Chile se enfrenta neste próximo domingo, 4 de setembro de 2022, a uma encruzilhada histórica, a ratificação de um novo texto constitucional, que é a culminação de um processo político social originado na explosão social de outubro de 2019, que fez com que o estado burguês utilizasse os mecanismos democráticos para conduzir o processo social às urnas, para decidir se o povo chileno desejava uma nova constituição e quem deveria escrevê-la. Dessa forma, uma votação contundente de 78% votou por uma “nova constituição” e que fosse redigida por uma convenção constitucional 100% eleita pelo voto popular. Assim, a luta nas ruas foi desviada para as urnas e, mesmo nelas, a classe trabalhadora manteve sua unidade ao eleger aos e às convencionais, com paridade de gênero, com assentos reservados para os povos originários e com chapas de independentes, que foram construídas pelos movimentos sociais que resistiam. Conseguiu-se, dessa forma, eleger um percentual importante dos/as 155 constituintes, ficando assim expressada a diversidade dos habitantes do território, denominado Chile e das nações que se encontram dentro dele, para redigir este texto de nova constituição que neste plebiscito de saída deve-se aprovar ou rechaçar.
Cada uma das normas e artigos que nele estão, foram aprovadas por 2/3 dos/das constituintes, ou seja, pelo menos 103 constituintes em sessão plenária aprovaram todos e cada um desses artigos que hoje compõem o texto definitivo e suas normas transitórias, para sua implementação. Nelas, encontramos definições de um Estado Social, Democrático, Paritário, Solidário e plurinacional, com ênfase na proteção dos direitos humanos e sociais, educação, saúde, seguridade social, moradia digna, enfim, direitos fundamentais, em especial das mulheres, e o direito a decidir sobre seu corpo e ao aborto, assim como a uma educação sexual integral. Direitos dos trabalhadores e trabalhadoras (destaque-se a restituição do direito de greve e de sindicalização irrestritos e da negociação coletiva por categoria liderada pelos sindicatos), assim como o direito da natureza e dos animais. Trata-se ´portanto, de uma Constituição humanista, ecologista, que respeita os povos originários preexistentes, a diversidade e é inclusiva em seu espectro mais amplo. Introduz profundas transformações no âmbito do sistema de governo, do parlamento, de justiça, reconhecendo a justiça dos povos originários, derivada de seus costumes, provoca a descentralização efetiva em suas regiões e municípios, promove a autonomia, territorial, administrativa, política e econômica.
No entanto, tem deficiências no âmbito econômico e de utilização dos bens naturais, especialmente aos relacionados à mineração e sua exploração pelas grandes empresas nacionais e internacionais, ainda que se deva destacar neste sentido a declaração com relação ao fato que a água é um bem comum que não pode ser apropriada por entes privados e seu uso preferencial para as pessoas, comunidades, animais e para a soberania alimentaria. O que se sobreporá à sua privatização que existe até o dia de hoje e que continuará se esta constituição for rechaçada. Sobre o tema da água, ressalte-se que o Chile tem a pior situação de estresse hídrico na América Latina.
Por outro lado, mantém o caráter das Forças Armadas, como até hoje, não conseguindo avançar em uma visão distinta a esse respeito, que permita assegurar o respeito irrestrito dos direitos humanos por parte de seus integrantes, inclusive o direito de não cumprir ordens ilegais e/ou imorais e a forma de atuar frente àqueles/as que se manifestam por seus direitos, pois estes direitos sempre acabam sendo violados.
Bem, neste domingo nos enfrentamos a esta encruzilhada e estes últimos 60 dias foram frenéticos: por um lado, a direita e suas variantes Ultras, assim como as tradicionais e setores de centro, levaram a cabo uma campanha desde que ficaram em minoria na Convenção. Realizaram uma campanha persistente pelo rechaço, com fake news e mentiras, utilizando todo o seu poder econômico, comunicacional por mais de um ano para convencer a população como é ruim esta nova constituição. Dizem que, ao rechaçá-la, se teria a possibilidade de fazer outra melhor. Nada dizem sobre o fato de que continuaria vigente a constituição de Pinochet e da ditadura, com seus obstáculos, que nos governa há mais de 40 anos, mantendo seus privilégios.
Por outro lado, os que estamos a favor do Apruebo, em suas mais diversas variantes, realizaram uma campanha com força e esperança e fé em um caminho transformador, paulatino e gradual, que, em primeiro lugar, nos permita enterrar a constituição de 1980 e começar um novo processo de transformações e lutas que nos leve a construir um novo Chile, a partir do que foi escrito pelos/as constituintes, mas que, sem dúvida, devemos, a partir das ruas e das lutas que realizamos, aprofundar e nos mobilizar para isso.
Deveremos nos mobilizar como ontem, dia 1/9, ao término da campanha do Apruebo, com a participação de muitas milhares de pessoas, na Alameda de Santiago do Chile, a capital do país , aquela Alameda, que Allende assinalou que seria por onde passaríamos para construir um novo Chile, que deve ser com socialismo. Esse ato emocionou a todas e todos neste final de campanha, o que faz com que possamos vislumbrar um triunfo neste 4 de setembro, como o triunfo que obteve Allende e a Unidade Popular, em um 4 de setembro, mas de 1970.
Sem dúvida, queremos vencer, queremos um novo triunfo popular como aquele de 1970, mas desta vez devemos nos preparar para defendê-lo, para aprofundá-lo, para nos mobilizar contra aqueles que querem nos arrebatar nosso futuro, de nossos filhos e de nossa classe, a classe trabalhadora.
¡¡¡¡APROBAR LA NUEVA CONSTITUCION, PARA SEGUIR LUCHANDO!!!!
* Raul Devia Ilabaca é advogado e ativista social chileno.
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