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MOVIMENTO

Pela unidade da esquerda para derrotar Bolsonaro: uma resposta ao coletivo Juntos!

Brenda Marques e Thales L., da Coordenação Nacional do Afronte

No dia (09/06), os companheiros do coletivo Juntos escreveram um texto intitulado “A luta nas ruas e a construção de uma nova esquerda: uma polêmica com o Afronte, o qual apresentava uma discussão com a “Nota do Afronte! sobre o 19J: seguir nas ruas para derrotar Bolsonaro e salvar vidas”. Em primeiro lugar, queremos valorizar a iniciativa e o método. O confronto de ideias, de maneira pública e aberta, é fundamental para uma postura mais reflexiva por parte de todos que lutamos para transformar a dura realidade do país.

As nossas diferenças com o Juntos não são recentes e envolvem aspectos táticos, políticos e programáticos, mas neste texto vamos nos focar mais precisamente sobre a política para derrotar Bolsonaro. Conforme o que está desenvolvido nos dois textos, estamos de acordo com o fato de que há uma nova conjuntura no país, aberta pelos atos dos dias 13 e 29 de maio, que colocou melhores condições para a luta pela derrubada do governo. Também estamos de acordo com a necessidade de concretizar essa tarefa antes de 2022 e construir uma alternativa anticapitalista no país para enfrentar posições que buscam canalizar toda a insatisfação popular para o terreno eleitoral. A questão que nos divide é: como fazer? Com quais táticas e com qual política?

Vamos à polêmica:

A crítica que fizemos inicialmente ao Juntos e a outros movimentos em nosso texto foi motivada pela decisão dos companheiros, após o dia 29M, de construir uma assembleia autoproclamada que em sua convocatória dizia ser o espaço responsável pela decisão da próxima data da luta pelo Fora Bolsonaro, quando, na realidade, existe uma articulação nacional que envolve a Frente Povo Sem Medo, a Frente Brasil Popular, a UNE, a Coalizão Negra por Direitos e mais de 400 organizações entre centrais sindicais, movimentos populares e partidos da esquerda, que foi de onde de fato partiu a construção do 29M e agora do 19J.

Desde o início da pandemia, muitas organizações e grupos construíram mobilizações pontuais e atos simbólicos, que apesar de importantes não conseguiram minimamente responder à altura da gravidade da atual situação. Neste sentido, o sucesso do 29M foi fruto dessa grande unidade, que passou confiança para amplos setores, demonstrando na prática a capacidade de reação da esquerda organizada em um nível superior ao que havia sido feito até então.

Após uma série de críticas vindas de diferentes setores da esquerda, os companheiros do Juntos e as demais organizações que convocaram a assembleia paralela, recuaram na linha e afirmaram que aquele espaço não definiria nada sozinho. Ainda assim, a repercussão nas bases do movimento foi suficiente para gerar uma série de dúvidas e confusões no ativismo que está cada vez mais disposto a tomar às ruas, apesar da pandemia. É importante destacar também que estes mesmos setores tensionaram a construção dos atos do 29M em vários estados, sendo que em alguns lugares a própria unidade das manifestações esteve ameaçada, como foi o caso de Porto Alegre.

Nós do Afronte acreditamos que esse tipo de política enfraquece a luta contra a extrema-direita, porque rompe a unidade nacional da articulação pelo Fora Bolsonaro e busca se colocar acima dela. Esta posição também expressa algum nível de subestimação do governo, que apesar de enfraquecido mantém sua base neofascista mobilizada e acumula influência em braços armados do estado e organizações milicianas. Este é o sentido fundamental da crítica que inicialmente fizemos ao coletivo Juntos.

Apesar disso, em sua resposta, os companheiros trataram este tema de maneira superficial, e partiram para uma série de insinuações sobre a política do Afronte, a nossa linha de unidade e enfrentamento ao PT e as disputas entre a esquerda brasileira. A tese que o coletivo Juntos busca sustentar é que o Afronte tem capitulado ao PT em nome da unidade e abdicou da construção de uma alternativa anticapitalista, o que é escandalosamente falso. Vamos a algumas passagens do texto dos companheiros:

A lógica do coletivo durante todo o texto é a mesma: o enfrentamento do bolsonarismo exige unidade dos setores progressistas ou anti-bolsonaristas, que por sua vez, estão dirigidos pelo PT e pelo campo lulista. Para eles, em prol da unidade, podemos ser críticos à estratégia dos setores petistas no que tange a 2022, mas isso não significa que devemos buscar construir um pólo independente dessa estratégia […]
[…]
Essa concepção mostra um erro estratégico do Afronte. Não é de agora que suas posições têm colocado a mesma confusão entre a unidade de enfrentamento ao governo Bolsonaro e a diluição dos anticapitalistas em um projeto de esquerda há muito já degenerado.
[…]
Ou seja, não existe um problema de divisionismo no movimento, existe uma divergência de estratégia entre aqueles que querem seguir a luta até a queda do Bolsonaro e aqueles que querem enfraquecê-lo sem levar as mobilizações até a última consequência.

