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BRASIL

Os militares vão soltar a mão de Bolsonaro?

Gibran Jordão, do Rio de Janeiro, RJ
Reprodução / TV Estadão

Bolsonaro em Brasília, neste domingo, 17

O suplente do senador Flávio Bolsonaro, o empresário Paulo Marinho, resolveu abrir a boca, e qualificou a tese do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro que saiu do governo alegando interferência política de Bolsonaro na Polícia Federal, complicando muito a situação do presidente e da sua família. Não chegamos ainda na metade da gestão Bolsonaro, e a tensão social e política no país só se agravou até agora. Em especial pela própria postura do presidente e das principais políticas implementadas, que vem gerando conflitos sistemáticos e permanentes. Embora o governo tenha ainda alguma base social importante, a verdade é que vem crescendo a sua rejeição na opinião pública, segundo todos os institutos de pesquisas. Vimos a bancada do PSL explodir no Congresso e uma série de ex-fiéis aliados de peso que estão agora com artilharia pesada pra cima do governo. Parte da grande mídia, em especial a Rede Globo, está trabalhando firme para enfraquecer Bolsonaro. Mais de 30 pedidos de impeachment estão na mesa do presidente da Câmara dos Deputados, além das investigações na Justiça que envolve o presidente e a sua família, gerando um desgaste ao seu capital político mais importante, que é o discurso contra a corrupção. Não colocamos ainda nessa conta a tragédia sanitária relacionada à Covid-19 e suas consequências, mas trataremos disso mais a frente.

A aliança que chegou ao governo encabeçada por Bolsonaro é uma frente entre militares saudosos de 1964, grupos milicianos infiltrados nas forças de segurança, pastores charlatães, setores do judiciário lavajatista, um setor empresarial ( O grupo dos 200) que tem desprezo pela vida dos mais pobres e o mercado financeiro, representado por Paulo Guedes. Tudo isso articulado internacionalmente com Trump e outros chefes da extrema direita mundial representados por Olavo de Carvalho e Steven Bannon. É difícil acreditar que alguém entrou bem intencionado nesse bonde.

Os militares são uma esfinge no governo?

Por conta de algumas diferenças que se expressaram durante o governo, há quem defenda a tese, com bons argumentos, que as forças armadas e os generais que governam estão operando para corrigir, tutelar, garantir o estado de direito, manter o governo numa linha que não ultrapasse as fronteiras das convenções da carta constitucional, e para isso em alguns episódios ou situações limites, acabam se enfrentando com Bolsonaro ou outras alas do governo. Essa hipótese destaca que militares e o bolsonarismo seriam duas alas com estratégias diferentes e em luta permanente.

Como também é possível considerar que há boas opiniões que nos alertam que os militares e a cúpula das forças armadas podem ter diferenças táticas e até programáticas, mas há acordo no atacado para governar com Bolsonaro. O que pode incluir a possibilidade de centralização total do poder como produto de um golpe aproveitando-se de um momento de fragilidade coletiva. O problema de segurança nacional que Mourão faz questão de destacar na sua recente nota publicada em jornais de grande circulação, o elogio do general Vilas Boas às declarações de Regina Duarte em entrevista na CNN, como também a condescendência dos generais com as manifestações e carreatas golpistas seriam expressões das aspirações nada democráticas no interior da caserna, entre outros sinais…

Os sinais da caserna apresentam contradições, dubiedades e elementos difusos, e como há pouco conhecimento do funcionamento interno do que podemos chamar de partido das forças armadas, para quem quer entender o governo Bolsonaro, acaba olhando para o papel dos militares como algo ainda difícil de traduzir, de decifrar, uma esfinge. Isso significa que os militares construíram conscientemente essa imagem para confundir o inimigo? Se é assim, não dá pra confiar. Ou estão divididos numa luta interna barra pesada entre legalistas e golpistas no qual não se sabe a exata correlação de forças e muito menos as correntes de opinião que atuam nesse meio. Ainda assim, não dá pra confiar, a dúvida segue no ar… e isso não é bom.

