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MUNDO

Começa o governo de Boric, estudantes se mobilizam e a repressão continua

Raul Devia*
Reprodução/Los40

Marcha protagonizada por estudantes chilenos no último dia 25

Há pouco mais de duas semanas, no dia 11 de março deste ano, assumiu a Presidência do Chile, Gabriel Boric Font, de 36 anos, militante de Convergência Social, cuja frente eleitoral foi Apruebo dignidad. A seguir, Boric somou à sua base eleitoral partidos da velha Concertación autodenominados “Socialismo democrático”, principalmente ao Partido Socialista, o que lhe deu uma vitória gigantesca no segundo turno, obtendo mais de 4 milhões de votos.

Com isso, instalou-se no governo uma mudança geracional na Presidência, o mais jovem na história do país, e feminista, pois de 24 ministros, 14 são mulheres, como também entre eles, 3 são da diversidade sexual. Isto é, sem dúvida nenhuma, muito simbólico e progressivo. Sua base política e programática é dada por um pacto de Governo mais amplo. Este vai desde os novos partidos que surgiram a partir da mobilização estudantil de 2011, Revolución Democrática, Convergencia Social e Comunes, a denominada Frente Ampla, aos que se uniram em Apruebo Dignidad o velho Partido Comunista, Acción Humanista e outros movimentos políticos pequenos. Que, depois do primeiro turno, suavizam e desaceleram as propostas programáticas transformadoras que convocaram a cidadania do Chile a eleger Boric, derrotando a Ultradireita representada pelo derrotado Kast.

Mas esta mudança é somente parcial, pois uma parte importante dos ministros e cargos públicos foram assumidos pelos militantes do Partido Socialista, que estiveram nos governo anteriores da Concertación de Partidos Políticos por la Democracia. Um claro exemplo é o de Mario Marcel, economista, nomeado Presidente do Banco Central, que define as políticas econômicas, pela ex-Presidenta Michelle Bachelet em seu segundo mandato e ratificado no cargo pelo ex-Presidente Sebastián Piñera há um ano. Marcel renuncia a esse cargo em março deste ano, para assumir como Ministro da Fazenda no governo de Boric, com todas as implicações que isso tem com relação a que não “eram 30 pesos, eram 30 anos[1].

Por isso os estudantes secundaristas e os universitários chamaram hoje a uma nova jornada de manifestações dos estudantes, que têm ocupado a Alameda [2]: ontem, pelos casos de assédio e abuso que foram tornados públicos em distintos colégios da capital. E hoje, de forma oficial, a Confederación de Estudiantes de Chile, Confech, chamou a uma paralização nacional pelo tema das bolsas de alimentação Junaeb [3]. Seu montante mensal atual é de $32.000 e foi mantido congelado durante dez anos, deixando milhares de alunos com o gasto máximo de 1.600 pesos por dia para bancar sua alimentação.

Agora, “No son 32 Lucas, son 32 años” [4], reclamam a partir das redes sociais: “hoje em dia, ninguém almoça com mil e seiscentos pesos”.

A primeira manifestação estudantil oficial no governo do presidente Gabriel Boric tem como motivos a dignidade na educação, a libertação dos presos do “estallido social”  [5] e, principalmente, a exigência de um aumento nas Bolsas BAES (de Alimentação para o Ensino Superior).

A primeira manifestação estudantil oficial no governo do presidente Gabriel Boric tem como motivos a dignidade na educação, a libertação dos presos do “estallido social”  [5] e, principalmente, a exigência de um aumento nas Bolsas BAES (de Alimentação para o Ensino Superior).

Nessa mesma linha, também é exigida a renúncia do diretor da Junaeb), Jaime Tohá, que provém do governo anterior.

Noemí Quintana, presidenta da Federação de Estudantes da Universidade de Santiago e porta-voz da Confech, declarou, quando anunciaram a paralização, que a mobilização é a forma que têm para pressionar as autoridades e conseguir este aumento na bolsa de alimentação. A reivindicação concreta é que ela seja fixada em Unidades de Fomento [6], com um piso base de 2 UF (equivalente hoje a cerca de 63 mil pesos), que seja retroativa aos meses de janeiro e fevereiro e, além disso, que sejam estendidos os lugares para sua utilização.

