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BRASIL

O Fundeb e a defesa da Educação Pública

Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa

Gilberto P. de Souza, de São Paulo, SP
Reprodução

A cena inaugural do filme italiano Vincere (Vencer), lançado no Brasil em 2010, que conta a história da vida secreta do ditador fascista Benito Mussolini, é emblemática. O ainda esquerdista, membro do Partido Socialista, Benito Mussolini, oferece uma palestra para provar a não existência de Deus; sendo que a palestra em questão dura exatos cinco minutos. O futuro ditador da Itália, diante de uma plateia atenta e ansiosa para finalmente dar o golpe de misericórdia no deísmo e por extensão em todas as religiões do planeta, abre sua apresentação reafirmando a não existência do criador e, em tom grandiloquente, afirma que aguardará cinco minutos, que dentro desse intervalo de tempo, se Deus existir, que ele, Mussolini, caia fulminado por um raio. Como era de se esperar, os cinco minutos passam e o jovem Benito não é fulminado por qualquer raio. Prontamente, numa grande bravata, encerra a palestra afirmando que, como não foi fulminado pela descarga elétrica, está mais que provado que Deus não existe, deixando todos na plateia indignados.

Faço este preâmbulo para que este artigo não seja confundido com a bravata acima ou outra qualquer do mesmo calibre, ou ainda que seja interpretado como uma espécie de ignorância da questão, um sofisma clássico. Não pretendo aprofundar o conteúdo do FUNDEB, mas sim discutir a necessidade, ou não, de apoiarmos sua renovação ou manutenção. Tentarei ser breve sem ter que apelar para a grandiloquência ou aos arroubos da bravata.

O revolucionário russo Leon Trótski afirma que o programa é, por definição, a compreensão comum das tarefas, sendo essas últimas determinadas pela etapa da luta de classes em que vivemos.

Recorrendo um pouco ao didatismo professoral, peço desculpas por esse subterfúgio, mas a necessidade impera, noblesse oblige – podemos afirmar que vivemos em uma etapa de decadência do modo de produção capitalista e da necessidade da revolução socialista como única solução definitiva para as mazelas desta sociedade e salvação da humanidade.

O programa tem caráter estratégico, envolve princípios dos quais não podemos e nem devemos abrir mão; independência de classe, a mobilização dos explorados e oprimidos pelo capital sob a hegemonia do proletariado – daqueles que vivem do trabalho – juntamente com a mais ampla democracia entre os que lutam e nas instituições da classe dos explorados e oprimidos, além da disputa pelo poder na sociedade; são elementos essenciais de um programa de esquerda radical nesta etapa em que vivemos que devem ser traduzidos em uma política cotidiana.

Se o programa tem caráter absoluto, a política tem caráter relativo, o primeiro implica diretamente em princípios, a segunda envolve questões táticas – de momento – sem nunca esquecermos os velhos e bons princípios.

Diante da etapa em que vivemos – decadência capitalista – e da situação de avanço da extrema direita, no Brasil e no mundo, onde direitos sociais históricos dos trabalhadores vêm sendo cassados pelos fascistoides no governo e mesmo direitos democráticos elementares – liberdade de expressão, organização e manifestação, por exemplo – também estão em risco; sem falar em um retrocesso moral e ético, e também cognitivo, impensável algumas décadas atrás; nos vemos obrigados a buscar unidade, acordos pontuais, com setores vinculados às burocracias sindicais e políticas tradicionais do proletariado – a esquerda dita reformista – para defendermos nossos direitos sociais e também nossas liberdades democráticas e até acordos e unidade pontuais com setores estranhos, de fora de nossa classe, pela defesa das liberdades civis.

Nos vemos obrigados a defender taticamente, muitas vezes, políticas da burguesia contra ela mesma; o mesmo valendo com relação a preceitos do regime liberal burguês – a maior inimiga da democracia burguesa nesta etapa d decadência do mundo do capital e avanço do neofascismo é a própria burguesia.

O caráter reacionário da classe dominante é a marca registrada da situação atual.

Mas, defender medidas do capital que foram adotadas seja por conquistas da mobilização dos trabalhadores e dos movimentos sociais, ou políticas da classe dominante que a própria classe dirigente está abandonando por outras medidas de conteúdo mais reacionário, não significa em momento algum nos confundirmos com elas – nada pode ser incondicional.

