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CULTURA

Quem samba tem alegria. E quem faz o samba?

Bernardo Pilotto*, do Rio de Janeiro, RJ

“Quem samba tem alegria
Minha gente era triste, amargurada
Inventou a batucada
Pra deixar de padecer
Salve o prazer, salve o prazer”
(“Alegria” – Assis Valente / Durval Maia)

Quando Assis Valente tentou suicídio ao se jogar do Cristo Redentor, em 1941, o baiano radicado no Rio de Janeiro já era um artista conhecido, com músicas gravadas por artistas de sucesso na época, como Carmen Miranda, Moreira da Silva, Orlando Silva e O Bando da Lua.

A tentativa de suicídio de Assis, que não seria a única em sua vida, foi amplamente noticiada pelos jornais. Afinal de contas, quais seriam os motivos que levariam o compositor de grandes sucessos, como Brasil Pandeiro, Boas Festas, E O Mundo Não Se Acabou e Camisa Listrada a atentar contra a própria vida?

Nessa época, a depressão ainda não era diagnosticada como uma doença. Dessa forma, Assis seguiu sem nenhum tipo de tratamento, tentando suicídio em outras vezes, até conseguir se matar, em 1958, quando tinha 46 anos.

Assis Valente é mais um compositor brasileiro que é muito cantado, que tem muitas de suas músicas bastante gravadas por grandes artistas de sua época e também mais contemporâneos e que, infelizmente, é pouquíssimo conhecido. E a história dele tem ainda outros elementos para refletirmos.

Apesar de uma aparência de felicidade, a vida desse artista era vazia, sem amizades verdadeiras, envoltos por falsos bajuladores, sem condições de ter uma vida financeira sadia e/ou estável. Autor de muitas músicas que falavam de alegria e artista mais gravado por Carmen Miranda, também identificada com essa mesma alegria (e também vítima da depressão), nome requisitado em shows e nos teatros cariocas, a depressão de Assis Valente contrastava com esse sucesso. Mas será mesmo?

A pergunta é necessária visto que é comum associarmos o sucesso à felicidade. Isso acontece ainda mais quando pensamos naqueles que trabalham com a alegria, que nos divertem, que nos possibilitam momentos de congraçamento.

“Sonhei que existia uma avenida
Sem entrada e sem saída pra gente comemorar
Toda hora, todo dia e toda vida
Na tristeza e na alegria, sem plateia e sem patrão

Hoje eu sonhei que cerveja sai na bica
No banheiro não tem fila nem existe contramão
E que o trabalho é ali na nossa esquina
E depois do meio dia, nem polícia e nem ladrão”
(“Sai Dessa” – Natan Marques / Ana Terra)

Ainda que pareça óbvio, é sempre importante lembrar que o trabalho com a arte é também um trabalho. E, em nossa sociedade, isso está associado a desigualdade, exploração, assédio moral e sexual, reflexos físicos, entre outras mazelas. No Brasil, especialmente, o trabalho com arte ainda é muito mal remunerado e muitos artistas precisam ter outro emprego para conseguir pagar as contas.

Nesse momento de pandemia, as dificuldades dos trabalhadores do setor cultural ficaram mais evidente. Muitos artistas estão dependendo de “vaquinhas online”, rifas ou outras formas alternativas de arrecadação, já que têm trabalhos informais e que basicamente depende da aglomeração de pessoas. Num dos casos mais simbólicos dessa situação de penúria, o violonista Luis Filipe de Lima, que já tocou com grandes nomes da MPB, como Dona Ivone Lara, Paulinho da Viola, Alcione, Beth Carvalho e Elza Soares, colocou seu violão a venda, para que pudesse pagar dívidas. Outro caso é da cantora Teresa Cristina, que nessa quarentena conseguiu pela primeira vez, desde que iniciou a carreira em 1998, fazer um show com patrocínio.

É importante que nós, o público, que é também patrão, como nos indica a canção “Sai Dessa”, gravada por Elis Regina, reconheçamos que os artistas são trabalhadores. Isso significa apoiar suas vaquinhas, respeitá-los, exigir políticas públicas culturais por parte dos governos, comprar ingressos dos seus shows e apresentações, etc.

Numa sociedade desigual e injusta, a arte é ainda mais fundamental. E sem os trabalhadores que a fazem, ela não existe.