Evo Morales Ayma (MAS) venceu sua primeira eleição em 2005, depois em 2009 e 2014. Leva 13 anos à frente do governo, e neste domingo, 20 de outubro, enfrentou sua mais acirrada disputa eleitoral. As pesquisas sempre apontaram Evo na frente e Carlos Mesa em segundo lugar mas havia uma incógnita se Evo conseguiria votos suficientes para ganhar no primeiro turno ou se Mesa arrastaria a disputa para um segundo turno. Além disso, também estava em aberto a composição do parlamento, ou seja, se o partido de Morales seguiria com os dois terços de senadores e deputados para garantir a ampla maioria na Assembleia Plurinacional.
Resultados preliminares
Na Bolívia, para ser eleito presidente são necessários 40% dos votos e uma diferença de 10% para o segundo colocado, ou mais de 50% da votação. A apuração ainda não terminou, faltam cerca de 14% dos votos, principalmente dos interiores, mas até o momento, Evo Morales, do Movimento Ao Socialismo (MAS) obteve 45,7% e Carlos Mesa do Comunidade Cidadã (CC), uma coligação de centro direita, alcançou 37,8%, uma diferença inferior a 10%, portanto, a decisão se mantendo nesse cenário, irá para o segundo turno 15 de dezembro.
Nove candidatos concorreram ao pleito. Evo Morales (MAS), que governa o país há 13 anos, Carlos Mesa (CC), quem foi presidente entre 17 de outubro de 2003 a 9 de junho de 2005, após a renúncia do Gonzalo Sanches de Lozada (Goni), e renunciou devido as fortes mobilizações do processo revolucionário aberto em 2003. Em terceiro lugar, e como uma surpresa, ficou o coreano Chi Hyun Chung do Partido Democrata Cristão (PDC) com 8,74% dos votos. Ele é médico e pastor evangélico, um xenófobo que fez sua campanha contra o direito ao aborto e contra os homossexuais, chamado por alguns de “Bolsonaro da Bolívia”. E em quarto lugar Oscar Ortiz, senador de Santa Cruz que disputava a cadeira presidencial pela Aliança Bolívia Disse Não (BDN) obteve 4,32%. As outras cinco candidaturas estão abaixo de 3% e perderão seus registros.
Com nove candidatos fica claro que a oposição saiu dividida o que era uma vantagem para Morales. Ainda assim, 43,8% foi seu pior resultado. Em dezembro de 2005 ele ganhou com 53,7%, em dezembro de 2009 obteve um histórico 64,2% e em outubro de 2014 ganhou com 61,3%. Além disso, também pela primeira vez perdeu os dois terços na Assembleia Plurinacional. Os resultados até o momento, indicam que o MAS de Evo Morales obteve 18 senadores e o Comunidade Cidadã (CC) de Mesa, 17, e Bolívia Disse Não (BDN) de Ortiz obteve 1 senador. Já para deputados, o MAS obteve 62 deputados, CC 56, PDC do coreano 9 e BDN de Ortiz, 3. Ou seja, Evo com 66 e a oposição com 68. Evo ganhou as eleições nos cinco estados de sempre, La Paz, Cochabamba, Oruro, Potosí e Pando. E a oposição se impôs nos outros quatro, Santa Cruz, Beni, Tarija e Chuquisaca confirmando a divisão histórica do país entre oriente controlado pelas oligarquias de direita, e ocidente, controlado mais pela esquerda.
Ainda que tenha seguido vencendo nos cinco estados, o Evo Morales de 2019 sofre sua maior derrota política, e se o final da apuração, confirmar segundo turno, terá uma grande dificuldade, haja vista a tendência de unificação da oposição de direita ao redor da candidatura de Mesa. Caso o resultado final confirme não haver segundo turno, a governabilidade de Morales estará bem difícil já que não terá a ampla maioria no parlamento. O mesmo ocorrerá com Mesa caso haja segundo turno e vença, ou seja, não terá maioria no parlamento. O cenário boliviano em qualquer caso é de gigantesca polarização política.
