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BRASIL

São Paulo e o isolamento da exclusão

Caio Zinet, de São Paulo, SP
Governo do Estado de São Paulo

O governador do estado de São Paulo, João Dória, e o prefeito da capital, Bruno Covas, ouviram a ciência e decretaram rapidamente o isolamento social. Esse acerto não foi pouca coisa em um país onde o presidente ataca sistematicamente a ciência, dá passeios por padaria causando aglomerações e demite o ministro da Saúde em meio a maior crise sanitária dos últimos 100 anos.

A decisão de ambos precisa, portanto, ser saudada nesse contexto em que o presidente várias vezes ao dia atenta contra o isolamento social em uma política genocida. Dito isso, é preciso analisar de maneira crítica a efetividade do isolamento social proposto pelo tucanos em São Paulo depois de sete semanas dos decretos, estadual e municipal, que deveriam nos trancar em casa.

É público e notório que a cidade e o estado de São Paulo são extremamente desiguais. O isolamento social para um morador de Pinheiros que perdeu parte da renda (quando perdeu), mas ainda tem uma casa com: quartos, televisores, computadores, internet e ao menos alguma parte salário e uma poupança é uma coisa. O isolamento social para alguém que mora em uma casa com várias pessoas em uma casa com poucos cômodos, acesso a internet restrito ao celular, e, principalmente, com a renda familiar reduzida drasticamente  é outra realidade completamente diferente. Ficar em casa, portanto, em muitos casos não é opção para a maioria da população trabalhadora.

Nesse ponto tanto Dória quanto Covas fizeram pouco e com muito atraso. Demoraram seis semanas para determinar o uso obrigatório de máscaras, a organização da entrega de cestas básicas é caótica, insuficiente e tem sido usada como campanha em muitas subprefeituras, o edital para abrigamento em hotéis para a população em situação de rua, mulheres vítimas violência e profissionais da saúde foi publicado só no último dia 4 de maio.

No campo da educação a situação é ainda pior. Os professores foram mandados para casa, mas os diretores e funcionários do quadro de apoio foram obrigados sabe-se lá porque a irem a escolas expondo a si, seus familiares e a população a um risco desnecessário. Isso sem falar no corte das bolsas dos monitores do Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (MOVA) e no corte do pagamento de adicionais noturnos para os trabalhadores da rede pública.

Covas e Dória entraram na Justiça para se desobrigar do pagamento da merenda, por meio de um cartão, a todas as famílias dos estudantes da rede pública. Menos de um terço dos estudantes tem acesso a esse cartão. O estado e a cidade mais ricas da nação poderiam ter feito muito mais.

A saúde paga hoje pelos erros das gestões tucanas de fragilização e privatização na cidade e no estado. O atraso na entrega de hospitais, iniciados durante a gestão Haddad, e a negativa em reabrir hospitais como o Sorocabana também mostram como está sendo frágil a resposta do governo frente à crise. A precarização do Instituto Adolfo Lutz que processa os testes de coronavírus atrasou a entrega dos resultados dos teses no início da crise quando seria fundamental contar com todos os dados possíveis para pensar uma saída que preservasse ao máximo a vida.

Os servidores e funcionários terceirizados da saúde merecem um parágrafo à parte. Quando não falta equipamento de proteção individual falta equipamento de qualidade. Matéria do El País mostra que no Brasil desde o início da crise 73 enfermeiros morrem por coronavírus. Isso representa mais que Itália e Espanha somadas. São Paulo lidera o ranking com 18 mortes.

Com relação a renda, a cidade e o estado de São Paulo não implementaram a renda emergencial nem mesmo com um valor mais baixo que fosse complementar a renda federal.

A conclusão é que o Isolamento tem duas condições: ficar em casa e garantir as condições para que as pessoas fiquem em casa. Bolsonaro é criminoso por se negar a implementar as duas. Covas e Dória defendem a primeira, mas pouco fazem ou atrasam as  medidas para garantir a segunda.

 

*Caio Zinet é jornalista.

 

 

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