A presença das forças armadas no governo não é simbólica, não é um complemento que vai a reboque de grupos e partidos dirigidos por civis. Os cargos mais estratégicos do primeiro escalão do palácio do planalto estão sob o comando militar como também milhares de cargos do segundo e terceiro escalão também estão ocupados por oficiais. Para quem acumula tanto poder, é preciso cobrar responsabilidade a altura…

A cúpula das forças armadas que está no governo possui um projeto estratégico elaborado para o país? Se sim, quais as diferenças desse projeto com Bolsonaro e outras alas do governo? Estão alinhados com os Trump até que ponto? Também trabalham para romper com a China? Há diferenças no interior do “partido militar” sobre a localização geopolítica do Brasil? Ainda há uma ala nacionalista? São todos neoliberais? Não se sabe… E isso não é só um problema para a esquerda e os movimentos sociais decifrarem…

Nos parece que para a própria dinâmica dos mercados, há uma dificuldade de compreender o que acontece e isso não gera a tal confiança para o investidor… Não é por acaso que estamos vendo uma fuga de capital estrangeiro do país, o que vem aumentando o valor do dólar numa escala inimaginável. Nem mesmo nos piores momentos da crise econômica do governo Dilma a moeda americana alcançou uma alta de 45% como esse ano no Brasil, levando o real a ter a maior desvalorização entre as principais moedas do mundo. Além disso, a Ibovespa perdeu 32% do seu valor ao longo desse ano. Não é possível prever estabilidade política a curto prazo, isso significa que o Brasil se tornou um país de alto risco para investimentos, comprometendo a própria agenda neoliberal de Paulo Guedes que necessita decisivamente de capital externo para ter alguma sustentação.

Qualquer analista sério olha para o Brasil hoje e não sabe dizer com certeza se o próximo período será marcado por um golpe produto de uma intervenção militar encabeçado por Bolsonaro, em aliança com militares e milicianos. Ou se o país será atravessado por mais um processo de impeachment e queda do presidente. Cabe ainda a possibilidade de seguirmos nessa catarse angustiante, com altos e baixos, até o final do mandato presidencial. São incertezas angustiantes e pesadas demais, que não deixam margem de confiança para apostas otimistas no futuro.

A pandemia começa a deprimir o país…

Esse é outro tema que vem apresentando desdobramentos com potencial para desgastar ainda mais o governo a médio prazo. As pessoas que estão confinadas conseguindo cumprir a quarentena lutam contra o adoecimento mental. A grande maioria da população que não tem acesso a infraestrutura e renda para se proteger minimamente, luta desesperadamente na porta dos hospitais lotados contra a morte. Um cenário depressivo para a saúde mental e física de uma sociedade profundamente desigual e que tem uma elite mesquinha, entreguista, colonial e sem projeto de desenvolvimento.

Em menos de um mês, dois ministros da Saúde pediram demissão por diferenças com Bolsonaro, que tem conscientemente apresentado uma política para o combate ao COVID19 absolutamente contrária a tudo que a ciência mais bem elaborada vem apresentando para o mundo. Enquanto as principais orientações da OMS manda apostar tudo na quarentena e distanciamento social, testagem em massa e cooperação entre as nações para investimento conjunto na busca de uma vacina eficaz… Bolsonaro tem trabalhado para destruir a quarentena, vem estimulando a volta da normalidade com aglomerações e mobilizações de conteúdo golpista. Tem demonstrado uma negligência criminosa em relação aos testes, o Brasil tem feito menos testes que a Venezuela e o Peru. E nesse momento está estimulando o uso de medicamentos sem comprovação da sua eficácia consolidada, chegou a ordenar que o Exército aumentasse a fabricação da cloroquina, criando ilusões na possibilidade de cura. A experiência americana já devia ter feito o governo brasileiro aprender uma lição. Donald Trump foi um dos maiores entusiastas da cloroquina, mas se esse medicamento tivesse mesmo eficácia real, os EUA não seriam hoje o epicentro da pandemia mundial com mais mortes em 2 meses do que 20 anos de guerra no Vietnã. Já são mais de 70 mil americanos mortos vítimas da Covid19.

