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TEORIA

A resposta revolucionária para o problema do negro nos Estados Unidos (Parte 2)

C. L. R. James. Tradução: Maju Venâncio.

Marcha sobre Washington, em 1963

Apresentação

Neste texto publicado originalmente em 5 de julho 1948 C. L. R. James, militante revolucionário, escritor de Os Jacobinos Negros, traz uma lição teórica, programática e política ao sistematizar numa Resolução à décima terceira convenção do Partido Socialista dos Trabalhadores uma análise da questão negra no seu tempo. Como se trata de um documento extenso, apresentamos neste texto a segunda parte.
Boa leitura!


Lutas negras recentes

Muitas são as idéias que estão se movendo entre o povo negro. E não se trata apenas de abordar as conclusões do marxismo, à sua maneira instintiva, sob a bandeira dos direitos democráticos. Nos últimos dez ou quinze anos, vimos que o povo negro enfrentou tremendas lutas, significativas em si mesmas, mas ainda mais significativas como um sinal das possibilidades do que está por vir. Nós os vimos revoltar e irromper no Harlem1 em 1935. Vimos isso novamente em 1940, quando a “Marcha sobre Washington” explodiu e abalou a burguesia americana, particularmente o governo Roosevelt. Vimos também em Detroit e em várias outras cidades em 1943 e mais tarde. Vimos explodir recentemente na extraordinária ousadia do movimento Randolph-Reynolds2. E, finalmente e mais importante, no momento em que a burguesia americana apresentou sua organização mais poderosa e impôs sua força sobre o povo americano durante a guerra por meio da máquina militar burguesa americana, vimos indivíduos negros, grupos de negros, massas de negros atirando-se contra essa máquina com um desrespeito imprudente à sua segurança e situação pessoal, o que mostra as potencialidades revolucionárias que estão fervendo entre o povo negro.

Assim, nossa posição teórica, nossa análise da situação entre o povo negro – o que eles estão pensando – está embasada em evidências do que o povo negro tem feito.

Agora, podemos tirar disso uma das primeiras conclusões importantes. O movimento Randolph-Reynolds, a mera declaração de Reynolds e Randolph, causou uma enorme confusão nas fileiras da burguesia. Isso interrompeu a propaganda de mobilização da nação para entrar na guerra. Vocês também viram que isso atrapalhou seriamente a aprovação do importante projeto de lei no Congresso. E se não o que Randolph diz e o que Randolph propõe, mas se o que Randolph expressa pode encontrar a expressão organizacional que esperamos que encontre, então é certo que sob a bandeira dos direitos democráticos dos negros, pedindo apenas por um exército que não pratique a segregação , o povo negro terá um impacto fantástico, nacional e internacional, nos preparativos da burguesia americana para a guerra. É impossível negar isso.

Em segundo lugar, se olharmos para o que aconteceu após a “Marcha sobre Washington” e se olharmos novamente para o que ocorreu no Harlem após o levante de 1943, veremos que o povo negro, por sua atividade de massa independente e por sua determinação em obter seus direitos, deu fortes golpes em um ponto específico do Partido Democrata, a ligação entre o movimento trabalhista organizado e os reacionários do Sul.

Quando a história do Partido Democrata vier a ser escrita, e particularmente a história da dissolução do Partido Democrata, será visto que a luta dos negros independentes, o vigor com que os negros estão protestando, sua determinação em ganhar seus direitos sob a democracia burguesa americana, tem sido um dos meios mais poderosos de romper essa aliança antinatural entre o setor mais avançada da população – o movimento trabalhista organizado – e os reacionários do sul.

Um fator já poderoso

Sob a bandeira dos direitos democráticos dos negros, lutando puramente pelo que parecem ser objetivos limitados, o movimento negro independente está contribuindo para a libertação do proletariado da estrangulação do Partido Democrata e dando a ele uma oportunidade e a possibilidade de emergir como uma força política independente.

Esta é a nossa posição básica. Pode ser concretizada e terá que ser desenvolvida. Mas é evidente que não podemos considerar o movimento negro independente como episódico ou de pouca importância. Faz parte da vida política do país e, mais importante, é de fundamental importância para o desenvolvimento político do proletariado.

Porém, quando isso é dito – temos poucas dúvidas de que será aceito – surge para nós um problema muito importante.

Como bolcheviques, somos ciumentos não apenas teoricamente, mas na prática do papel central do movimento operário organizado em todas as lutas fundamentais contra o capitalismo. É por isso que, durante muitos anos no passado, essa posição sobre a questão racial teve certa dificuldade em ser completamente aceita, particularmente no movimento revolucionário, porque existe essa dificuldade – qual é a relação entre esse movimento e o papel principal do proletariado – sobretudo em razão de muitos negros, e os setores mais disciplinados, fortalecidos, treinados e altamente desenvolvidos dos negros, estarem hoje no movimento trabalhista organizado.