O contexto das eleições
O que explica os resultados com 84% de apuração? Primeiro é necessário destacar que Evo é o último remanescente dos chamados governos bolivarianos ou “governos progressistas”. Aquela onda de governos de esquerda e que ascenderam ao poder após processos revolucionários de insurreições e revoltas populares que sacudiram a América Latina a partir dos anos 2000. Evo, depois de Lula, foi o de maior popularidade. Realizou algumas reformas econômicas importantes, no marco de reestatizar algumas empresas, nacionalizar o gás boliviano aumentando o valor cobrado às multinacionais que operam no país, negociou melhores preços para o país na venda do gás para Brasil e Argentina, fato que possibilitou maior arrecadação estatal e assim, a criação de políticas sociais voltadas para as crianças na escola “bônus Juancito Pinto”, o “bônus Juana Azurduy de Padilla” para as mulheres grávidas que fazem pré-natal e o “Renta Dignidad” que é voltado para as pessoas idosas com mais de 65 anos.
Assim, Evo conseguiu aliviar a pobreza, equilibrou as finanças do país na rasteira dos elevados preços das comodites, e manteve um importante equilíbrio fiscal. Apesar da crise mundial aberta em 2008, Bolívia mantém um crescimento na casa dos 4%. Além disso, realizou reformas políticas importantes (Constituinte e uma Nova Constituição que instituiu o Estado Plurinacional da Bolívia) no sentido de garantir maior espaço aos povos indígenas historicamente excluídos da vida política do país. Esses são os fatores objetivos, que explicam a força de Morales, quando os demais governos progressistas foram superados pela direita ou extrema-direita na América latina.
Os elementos de desgaste, são múltiplos. Evo se enfrentou em 2010, com os sindicatos, Central Obrera Boliviana e a população no “gasolinazo”, levante popular contra o decreto 478 de Evo que aumentava as passagens de ônibus e os combustíveis entre 100 e 150%, e que Evo teve que recuar devido as fortes mobilizações. Depois em 2011 Evo se enfrentou com os povos indígenas no caso da construção de uma carreteira no Território Indígena e Parque Nacional Isiboro Sécure (TIPNIS). E seu maior desgaste está relacionado com o 21F em 2016.
Em 2016, o governo e seus apoiadores convocaram um referendo para modificar a Constituição aprovada em 2009, com o objetivo de alterar o artigo que impedia a reeleição a um quarto mandato. Evo perdeu esse referendo por uma margem muito pequena, 51,3% votaram pelo “não”. Apesar disso, o governo recorreu ao Tribunal Constitucional que determinou em novembro de 2017, que o limite de dois mandatos era uma espécie de violação dos direitos humanos e autorizou a nova candidatura de Evo para o pleito de 2019.
A decisão gerou acusações da oposição de que o governo estaria sendo favorecido pelo tribunal e serviu para fortalecer toda a oposição contra Morales. O argumento de que o governo estava violando a democracia passou a ser utilizado por toda a direita que estava recolhida desde a fragorosa derrota sofrida em sua fracassada tentativa de golpe em 2008.
A oposição cresceu com essa bandeira do 21F, Carlos Mesa fez sua campanha e conseguiu reunir todos os setores da direita ao seu redor nos grandes comícios que fizeram nas últimas semanas de campanha. O acirramento e uma disputa muito apertada já era visível.
Por outro lado, o MAS e Evo Morales, souberam utilizar a incipiente convulsão social e política no continente, a partir da experiência popular com o retorno da direita ao poder. A realidade da Argentina que aponta para uma possível derrota de Macri, a rebelião no Equador contra a política do FMI de Lenin Moreno, foram fortemente lembrados nos comícios de encerramento da campanha de Evo.
Lamentavelmente, os movimentos sociais e a esquerda boliviana que resistiram à politica de cooptação do governo não conseguiram construir uma saída à esquerda do MAS e Evo Morales. Até tentaram, houve inclusive a tentativa de construção de um Partido dos Trabalhadores (PT) encabeçados pelos mineiros, mas um setor da esquerda boicotou e o governo incidiu para impedir o desenvolvimento dessa iniciativa. O resultado foi a recomposição da direita e da extrema-direita, desgaste do governo e ausência de uma alternativa de independência de classe nesse processo.
Nesse cenário complexo, em que ainda faltam 16% dos votos a serem apurados, e que são dos interiores, base indiscutível de Morales, Bolívia já intensifica sua polarização. O Tribunal Regional Eleitoral retomou a apuração, Carlos Mesa já convoca seus eleitores às ruas e Morales declara está confiante que os votos que faltam, garantirão sua vantagem de 10% e assim evitará o segundo turno. Seja qual for o resultado, Bolívia vai ferver!
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