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BRASIL

Um fundamentalista religioso indicado para coordenar a Capes: O que significa isso?

Frederico Jorge Ferreira Costa*, de Fortaleza (CE)

Benedito Guimarães Aguiar Neto foi indicado pelo governo de extrema direita de Jair Bolsonaro para presidir a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) do Ministério da Educação (MEC), sob a direção de Abraham Weintraub. Benedito é cristão protestante, tendo sido reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Só para lembrar, em abril de 2019, a Reitoria da Mackenzie decidiu censurar a participação das editoras Boitempo e Contracorrente na Feira de Livros organizada pelo Centro Acadêmico João Mendes Jr, em São Paulo.

Além do direitismo a direção da Mackenzie incentiva ostensivamente o obscurantismo sobre um verniz científico. Já foram realizados vários simpósios internacionais “Darwinismo Hoje” (2008, 2009, 2010 e 2012) para fazer propaganda do denominado “criacionismo científico” e desacreditar a Teoria da Evolução. Para consolidar essa perspectiva, nos dias 05 e 06/05/2017, foi lançado o Discovery-Mackenzie, um núcleo de pesquisas sobre ciência, fé e sociedade, com o objetivo de promover estudos científicos focados em complexidade e informação na busca de evidências que apontem para a ação de um “design inteligente” na natureza. Como o nome indica, o núcleo conta com parceria do Discovery Institute, organização estadunidense dedicada à chamada “Teoria do Design Inteligente”. Segundo a pseudociência do “Design Inteligente” os processos naturais são incapazes de explicarem a diversidade biológica, entre outras coisas, devido à falácia da “complexidade irredutível” que exigiria a presença de inteligência sobrenatural. Interessante que os defensores do “Design Inteligente” não publicam artigos em revistas sérias, não testam hipóteses e não fazem ciência. De fato, é uma reciclagem do criacionismo próprio do velho fundamentalismo cristão protestante, geralmente associado a posturas conservadoras e reacionárias.

É típico de qualquer fundamentalismo religioso, seja ele católico, protestante, muçulmano ou hindu, uma atitude política antimoderna e uma insensibilidade à crítica da razão.

O fundamentalismo protestante surgiu como uma reação ao liberalismo ou modernismo teológico que se desenvolveu no século XIX em resposta ao avanço das ciências e do movimento dos trabalhadores, com uma reflexão teológica aberta às ciências e às conquistas da razão moderna. Nesse sentido, conforme Oro (1996), teólogos e igrejas liberais estabeleceram coordenadas progressistas como: 1) aceitação das teorias das ciências naturais como o darwinismo; 2) a teoria das fontes ou crítica bíblica; 3) a influências das religiões dos povos vizinhos nas tradições do judaísmo primitivo; 4) a teoria da revelação progressiva; 5) aceitação do naturalismo como explicação do mundo, diminuindo o espaço para a interpretação sobrenatural; 6) entendimento da deturpação do cristianismo primitivo e, 7) aceitação de técnicas e métodos provenientes das ciências históricas, sociais e naturais no estudo da Bíblia e de seus manuscritos, o que refletiu profundamente na reflexão teológica. No mesmo contexto histórico, Kautsky (2010) indica a presença de teólogos e pastores no movimento socialista alemão no fim do século XIX e início do século XX.

Como expressão mediada da luta de classes, em especial na sociedade estadunidense o protestantismo dividiu-se em dois campos básicos: conservador e liberal. Os liberais vinculavam-se mais à solidariedade, a uma opção política, à primazia do interesse público e à justiça social. Já os conservadores desprezavam temas sociopolíticos, centrando-se na defesa da “livre empresa”, do bem individual e do sucesso econômico como sinais de salvação baseados numa moral comum privada, individual e familiar.

No seio do campo conservador o vocábulo “fundamentalismo” surgiu, em 1895, numa conferência bíblica em Niágara, onde foram fixados os cinco pontos do fundamentalismo bíblico: 1) inerrância verbal da Sagrada Escritura; 2) divindade de Jesus Cristo; 3) o nascimento virginal de Maria; 4) a teoria substitutiva da redenção e, 5) a ressurreição corpórea de Jesus com seu retorno no final dos tempos. Com essas coordenadas desenvolveu-se uma literatura exegética e teológica, de uma perspectiva sociopolítica conservadora, para combater o secularismo e o liberalismo.

Nas diversas fases de desenvolvimento do fundamentalismo um dos centros de sua atividade foi o combate incessante às conquistas científicas de Charles Darwin, por contrariar a verdade bíblica, além de confrontar-se com todo sistema científico que não aceitasse a leitura literal da Bíblia. Associados a essa postura anticientífica estão a defesa da família patriarcal, da hierarquia social, do poder ilimitado do clero sobre as comunidades religiosas, do anti-ecumenismo, do preconceito diante da diversidade humana e do apoio acorrentes políticas autoritárias. O fundamentalismo é multidenominacional e, depois da Segunda Guerra Mundial, foi um dos pilares do anticomunismo nos Estados Unidos. Houve, por exemplo, uma convergência entre a política externa estadunidense e a expansão de várias correntes religiosas no contexto de ascensão de lutas populares na América Latina, de acordo com Lima (1991).

A corrente fundamentalista cristã protestante é uma das vertentes que compõem o amálgama sociopolítico do governo de extrema direita de Bolsonaro.

Diante do exposto, a indicação de um criacionista para gerir a Capes não é algo aleatório. A corrente fundamentalista cristã protestante é uma das vertentes que compõem o amálgama sociopolítico do governo de extrema direita de Bolsonaro. Essa vertente clerical reacionária pró-imperialista e anticomunista é cúmplice dos ataques aos trabalhadores, à economia nacional, às mulheres, aos indígenas, aos negros, à juventude e aos LGBTs.

Como afirma Stanley (2018), uma das características da extrema direita, desde Mussolini e Hitler, é o anti-intelectualismo. A extrema direita não só desconfia, mas odeia a razão e o pensamento científico. Daí a confluência entre o governo neofacista de Bolsonaro e o fundamentalismo para destruir a universidade pública e o pensamento crítico no Brasil.

Somente uma frente única, com ampla liberdade de crença e de consciência, em defesa da ciência, da pesquisa, do pensamento crítico, da escola pública e da democratização do conhecimento poderá deter essa barbárie neofascista e fundamentalista.

*Frederico Costa é professor da Universidade Estadual do Ceará – UECE, diretor do Sindicato dos Docentes da UECE – Seção Sindical do ANDES/SINDUECE e Coordenador do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário/IMO.

 

Referências Bibliográficas//

KAUTSKY, Karl. A origem do cristianismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.

ORO, Pedro Ivo. O outro é o demônio: uma análise sociológica do fundamentalismo. São Paulo: Paulus, 1996.

LIMA, Délcio Monteiro de. Os demônios descem do Norte. Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves S.A., 1991.

STANLEY, Jason. Como funciona o fascismo: a política “NÓS” e “ELES”. Porto Alegre: L&PM, 2018.

[1]Professor da Universidade Estadual do Ceará – UECE, diretor do Sindicato dos Docentes da UECE – Seção Sindical do ANDES/SINDUECE e Coordenador do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário/IMO.