mais pobre medidas que visam ganhar o apoio da massa que sempre votou em Lula. Agora no segundo turno já está anunciando novas medidas eleitoreiras, que envolve o pagamento de 13º de auxílio para mulheres e antecipação do pagamento do auxílio para antes do dia 30 de outubro. Os próximos dias vão valer décadas, numa situação de absoluta gravidade e de ofensiva da extrema direita para virar a eleição no qual as consequências poderão ser desastrosas para os direitos do povo trabalhador, bem como para a existência de margem democrática para a sobrevivência política da esquerda brasileira.
O segundo fator que explica a situação que estamos é a mais impressionante irresponsabilidade de setores da esquerda brasileira (moderados e radicais) que na prática menosprezam os perigos do avanço neofascista no Brasil para priorizar projetos eleitoreiros e/ou de autoconstrução absolutamente inúteis para responder o momento ameaçador no qual vivemos. Assistimos Ciro Gomes e o PDT lançando durante a campanha uma agressiva ofensiva contra Lula e o PT, fortalecendo o antipetismo despolitizado na sociedade e gerando peças publicitárias que estão sendo usadas fartamente pela extrema direita para tentar desmoralizar a campanha de Lula. A política equivocada de Ciro foi tão bem implementada que gerou a migração de parte de seus próprios eleitores para votar em Bolsonaro, numa especie de voto útil a direita para evitar a eleição de Lula no 1º turno.
O seu pronunciamento dizendo que vai acompanhar a posição do PDT, sem nem mesmo citar o nome de Lula, é a expressão do seu fracasso como político que quer verdadeiramente enfrentar a extrema direita. Posição que não é a mesma de muitos que o apoiaram e que conseguem perceber para além do seu próprio líder o perigo que está a nossa frente. Esperamos que os eleitores de Ciro que não foram completamente envenenados pelo seu discurso insano contra Lula, possam ser em número suficiente para evitar a tragédia, embora hoje por hoje, não podemos aferir e nem ter certeza o quanto de votos o PDT vai conseguir transferir para Lula. Pois com essa política o PDT diminuiu a sua bancada de deputados, perdeu o governo do Ceará e Ciro Gomes teve a pior votação da sua história de candidaturas a presidente da república. Para fazer justiça, se compararmos, a candidata Simone Tebet deu uma declaração muito mais contundente e categórica em apoio a Lula do que fez Ciro, que pela sua postura mereceu o castigo de ficar em quarto lugar atrás de Tebet na disputa presidencial.
PARTE DA ESQUERDA RADICAL TAMBÉM SE LOCALIZOU MAL NA DISPUTA ELEITORAL…
Além das candidaturas de Lula e Ciro Gomes, que compõe um setor da esquerda mais moderado, houve nessa eleição três candidaturas de partidos caracterizados como esquerda radical, cujo suas direções optaram por se autoproclamar os únicos revolucionários, criticando e classificando de maneira bastante sectária de conciliadores qualquer organização que optou em apoiar Lula no primeiro turno. Construindo uma campanha que dialogou somente dentro de suas microbolhas, impedindo que sua aguerrida militância e simpatizantes pudessem entrar na luta e debate real contra o neofascismo durante a campanha eleitoral.
Hoje quando ouvem essa crítica, tentam inutilmente argumentar que o seu resultado eleitoral não faria diferença na disputa no primeiro turno. Mas vejam, já sabiam então antes de lançar suas candidaturas que seus números eleitorais seriam insignificantes ao ponto de serem indiferentes na disputa eleitoral contra a extrema direita? Pois bem, não se trata de saber quantos votos tiveram para calcular o tamanho de suas responsabilidades, não importa o tamanho do alcance, mas sim a posição dessas organizações num momento decisivo da história. A soma dos votos das candidaturas de Ciro Gomes, do PSTU, UP e PCB daria uma segura vitória a Lula no 1º turno, e evitaria uma segunda chance para a extrema direita disputar a reeleição. Na pratica o lançamento dessas candidaturas expressou uma fragmentação da esquerda, uma votação pífia, pouquíssimo alcance social na apresentação de seus projetos e em certos casos incidiu negativamente em disputas decisivas. Como no Rio Grande do Sul, no qual o candidato do PT, ficou de fora do segundo turno por uma margem de votos mínima, bem menor que a soma dos votos das candidaturas do PCB e PSTU.
Após o resultado do primeiro turno, todas as organizações de esquerda (reformistas e revolucionários) estão sendo obrigadas a chamar voto em Lula, uma posição retardatária, diante de um segundo turno que poderia ser evitado e que agora não possui favoritos. Trata-se de uma nova eleição no qual Bolsonaro reúne um poderoso arco de alianças com setores do capital que vão jogar pesado para reverter votos de Lula e aumentar a sua votação nas regiões que já foram bem votados. Isso significa que o apoio a Lula não pode ser formal, é preciso que a militância de todas as organizações de esquerda entrem pra valer num profundo, sistemático e permanente trabalho de base nos locais de trabalho, escolas, bairros, comunidades, nas redes e nas ruas para ampliar a votação que Lula teve no primeiro turno e derrotar Bolsonaro.
O PSOL ACERTOU EM APOIAR LULA, SAIU MAIS FORTE E COM MAIS RESPONSABILIDADES!
