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BRASIL

CPF cancelado: por que decidiram não capturar Lázaro vivo?

Euclides Braga Neto, de Fortaleza-CE.

Fazendo uso de uma expressão típica de milicianos do Rio de Janeiro para denominar execuções, Jair Bolsonaro não tardou em comemorar a morte de Lázaro Barbosa nas redes sociais, nesta segunda-feira, 28 de junho: “CPF Cancelado!”.

Depois de 20 dias escondido na região entre a Zona Rural de Ceilândia, no Distrito Federal, onde foi acusado de assassinar uma família de quatro pessoas; e o município de Cocalzinho de Goiás, onde foi acusado de matar um caseiro no distrito de Girassol; Lázaro Barbosa foi encontrado e morto em Águas Lindas de Goiás.

A perseguição mobilizou as polícias Militar e Civil do Distrito Federal e de Goiás, as polícias Federal e Rodoviária Federal, a Diretoria Penitenciária de Operações Especiais, o Corpo de Bombeiros e até a Casa Militar do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), somando um contingente de mais de 250 agentes, dezenas de carros, três helicópteros; enfim, uma megaoperação que somou um gasto estimado de R$ 3 milhões.

Execução como espetáculo

Segundo dados das próprias forças de segurança, os policiais que participaram do cerco a Lázaro Barbosa, em Águas Lindas de Goiás, dispararam 125 vezes. Destes disparos, 38 atingiram Lázaro; dos quais, pelo menos, 15 perfuraram seu peito e rosto, o que pode indicar tiros a curtíssima distância. Segundo informações do secretário de Segurança Pública de Goiás, Rodney Miranda, o suposto confronto se deu porque ele teria descarregado contra os policiais uma pistola .380 e disparado seis tiros de um revólver 38. Detalhes não menos importantes: foram ainda encontrados com Lázaro uma balaclava (capuz, comum em operações policiais) e um casaco da Polícia Militar do Distrito Federal.

Vários jornalistas e especialistas em segurança pública questionam o fato de o corpo de Lázaro ter sido retirado do local do suposto confronto, na medida em que ele já estaria morto. No entanto, essa é uma prática comum dos cercos policiais que resultam em mortes, como demonstrou a chacina do Jacarezinho. Retirar corpos do local, com a “boa intenção” de prestar socorro médico, impede a realização de uma perícia que possa apontar as condições reais da morte e comprovar se houve confronto ou se tratou de uma execução.

Estamos falando de uma grave suspeita de execução. É praticamente impossível que alguém que seja alvejado com 38 perfurações a bala, boa parte no peito e no rosto, possa ser retirado da cena do suposto confronto e levado com vida para um hospital. Não precisa ser especialista em segurança pública para suspeitar, embasado em fortes evidências, que Lázaro Barbosa foi executado. Também não precisa ser especialista em segurança pública para supor que, se quisessem prendê-lo vivo, teriam disparado nas suas pernas com o simples objetivo de impedir uma possível fuga.

Pena de morte não declarada

Se chacinas executadas pela polícia, como a do Jacarezinho, são ovacionadas por Bolsonaro e inúmeros políticos de direita, a exemplo do atual governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PSC), como ações normais de combate ao crime, imagine o assassinato de um tipo como Lázaro Barbosa?

A rigor, a execução de Lázaro representa apenas mais um episódio que confirma a existência da pena de morte no Brasil, ainda que ela não seja legal, e o reconhecimento tácito da Polícia Militar como força de “justiçamento” e execução sumária.

Toda a comemoração dos “homens e mulheres de bem” com a morte de Lázaro serve fundamentalmente para jogar água no moinho de uma pena de morte oficiosa, cada vez mais naturalizada pelo governo Bolsonaro, por seus aliados e desafetos da extrema-direita e da direita. Para todos eles, tiro, porrada e bomba expressam a única política de segurança pública possível.