A pandemia proporcionada pelo novo Coronavírus é um tema importante demais para aferirmos o papel dos militares em relação ao governo Bolsonaro. O que vimos até agora, não nos autoriza dizer que a cúpula das forças armadas está aplicando uma linha diferente, mais equilibrada e humanizada que se confronta com o pensamento de Bolsonaro no combate à Covid19. Pois de nada adianta mobilizar um efetivo militar para ajudar a combater a doença no país na construção de hospitais de campanha e na logística de insumos e equipamentos, ao mesmo tempo em que assinam embaixo e dão sustentação a toda política de Bolsonaro que vai na contra mão de qualquer plano sério de combate à Covid19. Isso significa que não só Bolsonaro é responsável pela piora das consequências da pandemia em nosso país, mas o governo de conjunto vai ser cobrado pelas milhares de pessoas que tiveram suas vidas ceifadas pela irresponsabilidade das autoridades brasileiras. O tamanho da pilha de mortos, será proporcionalmente igual ao tamanho da responsabilidade de todo o governo, incluindo nessa conta as forças armadas que hoje já estão juntas e misturados no governo.

Para onde vão os militares no Brasil?

Hipótese 1: Vamos ver a formação de uma casta de militares no país que vai se burocratizar no poder para preservar e ampliar seus privilégios a qualquer custo. Bancando Bolsonaro mesmo com o crescimento da rejeição e escândalos de corrupção, ao ponto de usarem da violência sufocando a democracia e submetendo o país a uma condição de colônia obscurantista de quinta categoria dos EUA.

Hipótese 2: Os militares vão soltar as mãos de Bolsonaro nas próximas esquinas da luta política aceitando disciplinadamente um processo de impeachment, afastando qualquer possibilidade de atropelo constitucional, esmagando os grupos milicianos, garantindo as liberdades democráticas e aplicando um plano de recuperação da economia diferente de Paulo Guedes, sob o comando de Mourão.

Hipótese 3: Não há golpe, nem impeachment. O governo Bolsonaro segue até o final combalido, desgastado, com a presença maior ou menor de militares, que por sua vez tentarão administrar e gerir um governo em crise permanente para tentar uma reeleição com Bolsonaro ainda se sustentando num base social de 20% a 30% do eleitorado.

Uma última hipótese…

Está faltando um elemento decisivo para o desfecho do governo Bolsonaro, no qual ainda não consideramos, mas deixamos ao final propositalmente. O elemento surpresa nesse caso que poderia mudar tudo e para melhor, seria a entrada em cena do movimento de massas contra o governo Bolsonaro. Para o imediato, não nos parece factível, pois a maioria da classe trabalhadora está lutando para sobreviver, seja por conta da doença, seja por conta da fome.

Mas a médio, longo prazo… No balanço final de mortos e feridos pela pandemia em meio a uma grave crise econômica, não está descartado que surja através do desenvolvimento da luta de classes um poderoso movimento social que se encontre com a formação de uma frente única entre as principais direções do movimento dos trabalhadores. Tornando possível emparedar todas as forças reacionárias e conservadoras do país, derrubando Bolsonaro, impedindo que o criminoso programa neoliberal de Paulo Guedes seja viabilizado e permitindo as condições para novas eleições no país, já que Mourão é mais do mesmo nesse governo. É nessa hipótese que devemos trabalhar dia e noite, calibrando a luta política e ideológica nas redes sociais, fortalecendo as ações de solidariedade de classe nesse momento em que a fome assombra o povo e apostando na unidade dos sindicatos, movimentos sociais, da juventude e de todos que queiram lutar contra as ambições neofascistas que se desenvolvem no país. Fora Bolsonaro, Impeachment Já! Mourão não é a solução, é preciso antecipar as eleições…

 

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Sobre o artigo do general Hamilton Mourão

Série Os militares no bando do poder, da coluna Andar de Cima