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Falta de EPI’s, sofrimento psíquico, aumento da jornada de trabalho: o retrato da linha de frente no RJ

“Me preocupo com minha saúde, pois minha filha é da classe de risco. Ouço os relatos também das meninas do apoio da limpeza que dizem que não estão querendo disponibilizar os kits para elas quando vão limpar a área de corte a pré-sala dos pacientes com covid-19” (D. 33 anos)

Tai’s Captures” / Unsplash

Relatos da linha de frente

Esse espaço se propõe a receber relatos das trabalhadoras e trabalhadores dos serviços essenciais. Devemos ouví-los, aprender e lutar com eles. Essa iniciativa se inspira no espaço aberto pela nova Revista Marxista estadunidense Spectre, que, sob a coordenação de Tithi Bhattacharya, tem recebido uma série de relatos em língua inglesa dos trabalhadores do cuidado de todo o mundo, chamada Dispatches from the Frontlines of Care. Pretendemos nos somar à iniciativa de Bhattacharya, mas também contribuir para que a sociedade brasileira possa ouvir e compartilhar esse momento de crise tão profunda com aquelas e aqueles que estão todos os dias se expondo para garantir nossa sobrevivência. Se você trabalha na linha de frente e quer compartilhar seu cotidiano para que essa história seja conhecida, envie um e-mail para [email protected]. Os relatos enviados podem ser anônimos.

“Meu nome é D., tenho 33 anos, sou mulher negra, formada em psicologia, trabalho em um hospital estadual. Os tempos tem sido bem difíceis ultimamente.Trabalho em todas as clínicas do hospital e no atendimento às possíveis vítimas de covid-19. No primeiro momento ficamos perdidas em relação ao atendimento se atenderíamos ou não essas pessoas, pois não tivemos logo de cara a nossa disposição EPIs, nas primeiras semanas só tínhamos a disposição álcool em gel e máscaras (em um número bem reduzido).

Recebemos treinamento sobre uso da paramentação, porém as informações sobre onde pegar os EPIs são  bem desencontradas,pois, quando vamos ao setor de saúde do trabalhador dizem que o local dos itens de paramentação é no almoxarifado.  Existe uma grande dificuldade em conseguir os kits para atendimento paciente com covid-19. 

Quando solicitamos, não recebemos no almoxarifado e precisamos pegar na clínica em que vamos atender. Os kits são contados e  temos acesso a um número específico de máscaras por dia. Quando acaba precisamos recorrer a colegas de outros setores para conseguir a máscara.

No primeiro momento,  a ordem de nossa coordenadora era para não atendermos esses pacientes sem os devidos EPIs. Logo atendemos só com a devida paramentação, mas não dispomos dela em nossa sala. A equipe de psicologia  só pode solicitar um por pessoa. Não temos esses kits à disposição como nas outras clínicas. Na equipe do meu setor, foram cinco pessoas afastada pela covid. Para muitos o quadro é de piora, logo venho trabalhando em outras escalas para substituir os colegas afastados.

 

O número de atendimentos a funcionários com covid aumentou, assim como a demanda de pedidos de funcionários em sofrimento psíquico para serem acompanhados pela psicologia. Os trabalhadores sentem o impacto do risco diário que correm.  Me preocupo com minha saúde, pois minha filha é da classe de risco.  Ouço os relatos também das meninas do apoio da limpeza que dizem que não estão querendo disponibilizar os kits para elas quando vão limpar a área de corte a pré-sala dos pacientes com covid-19”.

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O relato acima é de uma psicóloga que preferiu não se identificar, mas que está trabalhando incansavelmente em plantões de 24 horas em um hospital conhecido no Rio de Janeiro, que atualmente está enfrentando uma série de problemas, tanto pela falta de materiais de trabalho quanto pelo sofrimento causado aos profissionais de saúde e pacientes devido à gravidade da pandemia.

As palavras de D. só reforçam o quanto a saúde grita neste momento (gritos que são abafados por trás das máscaras – quando tem – porque o trabalho precisa continuar).

Para onde vão esses silêncios? Como é que fica a situação de quem adoece e precisa continuar cuidando da população?

Como destaca um trecho do relato “Os trabalhadores sentem o impacto diário do risco que correm”. O medo é real. 

A necessidade de amparo psicológico é real. Além do alto risco de adoecimento físico, as dores invisíveis que acompanham a mente de quem está na linha de frente e precisa lidar com a vida, a morte, o medo de ficar longe da família, a insegurança e a frustração de não contar com o mínimo para trabalhar. 

Não podemos sufocar esses gritos. Por isso, continuaremos relatando essas e outras situações para que todos saibam o que está acontecendo. Clique aqui e saiba mais sobre a iniciativa Relatos da Linha de Frente!

Equipe: Rhaysa Ruas, Tatianny Araújo, Carolina Freitas , Karine Afonseca e Bruna Martins.