Por isso, os autodenominados “heróis” das forças de segurança são incentivados a matar qualquer suspeito, como vêm fazendo há anos com a juventude preta e pobre nas periferias das grandes cidades. Não nos enganemos: a execução de Lázaro não servirá para amedrontar criminosos violentos, mas será bastante útil para justificar chacinas como a do Jacarezinho.

Queima de arquivo?

Aos poucos vai se desfazendo a ficção de que Lázaro Barbosa era um assassino em série, uma espécie de lobo solitário, envolvido com “magia negra”. Por conta dessa invenção estapafúrdia, terreiros de religiões de matriz africana localizados no entorno da região das buscas por Lázaro foram invadidos e depredados, bem como praticantes destas religiões intimidados pela polícia.

Tata Ngunzetala, que participa da organização de mais de 30 terreiros de religiões de matriz africana na região, relatou ao Estadão, em 19 de junho: “Estamos sofrendo, neste momento estou falando pela dor de muitas casas, sofrendo invasões constantes de polícias de vários comandos, não dá nem para saber qual, violando nossos sagrados, colocando rifles na nossa cabeça sob acusação de que estamos acobertando o Lázaro”.

As verdadeiras motivações do suposto assassino em série são bem mais terrenas e ajudam a explicar, inclusive, o porquê da sua possível execução. Junto com Lázaro, foram encontrados R$ 4,4 mil e um telefone celular. E não menos importante, a própria polícia prendeu o fazendeiro Elmi Caetano Evangelista, suspeito de dar guarida a Lázaro e fornecer pistas falsas sobre o seu paradeiro, enquanto se escondia em sua fazenda.

Não prender Lázaro foi uma escolha. O que leva à forte suspeita de queima de arquivo.

Pelo Twitter, o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, questionou: “1) Por que uma equipe da Casa Militar achou Lázaro enquanto uma Força Tarefa de Polícias não? 2) Ele integra uma quadrilha que queria tomar chácaras e fazendas na região? 3) Houve perícia ou isolamento de local? Sua morte evitará o aprofundamento das investigações?”.

São bem consistentes, portanto, as suspeitas de que Lázaro agia como jagunço de fazendeiros envolvidos com a grilagem de terras na região. Elmi Caetano Evangelista, preso como coiteiro do Lázaro, pode ser apenas a ponta do iceberg de uma organização criminosa que visava expulsar com métodos de terror os pequenos proprietários da região ou forçá-los a vender suas terras a preço de banana.

Não prender Lázaro foi uma escolha. O que leva à forte suspeita de queima de arquivo. Em isso se confirmando, as forças policiais podem ter atuado para impedir que Lázaro vivo abrisse a boca sobre seus verdadeiros patrões.

Como afirmou o teólogo Ronilso Pacheco no Twitter: “Há muitos lázaros na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Eles expulsam moradores, exploram comerciantes locais, fazem construções ilegais, torturam e assassinam que os desobedecem… todo dia. Eles também participam de “motosseata” com o presidente Bolsonaro e seus filhos, e tá tudo certo”.

Investigar até o final

A morte de Lázaro Barbosa não deve representar o final dessa história. A bem da verdade, pode ser apenas um episódio que confirme a existência de um criminoso esquema de grilagem de terras na região. Se os possíveis patrões de Lázaro seguirem impunes, não tardará que mais cedo ou mais tarde encontrem outros lázaros para fazer o serviço sujo de tocar o terror contra os pequenos proprietários de terra na mesma região.

Organizações democráticas, como a Ordem dos Advogados do Brasil e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, devem cerrar fileiras ao lado dos movimentos da agricultura familiar e demais movimentos sociais, sindicatos e partidos de esquerda de Goiás, do Distrito Federal e de todo o país para exigir uma rigorosa investigação, que tenha por objetivo encontrar, prender, processar e condenar aqueles que deram guarida, forneceram armas, dinheiro, equipamentos e inclusive roupas militares a Lázaro Barbosa.