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BRASIL

Ensino Remoto: exclui e desqualifica o processo de ensino-aprendizagem dos estudantes gaúchos

Pedro Rublescki*

No dia 27 de maio, o governo do Rio Grande do Sul anunciou seu plano de retomada das aulas no estado. O plano apresenta 5 etapas, iniciando a 1ª etapa já nesta segunda-feira (1º de junho). O documento com todas as etapas e protocolos pode ser acessado no site da secretaria de educação do estado. É um grave erro começar a implementação do projeto de ensino remoto da forma que o governo estadual começou: ENSINO REMOTO para todos os níveis de rede pública e da rede privada.

Concretamente, o governador Eduardo Leite e a Secretaria Estadual de Educação estão suspendendo via decreto o acesso universal à educação. A Constituição Federal, em seu artigo 208., determina que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria.

Ocorre que, conforme pesquisas recentes do IBGE, 25% da população brasileira não tem acesso à internet em casa. Dentro dessas residências em que não existe acesso à internet, os principais fatores segundo a pesquisa são: 34,9% não terem interesse, 28,7% não terem condições financeiras e 22% afirmaram não saberem utilizar.

Noutras palavras, ao determinar que o ensino no estado do Rio Grande do Sul será retomado de modo virtual para todos os níveis e modalidades no dia 1º de Junho, está se deixando para trás no mínimo 25% dos que não tem acesso à internet – aumentando ainda mais as diferenças do ensino público e privado.

Diante de uma discrepância social tão grande no Brasil, não é difícil concluir que se a pesquisa estivesse dividida em estratos sociais levando em conta somente os estudantes de escola pública, os números de estudantes que não tem acesso à internet passariam dos 25%. E justiça seja feita, a falta de acesso à internet é só o começo dos problemas.

A é que apenas 52,5% das casas no Brasil têm abastecimento de água, esgoto sanitário ou fossa séptica, coleta de lixo e até dois moradores por dormitório. Em todo o país, 58% dos domicílios não têm computador.

Afinal, as medidas do governo estadual escancaram as diferenças do ensino público e privado ao acesso às tecnologias: enquanto a grande maioria das escolas privadas contam com modernos laboratórios de informática e a maioria dos estudantes usufruem de smartphones e computadores em seus lares, nas escolas públicas e de periferia a realidade é outra. São raras as escolas públicas estaduais que oferecem acesso à internet para os estudantes, assim como possuem laboratório modernos e bem equipados, o que faz toda a diferença para uma educação para o uso de tecnologias.No documento que propõe a retomada de forma virtual, é apresentado, pelo Governo Estadual, como desafios “a implantação do sistema remoto desafia o setor público porque requer: 1. Oferta de conectividade à internet; 2. Garantia de dispositivos.(…)”. Porém, na determinação de datas de retomada esses desafios são completamente ignorados.

Os professores, os estudantes, a comunidade escolar e os trabalhadores em geral devem se posicionar contra uma retomada de aulas virtuais que não respeite o acesso à todos. Recentemente vimos uma ampla campanha da sociedade para que o senado votasse o adiamento do ENEM, pois é público e notório que em pleno século XXI o amplo acesso à internet não é realidade no Brasil e obedece uma regra de extrema desigualdade de oportunidades. A campanha realizada pelo movimento estudantil, sindicatos e movimentos sociais, garantiu que no dia 19 de maio com uma votação de 75 votos à favor e 1 voto contra, o ENEM fosse adiado. O principal argumento foi a desigualdade de acesso e a concorrência desleal que existiria.

Não podemos retroceder sobre a universalização do ensino. Se não for de acesso à todos os estudantes, devemos ser contra o ensino à distância na rede pública. Não podemos dizer que uns vão ter o direito de aprender e outros não.

Ademais, além da desigualdade de acesso à infraestrutura mínima para viabilizar o ensino remoto, o ensino à distância no ensino fundamental desrespeita a desigualdade e diferença de aprendizados. Um dos trabalhos mais importantes das professoras e professores dentro da sala de aula é avaliar e adaptar os conteúdos aos diferentes tempos que cada criança tem no dia a dia ao aprender. Acompanhamento esse que se torna impossível com o ensino remoto. Conforme defendido pelo pesquisador em Educação Lev Vygotsky, a aprendizagem nos anos iniciais deve ser realizada com a mediação do professor através dos ensinamentos que o ambiente proporciona. Tarefa que nenhuma plataforma digital pode dar conta. Ao se autorizar que o uso do ensino à distância seja validado como ensino nos anos iniciais, os governos estão acabando com a qualidade da aprendizagem das futuras gerações.

Todos querem a retomada das aulas. A verdade é que todos querem a retomada da vida e o fim da pandemia. O problema é que ainda não é possível. Até o momento não há vacina contra a COVID-19 e o melhor remédio é o distanciamento social. De forma que a preocupação no momento deve ser em manter ao máximo o distanciamento social, sem pressa para o retorno das aulas, respeitando a saúde dos profissionais da educação e educandos. O momento é de investimentos nas escolas públicas em estrutura e materiais, para quando for possível voltar com segurança.

A pressa do governo em retomar aulas de forma digital é excludente, favorece os empreendimentos privados em educação (escolas privadas e empresas que vendem seus sistemas de ensino remoto para os governos) e acabará por afetar a aprendizagem de milhares de crianças e jovens em nosso estado, sobretudo os mais pobres.

*Pedro Rublescki é  professor da rede estadual do Rio |Grande do Sul