Duas semanas nos separam do primeiro turno das eleições municipais. No Brasil a luta eleitoral se concentra nestes últimos quinze dias, ou até menos. Viradas estonteantes de perder o fôlego podem acontecer. Mas essa incerteza gera a ilusão de que qualquer coisa pode acontecer. Não é assim. A luta política não é como o futebol. A luta eleitoral tem margens de indefinição, mas essa margem ela é relativa. As grandes tendências estão estabelecidas antes do início das campanhas.
Desde 2016 a classe dominante está na ofensiva e, nesse marco, em 2018 a extrema-direita atingiu o ápice de sua influência. Ao longo de 2020 o governo Bolsonaro foi acumulando um lento, mas contínuo desgaste, sobretudo, nas maiores regiões metropolitanas, mais acentuadamente no sudeste que no sul. No triângulo estratégico de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte candidatos bolsonaristas não deverão sequer chegar ao segundo turno.
Quem se fortaleceu mais foram as forças políticas que fazem a representação política tradicional da burguesia. O bloco PSDB/MDB/DEM e seus satélites. Não será uma surpresa a provável vitória de Kalil ainda no primeiro turno, e a presença de Covas e Eduardo Paes no segundo. Era previsível que fosse assim. O deslocamento do voto de Bolsonaro para a centro-direita responde ao movimento da própria classe dominante e das camadas médias e sua força de arraste.
Mas, embora a esquerda brasileira ainda esteja na defensiva, em função de um processo de acumulação de derrotas sociais e políticas da classe trabalhadora e dos oprimidos, ela não foi esmagada. Não ocorreu derrota histórica como em 1964. Houve uma derrota grave, mas a esquerda não foi destruída.
E dentro da esquerda as relações políticas de força entre PT, PSol e PCdB estão se alterando. Manuela D’Ávila deve conquistar posição no segundo turno em Porto Alegre, assim como Boulos em São Paulo e Edmílson Rodrigues em Belém. O PT disputa um lugar no segundo turno em Fortaleza, Recife e Vitória. Este desenlace tem uma história e ela deixou lições. Mas será que aprendemos algo com a derrota eleitoral de 2018?
Não perdemos porque o PSol lançou a candidatura de Boulos no primeiro turno. A candidatura de Boulos/Sonia Guajajara cumpriu um papel insubstituível para atrair para a esquerda uma nova geração de jovens que despertaram para a vida política depois de junho de 2013, e já não se identificavam com o PT como a geração mais madura.
O PSol foi porta-voz da necessidade de uma esquerda que expressa a luta do movimentos feminista e negro, dos povos indígenas e LGBT, do ambientalismo e cultural, da juventude e dos direitos humanos. Agregou forças, impulsionou o #elenão e, no segundo turno, esteve na primeira linha do vira-voto.
Não perdemos, tampouco, porque o PT insistiu em apresentar a candidatura de Lula até o último momento, mesmo ele estando preso. Essa decisão do PT foi legítima e essencial para garantir a transferência de votação para Fernando Haddad para garantir um segundo turno.
A situação política evoluiu de forma tão desfavorável entre 2016 e 2018 que a hipótese mais provável era, sobretudo depois do episódio da facada em Juiz de Fora, o perigo de não existir um segundo turno, portanto, uma vitória de Bolsonaro em condições ainda mais adversas.
Não perdemos porque Ciro Gomes não chegou ao segundo turno. A hipótese contrafactual que sustenta que Ciro Gomes poderia ter derrotado Bolsonaro é uma fantasia de desejo de quem não entendeu muito bem a derrotas que aconteceram desde o impeachment de Dilma Rousseff. Mas não perdemos, também, porque Ciro Gomes e o PDT se abstiveram de fazer a campanha por Fernando Haddad, embora essa decisão tenha sido obtusa. Foi a inversão geral da situação política que potencializou a vitória de Bolsonaro.
Mas tem uma imensa audiência na esquerda a ideia de que as massas votam, essencialmente, em pessoas, como se a luta política fosse um mercado eleitoral, e as candidaturas produtos. Esta percepção é ingênua. A questão decisiva não é o perfil das candidaturas, embora elas tenham o seu peso.
O que é decisivo na definição das disputas eleitorais é a variação nas relações sociais de força entre as classes que determina a conjuntura política. Mas esta variável exige uma análise em nível de abstração mais elevado, portanto, mais complexo. Quando prevalece a confiança em si mesma e nas suas lutas, as massas populares votam na esquerda. Mas quando o que predomina é a insegurança, o medo, a divisão e a confusão a direita abre o caminho.
Acontece que o vocabulário político oscila e flutua de acordo com a mudança nas relações sociais de força. Quando a situação política é reacionária tudo se desloca para a direita. Quando a situação é revolucionária tudo se desloca para a esquerda.
Interpretar que Márcio França seja de esquerda, seja qual for o sentido que se queira dar ao conceito, não é honesto. Márcio França foi um braço direito de Alckmin durante dez anos. Dez longos anos. O único argumento é que França mantém filiação ao PSB. Acontece que o PSB é uma legenda de aluguel. A prova irrefutável é que Paulo Skaf, o chefe da Fiesp, já usou o PSB. O próprio Ciro Gomes já passeou pelo PSB
A divulgação pública agora de reunião em setembro, portanto, há dois meses, entre Lula e Ciro Gomes foi interpretada por muitos na esquerda como positiva porque estaria sinalizando a possibilidade de um terreno de maior unidade na luta contra Bolsonaro. Trata-se de uma ilusão.
Ciro Gomes quer disputar com a esquerda o espaço da oposição a Bolsonaro, porque aposta que o Bloco PSDB/MDB/DEM chegará em 2022 desgastado pelo apoio crítico a Bolsonaro, assim como Alckmin chegou condenado em 2018 pelo apoio a Michel Temer. Ciro Gomes, como um malabarista camaleônico, quer apoio na esquerda mas sem romper pontes ou se indispor com o núcleo duro da burguesia paulista.
A divulgação do encontro com Lula foi uma manobra de Ciro Gomes. Ciro está interessado em diminuir a repulsa que acumulou na esquerda porque se recusou a participar da campanha contra Bolsonaro em 2018. Pretende ganhar simpatia do eleitorado de esquerda para Sarto em Fortaleza, Marta Rocha no Rio de Janeiro e Márcio França em São Paulo. Seu objetivo é explorar a ideia de que os candidatos que apoia devem ser empurrados para o segundo turno com voto útil porque são os que podem derrotar o Capitão Wagner, Eduardo Paes e Bruno Covas. Não merece confiança.
Márcio França, em um segundo turno, seria um sócio-parceiro fazendo “escada” para Covas.
Só Boulos/Erundina podem derrotar Russomano e representar a esquerda no 2º turno
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