Por sua parte, a Confech também se reuniu nesta segunda-feira, com o ministro de Educação, Marco Antonio Ávila, para abordar os temas que consideram que continuam pendentes, como o perdão [das dívidas] do Crédito com Aval do Estado, CAE (uma promessa de campanha de Boric, mantida inclusive após sua eleição), a ampliação da gratuidade e uma educação não sexista. Nestes pontos, pedem que possam ser organizadas mesas de trabalho com o Ministério de Educação.

A resposta dos Carabineiros de Chile (polícia nacional militarizada), novamente, foi a repressão violenta dos manifestantes, do começo ao fim das manifestações, como sempre com consequências trágicas: um policial de trânsito, frente a uns vinte jovens que o repreendiam e ao ver, “supostamente”, ameaçada sua vida, fez uso de sua arma, disparando ao chão e o ricocheteio da bala feriu com gravidade um jovem manifestante, sem que corra perigo de vida. Por outro lado, no distrito de Estación Central, ao final das manifestações, um grupo de Vendedores Ambulantes, organizados, (um deles foi visto empunhando uma arma), se enfrentou com os estudantes mobilizados e os agrediram com pedaços de pau e nesse conflito caiu um jovem secundarista, que sofreu agressões diretas, com pés e punhos, assim como golpes de porrete, que o deixam com sequelas graves, estando ainda hospitalizado e em risco vital.

A resposta do novo governo foi inicialmente lenta e ineficaz na hora de responder adequadamente à repressão. Somente solicitou um inquérito administrativo com relação à situação vivenciada pelo policial de trânsito. Nada disse, de forma clara com respeito à violência policial. Nem ao menos destituiu o Diretor-Geral de Carabineiros de Chile, General Yañez, que está no cargo desde o governo anterior, responsável pelas graves violações aos direitos humanos durante o estallido.  

Sua promessa de campanha de terminar com os Carabineiros do Chile transformou-se primeiro em refundação e agora reformulação, ou seja, nada mudou nesse sentido no Chile. Hoje, terça-feira, dia 29, a Ministra do Interior, Iskia Siches, junto com o seu Subsecretário e o Ministro de Economia, compareceram a uma reunião com o General Marcelo Araya de Carabineiros; depois, foi à Escola de Suboficiais de Carabineiros reunir-se com o Diretor-Geral de Carabineiros e com o policial envolvido no disparo ao manifestante. Em ambas as reuniões, a Ministra Siches deu o apoio do governo à polícia, o que é sinal ainda pior para o povo mobilizado. 

É a ponta do iceberg: há pouco mais de duas semanas de assumir o governo, não se vê uma decisão contundente frente à atuação dos “Pacos” [7] . Serão verdadeiramente reformulados, refundados ou se terminará com esta polícia, formada à sombra da política do “Inimigo Interno”? Será dada preponderância ao direito constitucional de manifestação ou será mantido o “Estado de Direito” e a “Segurança Pública” da constituição da ditadura, a que estão acostumadas as polícias?

Bem, esse é o dilema do novo governo e nesse dilema estão enfrentados alguns membros do governo. Por exemplo, a Ministra de Bens nacionais, Javiera Toro, que provém do movimento estudantil, ao passo que o Subsecretário do Interior na Segurança Pública provém da velha Concertación. Este último já esteve nesse cargo no último governo de Bachelet, que reprimiu estudantes e trabalhadores e o povo mapuche. Agora veremos na realidade como se comportará este governo de novo tom com relação aos movimentos sociais que pretendam se manifestar e se utilizar do direito constitucional para isso. 

Não à repressão! Responsabilização dos policiais envolvidos, demissão do Comando e do Diretor-Geral de Carabineiros! Fim de Carabineiros! 

Educação gratuita, estatal e não sexista!!

A obrigação dos ministros, começando pelo Ministro da Fazenda Mario Marcel é a de cumprir o programa de governo, perdoando imediatamente a dívida estudantil da CAE!!

Liberdade aos presos políticos da revolta e mapuches!

*Raul Devia é um sindicalista chileno, advogado trabalhista e ativista socialista do Partido Comunes (Frente Ampla)

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