Proposições fundamentais

Agora, notemos primeiro que a resolução não vacila em um único grau sobre as proposições fundamentais. Afirma, por exemplo, que as lutas negras no sul não são meramente uma questão de lutas negras, por mais importantes que sejam. É uma questão de reorganização de todo o sistema agrícola nos Estados Unidos e, portanto, questão da revolução proletária e da reorganização da sociedade sobre bases socialistas.

Em segundo lugar, dizemos no sul que, embora a unidade embrionária entre brancos e negros no movimento trabalhista possa parecer pequena e haja dificuldades nos sindicatos, tal é a decadência da sociedade do sul e tal é o significado fundamental do proletariado, particularmente quando organizado em sindicatos, que este pequeno movimento deve desempenhar o papel decisivo nas inevitáveis lutas revolucionárias.

Em terceiro lugar, a resolução presta muito cuidado e atenção ao fato de que existem pelo menos 1 milhão e 25 mil negros no movimento trabalhista organizado.

Nessas posições fundamentais, não nos movemos uma única polegada. Não apenas não nos movemos, nós as fortalecemos.

Mas ainda resta a pergunta: qual é a relação do movimento de massas negra independente com o movimento trabalhista organizado? E aqui chegamos imediatamente ao que tem sido e será um aspecto muito intrigante, a menos que tenhamos evidente nossa posição fundamental.

Aqueles que acreditam que a questão dos negros é na realidade, pura e simplesmente, ou de forma decisiva, apenas uma questão de classe, apontaram com alegria o tremendo crescimento da quantidade de negros no movimento trabalhista organizado. Em poucos anos, cresceu de trezentos mil para um milhão; agora é um milhão e meio. Mas, para surpresa deles, em vez de diminuir e enfraquecer a luta do movimento negro independente, quanto mais os negros entraram no movimento trabalhista, quanto mais o capitalismo os incorporou na indústria, mais eles foram aceitos no movimento sindical. É durante esse período, desde 1940, que o movimento de massas independente eclodiu com uma força maior do que jamais havia mostrado antes.

Esse é o problema que temos que enfrentar, que temos que entender. Não podemos seguir em frente e não podemos nos explicar a menos que tenhamos isso muito evidente. E eu sei que há dificuldade com isso. Eu pretendo dedicar algum tempo a isso, porque se isso for resolvido, tudo estará resolvido. As outras dificuldades são incidentais. Se, no entanto, isso não estiver claro, estaremos continuamente enfrentando dificuldades que sem dúvida resolveremos a tempo, mas das quais deve ser função desta Convenção tentar nos livrar de uma vez.

Lenin lidou com esse problema e, na resolução, o citamos. Ele diz que a dialética da história é tal que pequenas nações independentes, pequenas nacionalidades, que são impotentes – entenda a palavra, por favor, impotentes – na luta contra o imperialismo, podem, no entanto, atuar como um dos fermentos que pode trazer à cena o real poder contra o imperialismo – o proletariado socialista.

Deixe-me repetir, por favor. Pequenos grupos, nações, nacionalidades, eles sozinhos impotentes contra o imperialismo, podem, no entanto, atuar como um dos fermentos que trará à cena a verdadeira força fundamental contra o capitalismo – o proletariado socialista.

Em outras palavras, como tantas vezes acontece do ponto de vista marxista, do ponto de vista da dialética, essa questão da liderança é muito complicada.

O que Lenin está dizendo é que, embora a força fundamental seja o proletariado, embora esses grupos sejam impotentes, embora o proletariado tenha que liderá-los, isso não significa que eles não possam fazer nada até que o proletariado realmente se apresentar para liderá-los. Ele diz exatamente o oposto.

Eles, por sua agitação, resistência e desenvolvimentos políticos que podem iniciar, podem ser os meios pelos quais o proletariado é trazido à cena.

Nem sempre, e nem toda vez, não é o único meio, mas um dos meios. É isso que precisamos elucidar.

LEIA A PARTE 1 DESTE TEXTO


NOTAS

1  Harlem é um bairro negro de Nova York. Em 1935 ocorreu uma onda de protestos e destruição de lojas e propriedades de brancos depois que um jovem negro e latino foi assassinado pelos seguranças de uma empresa.

2  Randolph-Reynold foi um movimento que reivindicou o fim da segregação racial nas forças armadas quando o debate esteve em pauta na sociedade por ocasião da II Guerra Mundial. Este movimento alcançou em 1941, uma proibição da discriminação nas indústrias militares e em 1948, uma Ordem Executiva mais ampla, proibindo a segregação nas forças armadas.