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Sobre violência obstétrica, mulheres negras e parto humanizado

Sobre violência obstétrica, mulheres negras e parto humanizado

Politiza

Jovem e mãe, Iza Lourença é feminista negra marxista e trabalhadora do metrô de Belo Horizonte. Eleita vereadora em 2020 pelo PSOL, com 7.771 votos. Também coordena o projeto Consciência Barreiro – um cursinho popular na região onde mora – e é ativista do movimento anticapitalista Afronte e da Resistência Feminista.

Desde que fiz o texto ‘precisamos falar sobre parto’, algumas pessoas me chamaram atenção para o tema da anestesia, que muitas vezes é negada principalmente para mulheres negras. Pensando nisso e a partir da minha experiência, eu quero aqui corrigir algumas coisas que ficaram mal explicadas.
Acontece que no país campeão mundial em números da intervenção mais invasiva no parto, a Cesariana, muitas mulheres ainda sofrem por não ter intervenções quando necessárias, inclusive intervenções muito mais simples como a analgesia de parto.

Se, por um lado, nos hospitais particulares insistem para que as mulheres tomem anestesia pois isso gera lucro, por outro lado, muitos hospitais (majoritariamente públicos) negam o direito de tomar essa analgesia às mulheres em trabalho de parto.

Muitas vezes, hospitais oferecem somente a raquianestesia, usada para fazer a cirurgia Cesariana. Ou seja, se é parto normal, a mulher não pode fazer uso da anestesia. Isso sem contar os hospitais que aplicam ocitocina sintética para acelerar o trabalho de parto, que faz a dor ficar realmente insuportável, mas negam a anestesia. No máximo, dão anestesia para fazer episiotomia ou nem isso.

O impacto dessa conduta recai principalmente sobre as mulheres que não podem pagar bons convênios ou hospitais particulares, ou seja, mulheres pobres e negras.

Além disso, por causa do racismo, as negras são as que sofrem mais violência obstétrica. Acreditam que as mulheres negras suportam mais dor (sim, tem gente que acha que pelo fato de a pessoa ser negra ela é obrigada a suportar mais dor, afinal, são herdeiras de mulheres escravizadas né?!) e ainda violentam verbalmente com dizeres altamente machista como: na hora de abrir as pernas, você gostou né (como se alguém não gostasse!). Estudos mostram também que mulheres negras são as que mais tem o direito a um acompanhante negado e as que mais peregrinam para conseguir atendimento durante o trabalho de parto.

Assim, mulheres negras são OBRIGADAS a parir sem direito a analgesia e tendo que aguentar diversos tipos de violência obstétrica, muitas vezes desde o pré natal.

Não é à toa que mais de 60% das vítimas de mortalidade materna são negras. Prestem atenção nesse dado:

“(…) É importante destacar que o Brasil não alcançou a meta do Objetivo do Desenvolvimento do Milênio sobre saúde materna, que deveria chegar no máximo a
35 óbitos por 100 mil nascidos vivos até 2015, mas, se por acaso o Brasil fosse de mulheres brancas (35,6 óbitos para 100 mil nascidos vivos – 2013) – mulheres negras foram de 62,8 óbitos para 100 mil nascidos vivos – a meta teria sido alcançada” (Emanuelle Góes – Violência Obstétrica e o viés racial link).

A maior parte dessas mortes poderiam ser evitadas com diagnóstico e intervenções feitas a tempo. Mas, no Brasil, algumas mulheres sofrem intervenções desnecessárias enquanto quem precisa não tem esse direito porque não podem pagar. Mulheres, em maioria negras, morrem por negligência!

Isso acontece em escala global também. No meu texto chamei atenção para países da África que tem índices altos de mortalidade materna e neonatal exatamente por terem um percentual de cesáreas e intervenções muito abaixo do indicado pela Organização Mundial de Saúde.

Intervenções quando necessárias devem ser direito de todas as mulheres!

Parto humanizado significa respeitar as escolhas das mulheres: quando as mulheres necessitarem, que as intervenções sejam feitas para que os bebês e mamães sigam saudáveis e quando as mulheres não precisarem, que nenhuma intervenção seja feita.

Por fim, também precisamos falar sobre Parto Humanizado na perspectiva de um pré natal em que as mulheres conheçam o próprio corpo, tenham acesso às consultas, fisioterapia e todos os exames necessários, além orientações e informações verdadeiras, que priorize a vida e não o lucro.