As verdades da vida são: não existe amor incondicional, não há separação amigável, azeitona preta é tingida e a torneira de água quente é sempre do lado esquerdo no chuveiro!

Voltando ao assunto. Podemos, e devemos, em alguns momentos, defender políticas adotadas pela burguesia no passado contra a ofensiva reacionária do capital, quando essa mesma burguesia quiser impor políticas mais reacionárias ainda contra os explorados e oprimidos.

Mas, jamais apoiaremos os setores burgueses que reivindicam tais políticas, o mesmo vale com relação a esquerda reformista – a esquerda oficial eleitoral – e suas políticas compensatórias; defenderemos tais políticas contra os neoliberais e neofascistas de plantão, mas nunca as reivindicaremos como parte de nosso programa estratégico.

Traduzindo: devemos apresentar nosso programa sempre. Faremos parte de qualquer mobilização unitária pelas liberdades democráticas e por nossos direitos, mas não limitaremos nossa plataforma; adotaremos as bandeiras unitárias da mobilização e apresentaremos nosso programa.

Agora sim, chegamos ao núcleo duro, ao centro de massa de nossa discussão.

Diante do ataque furibundo de Paulo Guedes e seus blue caps contra os direitos trabalhistas, desmontando a CLT; defendemos a CLT varguista, inspirada na cata del lavoro do fascismo italiano, que impõe a tutela estatal sobre os sindicatos; mas que mesmo assim tem inserido em seus artigos inúmeros direitos sociais e trabalhistas que o Estado burguês, controlado por Bolsonaro, e cia quer desmantelar para flexibilizar o mundo do trabalho diante do capital.

Isto não quer dizer que achemos a CLT a última maravilha do mundo, sua defesa é apenas parte de uma tática defensiva diante dos ataques do capital em uma conjuntura reacionária.

O mesmo raciocínio vale para a política de fundos para a educação pública adotada pelos tucanos,  abraçada e aprofundada pelo petismo em sua passagem pelo governo.

Combatemos e denunciamos o FUNDEF de FHC por não incorporar mais verbas ao orçamento da educação básica e induzir a municipalização do ensino fundamental, o mesmo fizemos com relação ao FUNDEB do PT.

Porém – ai porém, como diz Paulinho da Viloa – estamos diante de uma situação de ataques impensáveis contra a escola pública.

Com a PEC do fim do mundo, ainda no governo golpista de Temer, os investimentos sociais (educação e saúde especialmente) foram congelados por vinte anos; o subeconomista primata Paulo Guedes e seus asseclas na equipe econômica do governo querem a desvinculação total dos investimentos constitucionais; acabar com os percentuais mínimos de investimento público em educação, saúde e outras áreas sociais.

Aí é que entra o debate do FUNDEB.

A ameaça de descontinuar o fundo, como se diz em tucanês, ou não renová-lo envolve a política de desvinculação das receitas e investimentos constitucionais dos “neos”, neofascistas e neoliberais, do governo atual; mal ou bem, nós pensamos que mal, o FUNDEB implica na manutenção das vinculações constitucionais para as áreas sociais, como é o caso da educação.

Mas, uma coisa é a defesa da manutenção do FUNDEB diante da ofensiva reacionária – econômica, social, política, ideológica, ética, moral – contra a educação pública, outra coisa é reivindicar o programa do petismo – o governo atual é tão antissocial e reacionário que para muitos os governos petistas parecem melhores do que foram.

Devemos, penso, participar de mobilizações e ações unitárias pela manutenção do FUNDEB; mas continuaremos levantando as bandeiras de verbas públicas somente para escolas públicas, a universalização e gratuidade da educação básica, a vinculação dos investimentos em educação pública ao PIB (10¨% ou 15%), dentre outras que possamos considerar estratégicas.

É a hora da unidade na diversidade.

Somos parte de qualquer mobilização unitária pelos nossos direitos e pelas liberdades democráticas contra o neofascismo, mas não abriremos mão da prerrogativa de apresentarmos nosso programa aos amplos setores de explorados, oprimidos, trabalhadores, ativistas sociais que participam conosco dessa caminhada.