O Psol antes desse processo eleitoral passou por uma desgastante e profunda discussão interna sobre o seu posicionamento diante da candidatura à presidência da república. Prevaleceu uma posição majoritária, ainda que apertada, de apoio a Lula já no primeiro turno. Essa posição não foi construída sem atritos e conflitos internos, que abalou relações entre suas correntes, no qual um setor minoritário chegou organizar uma fração publica que se recusou apoiar Lula, apoiando candidaturas menores. A posição majoritária de apoio a Lula no primeiro turno foi taxada de todo tipo de caracterização absurda e desqualificada, e tinha como base uma análise equivocada e impressionista de que Bolsonaro seria facilmente derrotado e que a dinâmica de ascensão do neofascismo teria se revertido.
Pensem e sejamos sinceros entre nós. Após tudo que passamos nessa eleição e dos resultados do primeiro turno, quais as consequências para o Psol, se a posição interna de lançar Glauber Braga candidato a presidente tivesse sido vitoriosa? Além de nos retirarmos da luta direta contra a extrema direita, teríamos também uma votação pífia. Perderíamos a chance de apresentar nossas propostas e programa para uma ampla massa de trabalhadores, Glauber jogaria no lixo o seu excelente mandato e provavelmente a bancada eleita teria sido menor.
O Psol aumentou sua bancada de federais e de deputados estaduais pelo país, teve Guilherme Boulos como o candidato a deputado federal mais bem votado no maior colégio eleitoral do país, elegeu as primeiras candidatas trans ao congresso nacional, elegeu mulheres negras, indígenas e fortaleceu várias figuras públicas. O fato de estar em unidade com a candidatura de Lula, não impediu que apresentássemos um programa anticapitalista bem mais à esquerda que o próprio PT. Não jogamos nossas diferenças para de baixo do tapete, não excluímos as exigências e críticas, e mais do que isso, conseguimos dialogar com nossas propostas com uma ampla camada da classe trabalhadora, dos movimentos sociais e da juventude brasileira. Indiscutivelmente o Psol sai mais forte dessa eleição e com mais responsabilidades na luta política que vamos travar nesse segundo turno.
A DIREÇÃO DO PT PRECISA APOSTAR MAIS EM CAMPANHA DE RUA E MENOS EM REUNIÃO DE CÚPULA…
Para defender os eleitores já conquistados da ofensiva bolsonarista, arrastar os votos de Ciro, Tebet e indecisos, como também ampliar a votação de Lula para vencer eleitoralmente a extrema direita, vai ser preciso mais campanha de rua, do que reunião de cúpula. Será necessário também apresentar propostas que são de interesse do povo trabalhador que sofre com o desemprego, endividamento, inflação e baixos salários. Como também é preciso ter coragem e ousadia para expor com firmeza a responsabilidade do atual governo em trazer o país novamente para o mapa da fome, seu envolvimento com corrupção, o movimento anti vacina, a relação com as milicias, com o golpismo, a ameaça ao meio ambiente e etc…
A direção do PT não pode jogar parado administrando vantagem, não pode faltar material de campanha, não podemos abrir mão da organização de base, é preciso avançar de maneira planejada sobre os bairros, é preciso envolver ativistas de todos os partidos pró-lula e ativistas independentes. É possível mobilizar ainda mais o Nordeste que tem potencial de fornecer ainda mais votos para a vitória de Lula, como também é absolutamente necessário potencializar os focos de resistência no centro sul para diminuir ainda mais a diferença de votos com Bolsonaro.
O PT não pode ficar refém das exigências do capital que torceram pelo segundo turno para poder negociar em melhores condições algum apoio a Lula, e isso só é possível se garantirmos uma ampla mobilização social nas redes e nas ruas para alcançar uma vitória independente de qualquer apoio das frações burguesas.
A EXTREMA DIREITA NO BRASIL ESTÁ EM FRANCO DESENVOLVIMENTO…
Mais uma vez, nessa disputa no segundo turno, não há favoritos, o bolsonarismo lidera um espectro social poderoso, que vai jogar dentro e fora da legalidade para conseguir a reeleição. Conta com frações burguesas muito ricas e controla uma máquina estatal gigante que consegue mover milhões. A extrema direita no Brasil está em desenvolvimento e dinâmica de ascensão, estão ganhando terreno ideológico, apresentam forte capacidade de mobilização, e contam com uma articulação que envolve grandes igrejas, forças de segurança, mineradoras, agronegócios, organizações milicianas e uma classe média cada vez mais fanatizada.
A luta para derrotar o bolsonarismo eleitoralmente precisa ser encarada como a batalha mais importante de nossa geração, que em caso de derrota, as consequências serão incalculáveis, e poderá trazer a possibilidade de um revés histórico para a esquerda brasileira que pode durar décadas. Aprofundando o fechamento do regime, diminuindo o espaço democrático para as lutas sociais. Bem como estará colocado com mais facilidade o saque das riquezas, do patrimônio público e recursos naturais do país, vai consolidar nossa condição de país agrário exportador, precarizando ainda mais o valor da mão de obra e dando um salto na concentração de renda e na desigualdade social.
Nem mesmo a possível vitória de Lula deve ser interpretada como o fim da extrema direita no Brasil, pelo contrário, hoje por hoje, o bolsonarismo se derrotado, vai liderar uma oposição diante de um possível governo Lula. Numa correlação de forças difícil no congresso nacional para os trabalhadores e numa situação na qual, mesmo perdendo as eleições, a extrema direita vai seguir se desenvolvendo, e a polarização, a luta política e ideológica não terá um minuto de paz nos próximos anos. Eles vieram para ficar, e toda a esquerda brasileira precisa entender de uma vez por todas que estamos numa guerra de longa duração que vai consumir gerações de maneira muito mais intensa e perigosa.
* Gibran Jordão é da direção nacional da Resistência/PSOL
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