Para o Juntos, como podemos observar, a batalha pela frente única do movimento significa renunciar a construção de uma alternativa anticapitalista que busque superar o PT e sua estratégia de conciliação de classes, que hegemonizou a esquerda brasileira nos últimos 30 anos. Além disso, os companheiros sustentam que a sua decisão de construir um espaço paralelo para a preparação do 19J faz parte da batalha para construir um “pólo independente” do PT.

Este tipo de raciocínio, formal e sectário, não é novidade nas  elaborações do Juntos, e da corrente do PSOL que eles tomam como referência: o MES (Movimento Esquerda Socialista). De fundo, são elaborações contaminadas pelo antipetismo, que dentre outros fatores, foi responsável pelo apoio explícito do Juntos e do MES à operação lava-jato, no auge do golpe parlamentar contra Dilma em 2016. Segundo a posição dos companheiros, para superar o PT (que eles consideram uma organização já desmoralizada perante amplas parcelas da esquerda) vale tudo, inclusive romper fronteiras de classe e aplicar a unidade de ação com Sérgio Moro. É essa a lógica que segue imperando nas elaborações do Juntos no que diz respeito à disputa contra o petismo.

Nós do Afronte não temos dúvida de que o PT atua com uma política dupla no movimento. Enquanto o partido apoia oficialmente as manifestações, como foi o caso do 29M e agora o 19J, inclusive com a presença de sua presidente e outras lideranças, os diretórios de alguns estados se colocaram contra as manifestações e Lula não move esforços para potencializar a luta. Não há dúvida de que, para o ex-presidente, é mais confortável aguardar a eleição do ano que vem com Bolsonaro ainda mais desgastado. A grande questão é: como devemos enfrentar essa posição?

Diferente do que o Juntos propõe, construindo espaços separados, o Afronte busca dar essa batalha por dentro dos legítimos espaços da frente única, que reúnem o conjunto das organizações que estão empenhadas pelo Fora Bolsonaro, ainda que com estratégias diferentes. É desde esta localização que queremos disputar a centralidade da mobilização popular para derrotar a extrema-direita, seguindo o caminho já comprovado pelo ascenso antirracista nos EUA ou também a forte resistência contra o golpe na Bolívia, afinal, em que pese a importância da eleição do ano que vem, a batalha para enterrar o bolsonarismo seguirá além dela.

Além disso, na disputa com o PT, nós entendemos que vale mais uma política de exigências com o objetivo de disputar os setores mais à esquerda do partido, sua base e os ativistas que se referenciam em Lula e no PT (que segue sendo a maior direção da esquerda brasileira) para que estejam conosco nas ruas pelo Fora Bolsonaro antes de 2022, do que a política adotada pelo Juntos, que prioriza uma campanha de denúncias permanentes e pura agitação de diferenças que não convencem ninguém e não permite disputar esses ativistas e as suas conclusões sobre os limites estratégicos do PT.

E é por dentro desta unidade, em meio a polêmicas, enfrentamentos e disputas políticas que queremos afirmar o nosso projeto e construir uma alternativa anticapitalista no Brasil. O caminho do isolamento e da autoproclamação, que só dialoga e disputa quem já concorda conosco, é muito mais confortável mas não serve à disputa real dos rumos da esquerda.

Por fim, queremos destacar que Afronte tem o PSOL como um importante aliado e a sua principal referência na esquerda brasileira. Em 2020 elegemos três mandatos de jovens anticapitalistas em São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre por esse partido. Acreditamos que o PSOL aponta para o futuro da esquerda no país e tem o mérito de preservar vivo o programa da independência de classe e do socialismo, que o PT abandonou. Mas a dinâmica ascendente do partido nos últimos anos é justificada pela sua posição coerente de se afirmar por dentro da unidade da esquerda na luta contra a extrema-direita e seu projeto, não por fora dela ou apostando no antipetismo.

E é por isso que, em relação ao debate eleitoral, defendemos que a frente única que está se forjando nas lutas também esteja colocada no terreno eleitoral, a partir de um programa de esquerda, com medidas  de transformações estruturais e uma composição de organizações oriundas da classe trabalhadora e dos movimentos sociais. Diante disso, o nome de Lula aparece abertamente no debate, na medida em que ele é identificado pela esmagadora maioria da esquerda e além dela como o nome mais apto para derrotar Bolsonaro. Nós, diferentemente do que parece apontar o Juntos, não fechamos ainda uma tática eleitoral para as eleições do ano que vem. Nossa prioridade é a luta para derrubar o governo antes da eleição e interromper o genocídio em curso no Brasil.

Ainda assim, não pretendemos nos furtar desse debate e queremos disputar cada ativista sincero e preocupado com a derrota da extrema-direita para esse projeto. Mas o desfecho dessa disputa ainda não está dado e temos consciência da dimensão do enfrentamento que precisaremos dar. Nosso compromisso é com a luta pela unidade da esquerda nas lutas e nas eleições. Desta batalha não vamos nos omitir.